* TRABALHO: a dicotomia Homem/Máquina

Contributos para o conceito de Trabalho: a dicotomia Homem-máquina

O Trabalho, entendido como actividade e acção do Homem, é indissociável da história da humanidade, pois todo o percurso civilizacional é também o itinerário do trabalho, e toda a história da vida humana, feita de feitos, obras, eventos, é a memória do trabalho, no esforço, no que expressa de criação, de talento e de arte.

Olhar os tempos, a memória do passado, é testemunhar o que o Trabalho proporcionou, plasmado na recriação deste novo mundo, como espaço vivencial das comunidades, onde cada civilização, cada povo, deixou marcas indeléveis da sua obra, da sua acção, da sua cultura, dos seus valores, em cidades, em monumentos, em obras pequenas ou grandes, expressões do engenho humano, do seu esforço e empenho para transformar, para o bem e para o mal, o meio envolvente, como forma de viver, de subsistir, de marcar o seu sentido de vida.

A história do mundo, das civilizações, dos povos e das culturas, é a história do Trabalho, tudo o que resultou do esforço, da imaginação, do labor dos nossos antepassados e dos nossos concidadãos, que com arte, engenho, saber e astúcia, souberam adaptar-se ao mundo superar constrangimentos de toda a ordem e assim construíram esse nosso mundo maravilhoso que disfrutamos, com imaginação, ideias, querer, em suma, com Trabalho.

E ao referirmo-nos genericamente à expressão tão ampla Trabalho, a que nos reportamos exatamente?

É essa a abordagem que nos propomos, do conceito, do valor, e da dimensão desse universo, referenciando todos os dados e elementos estruturantes deste conceito, centrado na pessoa humana, que nos propomos, para assim, percepcionarmos mais adequadamente esta realidade.

As ideias múltiplas de Trabalho

O trabalho é assim uma expressão que designa uma realidade, com várias dimensões, mas no essencial, correspondendo a uma ideia de esforço, de ação, de atividade, analisado de várias perspetivas, particularmente pelos físicos e mecanicistas, comparando o homem a uma máquina, que produz mediante a sua força e a sua energia.

Esta dimensão do trabalho, como forma de produzir algo, como produto do homem-máquina, que se contrapõe, nos nossos dias, a ideia de máquina inteligente (robotização), ambas centrando o trabalho no resultado e na força que envolve, destituindo-o das dimensão ética e psicológica que o trabalho fundamental expressa.

Neste enquadramento do trabalho, numa perspetiva meramente física, de comparabilidade e equiparação homem – máquina e vice-versa. Estamos a considerar apenas uma visão técnica deste, omitindo a dimensão suprema do trabalho como expressão pessoal e de realização humana.

O trabalho comporta esforço, gastos de energia, pelo menos na sua dimensão física, pois o trabalho intelectual pressupõe outros fatores de análise, pois resulta da criatividade, que não é mensurável em força física, mas no plano das ideias, da imaginação, da faculdade criativa.

O trabalho humano comporta riscos, acidentes e o trabalho realizado pelas máquinas, implica dispêndio de energia (química ou outra) e pode implicar avarias, falhas, degradação ou erosão do material, tudo numa lógica material, diferente quando se trata de trabalho humano, onde existem emoções, sentimentos, dores e sofrimento.

Mas, tendo presente esta diferenciação – homem, máquina - que será sempre o ponto de chegada de todas as teorizações sobre o trabalho, no sentido de esforço e ação, vejamos o essencial das análises em torno do conceito.

O conceito de trabalho, na sua aceção física/mecanicista, considera-o como “o esforço necessário para movimentar um corpo (objeto) na direção da forçam e na distância de 1 metro”, traduzindo-se assim na fórmula matemática W=F x D (Trabalho = Força x Distância percorrida).

Quando uma maçã que pesa l newton (N) é levantada a 1 metro na vertical, o “trabalho” realizado é de 1 joule. (“J”) que é a unidade de trabalho e de energia. Um joule é o trabalho realizado quando uma força de 1 Newton (N) faz mover algo na distância de 1 metro na direcção da força)

Para os cientistas, só se realiza “trabalho” quando uma força faz deslocar alguma coisa.

Se levantarmos um objecto pesado, realizamos “trabalho”, porque exercemos uma “força” que faz mover o objecto.

O trabalho não pode ser realizado sem energia, sendo esta, a capacidade de realizar trabalho, pois que, quando se realiza trabalho gasta-se ou transforma-se a forma de energia (a nossa energia é obtida dos alimentos e designa-se de energia química).

A 1ª lei de Newton conclui que “ se um objecto não for puxado ou empurrado por uma força, permanecerá em repouso ou em movimento rectilíneo uniforme em linha recta “.

“Um objecto em movimento tem “energia” porque pode realizar “trabalho” (Thomas Young).

A variação da quantidade de movimento de um corpo é proporcional à força que sobre ele actua.

Os efeitos gerados por acção de uma “força” são: trabalho e energia, sendo que esta (energia) é a capacidade que um dado sistema tem de realizar “trabalho”.

O trabalho físico define-se como sendo, o produto da força aplicada, pela distância percorrida, e a sua magnitude depende da intensidade da força aplicada e desta ter ou não o mesmo sentido que o movimento em questão.

O trabalho pode ser “positivo “ ou “negativo”, conforme a força actua no sentido do movimento ou em sentido contrário a este. A grandeza física que define esses parâmetros é designada por “potência” (P), que expressa por sua vez a quantidade de trabalho que é possível fazer numa unidade de tempo.

Assim o postulado que “É impossível gerar trabalho a partir do nada “.

Com o advento da Revolução industrial (1750-1850), passa a ocorrer uma grande incorporação de máquinas no desempenho dos mais variados trabalhos, na produção de energia e na locomoção. Surgem as máquinas na produção de trabalho (p.e. os teares) e as máquinas utilizadas na produção de energia (as máquinas a vapor).

A origem de todas as descobertas radica no desejo do homem de despender pouco esforço e trabalho, pelo aproveitamento das leis naturais. Quando o Homem aprende a caçar os animais com arco e flecha, evitava assim de correr, quando passou a dispor de aparelhos elevatórios para transportar cargas pesadas, implica para si, menos esforço.

Assim, os processos de trabalho alteram-se, adaptam-se a esta racionalização, a produção em série, com maior produção, mas tem um preço: o trabalho torna-se monótono.

Na relação comparativa entre Homem e Máquina, considerando ambos como produtores de trabalho, os físicos elaboram a analogia entre estes, considerando que “ aquilo que a máquina realiza pode ser considerado como “trabalho” uma vez que esta substitui o Homem na execução de uma tarefa”.

Na teoria mecanicista, o trabalho designa simultaneamente a atividade realizada, expressa no produto (obra) e aquilo que foi investido de força física e psíquica para tal (o esforço, a fadiga). Desta dualidade decorre a teoria do rendimento mecânico, demonstrando que tal como o Homem, a máquina produz (trabalho útil, aquele que é economicamente relevante)) mas também dispêndio (trabalho total), pelo que a fadiga sentida pelo Homem no acto produtivo terá também um equivalente mecânico.

Na teoria clássica, o trabalho do Homem distingue-se dos demais, pois caracteriza-se por ser uma atividade consciente e racional (enquanto os animais são movidos por instintos e a máquina por comandos), pelo que as comparações seriam meramente simbólicas.

O trabalho humano e a produção das máquinas: a lei da entropia

Subjacente à histórica relação Homem-Máquina, persistia a ideia da construção de uma máquina que pudesse efetuar trabalho permanente sem consumir energia, sem desperdício, apenas rendimento total, que assim substituísse o recurso ao trabalho humano ( o movimento perpétuo), mas a designada lei da Entropia (o grau de desordem num sistema) que segundo Rudolf Clausius ( 2ª lei da termodinâmica): nenhuma máquina converte calor em trabalho, com eficiência total, alguma energia é sempre perdida.

A entropia é deste modo uma grandeza termodinâmica associada ao grau de desordem, sendo a medida da energia que não pode ser convertida em trabalho.

Para os defensores e visionários da prevalência das máquinas, em desfavor do trabalho humano, fica patente que estas têm condicionantes, seja no plano material – não existe plena eficácia – quer no plano dos valores, onde deve prevalecer a sociedade humana, com as suas virtualidades e os seus constrangimentos.

“O Trabalho é o traço específico da espécie humana. O Homem é um animal social essencialmente ocupado com o Trabalho e este é o denominador comum e a condição de toda a vida humana em sociedade “ (Tratado de sociologia do trabalho – G. Friedman e P. Naville).

Assim, referenciadas as teorias mecanistas do trabalho – na evocada equivalência entre Homem e Máquina – fica patente a prevalência do valor humano do trabalho e a sua centralidade na pessoa humana, sendo as máquinas apenas e só auxiliares no processo produtivo, de maneira a que, cada vez mais exista produção com menos recurso ao trabalho humano, em favor da qualidade e da melhoria dos rendimentos e não da sobreposição da máquina ao Homem.

No plano da Segurança e da Saúde no trabalho – a ergonomia ao defender a adaptação do trabalho ao Homem e não deste ao trabalho, faz prevalecer o fator humano como modelador dessa relação - a centralidade é o trabalhador, a sua segurança e a sua saúde, para que o acto de trabalhar seja um momento de afirmação e de realização na expressão das suas capacidades e valores, não como mais um elemento no processo produtivo, a par das máquinas, mas a pessoa humana, que como tal deve ser valorizada e protegida, na defesa da sua integridade física e no seu bem estar.

As máquinas, particularmente no contexto da Segurança e Saúde no Trabalho, são meios auxiliares de trabalho e que podem substituir o Homem, fundamentalmente nas tarefas mais árduas, monótonas, repetitivas e perigosas ( p.e trabalhos subterrâneos, trabalhos em condições climáticas extremas, trabalhos com produtos químicos, tóxicos ou corrosivos).

O recurso sensato e equilibrado às máquinas – automatização/robotização – pode ser uma opção razoável, se doseada, se em complemento e apoio ao trabalho humano, mas não de forma desenfreada, de substituir por substituir, na procura de rentabilidade fácil, pois essa estratégia pode ser negativa e com custos sociais e económicos incomensuráveis.

As Sociedades, por mais evoluídas que sejam, tecnológicamente, integram pessoas e é para estas que devem existir, de forma sensata e equilibrada, recorrendo à automatação/robotização na medida do razoável, sem traumas e soluções eivadas de puro materialismo, pois isso só conduz a rupturas e conflitos.

Não se trata de negar a importância da tecnologia e da introdução de máquinas, nas tarefas e na vida das pessoas e das empresas, mas de conter os exageros, do que pode levar à supressão excessiva de postos de trabalho, de aumento desmesurado do desemprego, pois nestes casos, a factura dessa opção será elevada, com custos sociais e marginais acrescidos.

Como tudo na vida, o bom senso e a sensatez devem ser regra. As pessoas em primeiro lugar e sua felicidade e uma Sociedade Feliz, beneficia todos.

* Rui Gonçalves da Silva/Madeira