50 anos da autonomia regional na Madeira (1976-2026)
Recordar o passado, Celebrar o presente e Perspetivar o futuro
Introdução
Este trabalho simples, constitui singela abordagem a esta problemática, pelos seus contornos essenciais, visa apenas, evidenciar a importância da consagração da autonomia regional, sublinhar a efeméride, enaltecer as virtualidades desta realidade, destacar a obra feita, as dificuldades na sua implementação e afirmação, quer no passado histórico, quer no percurso já realizado, mas sobretudo evidenciando a crença no seu potencial de evolução e valorização futura.
A autonomia regional, como modelo institucional de poder descentralizado, no contexto de um Estado unitário, como expressão do reconhecimento dos direitos das populações insulares, na gestão própria do seu destino, será, entre outras, uma das conquistas mais marcantes e distintivas, decorrente do regime democrático instituído em Portugal, na sequência da revolução de 24 de Abril de 1974.
Esta revolução, movimento de sublevação militar, que fez cessar o regime ditatorial do Estado Novo ( 1926-1974), que corporizava um Estado centralizador, repressivo, onde se evidenciava a restrição sistemática dos direitos individuais e coletivos, e no caso particular dos territórios insulares dos Açores e da Madeira, consubstanciado num alheamento e desvalorização dos valores e aspirações das suas populações, do que resultava o acentuado atraso e fraco nível das condições sócio-económicas das suas gentes, debilidades e miséria, realidade que o distanciamento territorial e a condição insular agravavam.
A população audaz e laboriosa, destas regiões insulares, que desde os primórdios do povoamento, sempre dera provas das suas qualidades, de empenho, luta, persistência e tenacidade, no desbravar da natureza agreste, vencendo adversidades, superando todos os desafios, aspirava ao reconhecimento do seu valor, das suas qualidades e dos seus direitos, que o poder central, persistia em negar.
O tempo e a situação anterior à consagração da autonomia, em relação à situação vivida no processo de consolidação da autonomia e do pleno funcionamento das suas instituições e prerrogativas, ao longo destes ora celebrados 50 anos, não tem comparação com esse passado de subjugação, pois é notória a mudança, a melhoria da qualidade e das condições de vida da população, que soube exercer os seus direitos e beneficiar dos proventos do seu desenvolvimento, em beneficio de todos.
Com a autonomia regional, consagrada na Constituição de 1976, abriram-se horizontes de realização e esperança, onde foi possível decidir, expressar a vontade própria, concretizar os seus planos e desígnios, pois com ela, com a sua implementação gradual, concretizada com a criação de orgãos e serviços regionais, com competências transferidas dos correspondentes departamentos nacionais, chegara finalmente o tempo das populações insulares disporem de meios e instrumentos legais e políticos, de condições efectivas de exercerem os seus direitos e definirem o rumo do seu futuro, em sintonia com os valores nacionais.
Autonomia não é separatismo, não é desagregação do todo nacional e dos valores que unem e definem históricamente a portugalidade, de pertença integral como Nação comum, pelo contrário, é um processo de descentralização, de emancipação, de autogoverno, no respeito pela Constituição e pelo quadro legal geral, na gestão própria dos seus interesses, nos seus limites e condicionantes, que não invalidam a afirmação e o desenvolvimento sócio-económico das populações insulares, de acordo com plano e projecto próprio.
Breve nota sobre os antecedentes históricos da autonomia
Apesar de constatações históricas que dão conta do conhecimento da existência do arquipélago da Madeira, em épocas anteriores, por navegadores de várias origens, confirmando não ser povoado, foram contudo, navegadores portugueses, que primeiro aqui aportaram e se fixaram.
Segundo os dados predominantes, a Madeira foi descoberta em 1419 por João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo, que antes tinham chegado a Porto Santo em 1418. Só mais tarde, em 1425, iniciou-se o seu povoamento, por indicação do Infante D. Henrique, iniciando a colonização, dividindo as ilhas da Madeira e Porto Santo, em três capitanias, sendo os três navegadores descobridores, os seus primeiros capitães-donatários.
A Madeira foi explorada inicialmente através do ciclo dos cereais, depois do açúcar e, mais tarde, do vinho, o que permitiu o progressivo desenvolvimento desta região insular.
Localização
O arquipélago da Madeira situa-se na placa africana, no oceano Atlântico entre 30° e 33° de latitude norte, 978 km a sudoeste de Lisboa, cerca de 700 km a oeste da costa africana, quase à mesma latitude de Casablanca e 450 km a norte das Canárias.
De origem vulcânica, é formado por:
- Ilha da Madeira (740,7 km²);
- Ilha do Porto Santo (42,5 km²);
- Ilhas Desertas (14,2 km²) — 2 ilhas desabitadas e 1 habitada (somente por Vigilantes da Natureza e biólogos ou geólogos para estudos);
- Ilhas Selvagens (3,6 km²) — 2 ilhas habitadas (somente por Vigilantes da Natureza ou Polícia Marítima) e 17 ilhotas desabitadas.
Situam-se a 165 km a norte da arquipélago das Ilhas Canárias, a 250 km ao sul da cidade do Funchal (Madeira), a cerca de 250 km a oeste da costa africana, a cerca de 1 000 km a sudoeste do continente europeu. As ilhas Selvagem Grande e Selvagem Pequena distam 15 km uma da outra.
Por carta de 26 de Setembro de 1433, o rei D. Duarte doou o arquipélago da Madeira a seu irmão, o infante D. Henrique, com todos os direitos e rendas, bem como a jurisdição cível e crime, salvo em sentença de morte ou talhamento de membro. O donatário não podia cunhar moeda própria nas ilhas. Nesta data, a Ordem de Cristo recebeu «todo o espiritual» das mesmas ilhas, a pedido de D. Henrique, como declarou o rei na respectiva carta de doação. Desta forma, o Infante ficou duplamente vinculado ao arquipélago madeirense, como donatário, regedor e governador dos cavaleiros de Tomar. A doação de D. Duarte à Ordem de Cristo reservava, no entanto, para a Coroa, o foro e o dízimo de todo o pescado das ilhas do arquipélago madeirense, bem como todos os outros direitos reais.
Posteriormente ocorreu a distribuição/repartição das terras pelos três navegadores povoadores, da seguinte forma: as ilhas do Porto Santo e Madeira ficaram divididas em três capitanias. O Porto Santo, por ser uma ilha pequena, ficou entregue na totalidade a Bartolomeu Perestrelo, a ilha da Madeira foi administrativamente divida em duas àreas, por uma linha traçada em diagonal entre as pontas da Oliveira e do Tristão: a vertente meridional, dominada pelo Funchal, ficou na posse de João Gonçalves Zarco, enquanto a restante área, incidindo na costa norte, ficou sob tutela de Tristão Vaz Teixeira.
De concreto, apenas se sabe que foi no uso dos plenos poderes conferidos pela doação de 1433 que o infante D. Henrique distribuiu, a partir de 1440, as terras do arquipélago àqueles que haviam procedido ao seu descobrimento e que por isso e em reconhecimento desse feito, seriam os seus capitães donatários.
O Infante D. Henrique ao dividir o arquipélago da Madeira em capitanias, deu origem à estrutura-base da administração insular nos séculos XV e XVI, que permaneceu até à sua extinção com as reformas pombalinas. A capitania de Machico (doada a Tristão, em 8 de Maio de 1440) foi extinta em 1767, a do Porto Santo, (doada a Bartolomeu Perestrelo a 1 Novembro de 1446) foi extinta em 1770, e a do Funchal, (doada a 1de Novembro de 1450, a João Gonçalves Zarco) foi extinta em 1766, ocorrendo a incorporação destas na Coroa, uma forma de centralização do poder.
A instituição da capitania do Funchal, depois da de Machico e da do Porto Santo, ocorreu trinta anos após o início do povoamento, e considera-se que tal, seria a legitimação jurídica de uma situação de facto. Com efeito, Zarco capitaneou a expedição às ilhas e, desde os primórdios da ocupação portuguesa do arquipélago, assumiu, por mandado de D. João I, papel relevante na distribuição de terras.
Pela Carta de doação do rei D. Duarte foram doadas ao Infante D. Henrique, de forma vitalícia, das ilhas da Madeira, Porto Santo e Deserta, com todos os direitos, rendas e jurisdição cível e crime, salvo em sentença de morte e talhamento de membros, e com reserva, para o rei, da alçada e da cunhagem e curso da moeda. 1433-09-23. Portugal, Torre do Tombo, Chancelaria de D. Duarte, liv. 1, f. 18
Por altura do domínio Filipino de Portugal (1580) a Madeira esteve a ser administrada por Governadores Gerais nomeados por Castela, embora nessa altura subsistissem as Capitanias, todavia com poderes reduzidos.
A partir da Restauração da independência de Portugal (1640) passou a existir no arquipélago da Madeira, um Governador e Capitão General, mandatário do Rei, tendo estes comandado durante 180 anos, envolvendo 36 Governadores até à revolução liberal.
O regime das Capitanias vigorou por 350 anos (1440-1790) tendo sido extintas pela rainha D. Maria I ( a 19 de Julho de 1790).
No contexto das guerras napoleónicas ( França/Inglaterra: 1801/1814) a Madeira foi ocupada por tropas inglesas, que tinham a sua base militar no território insular, supostamente para proteção da população, das tropas napoleónicas.
Como resultado da revolução liberal, iniciada no Porto (1820) cessou o poder absoluto, criando nova ordem constitucional ( Constituição de 1822). O novo regime previa a existência de 3 deputados da Madeira nas Cortes. A nova Constituição considerava o território insular como “ Ilhas adjacentes” e a sua administração estava a cargo de Juntas Gerais e de Governador, ambos com competências limitadas.
Ao tempo, o poder central, tido como excessivo, era contestado, quer na Madeira como nos Açores, sendo já evidente as preocupações de autonomia regional, em defesa dos interesses próprios.
Durante o período da 1ª república ( 1910-1926) o sistema da administração insular era cometido a Governadores Civis ( designados pelo poder central da república). Existiram durante tal período, 30 Governadores Civis.
No Estado Novo ( 18 de Maio de 1926 a 25 de Abril de 1974), a Junta geral do distrito insular, não obstante terem mais poderes administrativos e de gestão corrente, não dispunham dos necessários meios financeiros. Nesta época ocorreu a Revolta da farinha ( 1932), a Revolta da Madeira (1930), a revolta do leite (1939), como expressão da manifestação da população contra a opressão dos abusos do poder central face às condições impostas e abandono pelo poder central. Estas manifestações foram objecto de repressão e castigo, com agravamentos fiscais e prisões arbitrárias.
A Revolta da Farinha, decorreu entre o dia 4 e o dia 9 de fevereiro de 1931 na ilha da Madeira, resultou não só de um movimento reivindicativo contra uma medida do Governo da Ditadura Nacional, como acima de tudo, representou uma sublevação iniciada por populares.
A 26 de janeiro de 1931, o governo da Ditadura Nacional publicou o Decreto-Lei n.º 19 273, do Ministério da Agricultura, que ficou conhecido como “o decreto da fome”, o qual consagrava um conjunto de medidas, que visavam a regulamentação do preço do trigo e da farinha, em consonância com a “acentuada baixa” de preços nos mercados mundiais. Além disso, os artigos 11.º e 12.º deste Decreto, estabeleciam a proibição para a construção de novas padarias ou o aumento de instalações das já existentes, sem a expressa autorização do Ministério da Agricultura.
Como reação a estas medidas, no dia 4 de fevereiro, os comerciantes da cidade do Funchal iniciaram uma greve geral, exigindo a revogação total do diploma. Estes acontecimentos originaram confrontos com as forças policiais, que se prolongaram até 9 de fevereiro e terminaram com a chegada das tropas e do Delegado Especial do Governo da Ditadura, dando ordens de perseguição e consequente prisão aos envolvidos nesta Revolta. Tendo em conta as dimensões que este acontecimento tomou, o decreto foi suspenso.
A ‘Revolta da Farinha’ representou uma reação popular ao fim do regime livre de importação de cereais e farinha, e à criação do regime de monopólio. Esta medida interrompeu a aquisição normal da farinha e viria a determinar um significativo aumento do preço do pão, bem essencial da alimentação dos mais humildes.
A revolta do leite (1936)
Quando o governo central promulgou o decreto nº 26 655 de 4 de Junho de 1936, criando a Junta de Lacticínios da Madeira, para, segundo alegado, organizar o sector, tal medida suscitou uma forte reação popular, que deu origem à chamada “revolta do leite”, pelos receios de que seria criado uma situação de monopólio, ou de domínio das principais fábricas de manteiga, com prejuízos nos rendimentos dos pequenos produtores de leite. Esta revolta, como expressão do descontentamento popular, começou primeiro pela costa norte e depois por outros concelhos da Região. A criação de um monopólio na indústria de lacticínios, tal como já se tinha verificado em relação às farinhas e ao açúcar, gerou enorme descontentamento na população, particularmente nos criadores de gado e nos pequenos produtores de leite.
A revolta do leite, surge assim, nesse contexto/conflito de interesses, entre pequenos produtores e grandes empresas, com o apoio a estes, do governo da república. Na sequência de anteriores situações, no acumular de medidas lesivas da população mais humilde, o descontentamento ganhou proporções e instalou-se o protesto e a revolta, com confrontos com as forças policiais e militares, ocasionando, feridos, mortes e sobretudo muitas prisões.
O padre César Teixeira da Fonte, na sua função de pároco colocou-se ao lado dos seus paroquianos, para informar, esclarecer e orientar, apaziguando os ânimos e tentar junto das autoridades civis, a reversão de tais medidas, atitude que lhe valeu incompreensões e a hostilidade dos corregionários do regime, quer civis, militares, policiais e religiosos, conotando-o, intencionalmente e sem qualquer fundamento,com ideologias revolucionárias (comunistas), contra o Estado Novo de Salazar, no claro intuito de o prejudicar e banir, como veio a acontecer.
O padre César Teixeira da Fonte, acabou por ser preso, a pretexto (segundo a PVDE) de ter incitado a revolta, juntamente com vários populares, a 11 de Setembro de 1936, sendo enclausurado na prisão do Lazareto, durante 11 meses, sem direito a defesa e a condições dignas, sendo tratado de forma ultrajante, sem a mínima consideração pelo seu estatuto de clérigo.
No seu todo, verificaram-se 669 prisões, decorrentes destes amotinamentos, dos quais 53 seguiram para os Açores, 117 para a prisão do Lazareto e enviados para Lisboa 141 pessoas ( incluindo 10 mulheres).
A reação dos pequenos produtores - gente simples dos meios rurais, com parcos rendimentos - mais não eram de que simples protestos, sem motivações políticas, mas de defesa dos interesses económicos, destes pequenos produtores e que pretendiam que o novo decreto fosse suspenso, até que fosse encontrada a solução mais justa e adequada.
O Governo central e os seus representantes locais, não anuíram a qualquer solução, a não ser o cumprimento integral do decidido, até pela razão de não terem boa vontade com a população da Madeira, face aos antecedentes de revolta ( da Madeira, da farinha e do açúcar) e por isso deveria ser mantida e acentuada a ação enérgica das forças da ordem, para reprimir e punir exemplarmente os ditos revoltosos.
O Padre César Miguel Teixeira da Fonte, posteriormente seguiu a bordo do navio “Lima”, transferido para a prisão de Caxias, em Lisboa, e quanto liberto ( após 3 meses) foi aconselhado a fixar-se no continente e uma vez impedido de exercer as suas funções como clérigo, optou por matricular-se no Curso de Direito, formação que terminou a 21 de Julho de 1943, a partir do que passou a exercer a advocacia, no qual se distinguiu na defesa dos mais humildes e de casos de prisões políticas.
Após a revolta do leite e como sanção geral ao povo da Madeira, o regime central, através do decreto-lei nº 26.982 estabeleceu que as despesas resultantes dos motins, seriam pagas (a preços especulativos) com taxas de agravamentos dos impostos, pelos habitantes da Ilha da Madeira, principalmente pelos residentes nos concelhos onde ocorreram distúrbios e destruição de bens. Estas sanções incluíam as custas com a polícia, tropa, marinha bem como a reconstituição das matrizes prediais e totalidade das reparações dos edifícios danificados.
A 1ª República e a Madeira
O país viveu tempos difíceis na 1ª República, que apesar das esperanças criadas com a queda da monarquia e o advento do período republicano e democrático, esta não atingiu os objectivos enunciados e que tinham inspirado os movimentos revolucionários, pelo contrário, foram tempos de profunda instabilidade, de crises governativas, de crise social e financeira, que dificultaram os níveis de desenvolvimento desejados.
Na Madeira, região insular, pobre e carente, viviam-se tempos difíceis, de dificuldades acrescidas pelo isolamento, com fome, alcoolismo,surtos de cólera,provocando desânimo e revolta nas populações. A lei da separação da Igreja do Estado não foi bem aceite por uma população crente e devota, bem como muitas medidas legislativas tomadas pelo governo nacional, no plano agrícola e comercial .
A acção, entre outros, do Visconde da Ribeira Brava foi determinante na obtenção de meios e condições de melhoria da vida da população local, pela sua determinação e influência junto do poder central.
A sua voz fez-se ouvir no parlamento nacional, bem como nas instâncias governativas e na sua ação nos orgãos regionais, como a Junta Agrícola da Madeira, o que permitiu a concretização de infraestruturas básicas essenciais - nas redes viárias, no saneamento, na irrigação, na saúde, nos portos , na defesa da produção regional dos vinhos, da aguardente, da cana do açúcar- e como bem o demonstra o seu desabafo pungente a jornal da época ( o Radical - 6.11.1911) quando disse " Faz doer o coração e muitas vezes tenho sentido humedecer-me os olhos, não sei se de vergonha se de amargura, quando vejo o abandono, o desprezo, o aviltamento a que tem sido votada esta terra".
Mercê do seu empenho enquanto deputado empenhado e lutador, aliada à firmeza na suas convicções, na defesa dos interesses e nas causas da Madeira, tudo fez para conseguir os meios necessários para suprir tão profundas necessidades e carências desta Região e do seu concelho natal (Ribeira Brava) que ajudou à sua criação em 1914.
Apresentou proposta legislativas ao parlamento, de que se destaca para a criação da Zona Franca e do Porto Franco na Madeira, a exemplo de Canárias, medida que não obstante o seu empenho, não foi adoptada.
Graças à sua acção, foram construídas as principais estruturas viárias da Madeira de então - onde os acessos eram difíceis face à orografia - como a Estrada do Funchal a Santa Cruz (1915), depois aumentada até Machico (1916), a Estrada até à Encumeada (1916), a extensão do porto do Funchal e criação de outros pequenos portos regionais, obras concretizadas pela Junta Geral do Distrito do Funchal.
Enquanto deputado, nomeadamente na legislatura de 1915-17, prosseguiu a defesa dos interesses da Madeira, quanto à posse das águas de irrigação, na proteção do bordado, na isenção de taxas alfandegárias dos produtos essenciais, na protecção do vinho da madeira, na consagração de regras justas e equitativas no regime de colonia então vigente, protegendo o colono do poder do senhorio, pugnou pela instauração do sistema de ensino para combater o enorme analfabetismo ( que atingia 90% da população).
A Junta Agrícola da Madeira, ( criada a 11 de março de 1911) na altura para gerir o problema da cana sacarina e da aguardente, passando a gerir o fundo constituído pelo imposto sobre a fabricação da aguardente, teve uma acção preponderante do desenvolvimento da região. O Visconde da Ribeira Brava esteve em funções neste orgão entre 1912 e 1917. Extinta a 2 de Maio de 1919, pelos problemas das áreas de competência e intervenção da Junta geral ( orgão administrativo junto do Governador Civil ) as suas funções transitaram para a Junta Geral do Distrito do Funchal, tendo sido um importante orgão na política de desenvolvimento regional.
A coexistência de funções entre a Junta Agrícola e a Junta Geral do Distrito do Funchal originava problemas práticos de conflitos de competências.
Para a construção das estradas regionais - obras difíceis e que eram resgatas à montanha e às escarpas - o Visconde da Ribeira Brava contratou 50 caboverdianos, que não teriam as condições adequadas de trabalho e de remuneração, o que na altura suscitou reparos e polémicas.
O Governador civil do Funchal, José Vicente de Freitas - outro madeirense ilustre que chegou a presidente do Governo nacional na ditadura militar - por alvará de 5 de Maio de 1915 decretou a dissolução da Junta Geral.
A acção da Junta Agrícola era decisiva e de impacto na Região, pelo que existiam criticas ao seu modelo de intervenção por parte de opositores políticos afirmando estes que que " a junta não aplica os dinheiros no desenvolvimento e protecção da agricultura , mas mais no turismo, e não satisfaz os fins para que foi criada, sendo antes uma entidade política e do visconde e aliada do partido de Afonso Costa". Além disso, como já referido, havia o conflito de competências com a Junta geral, que originava problemas de relacionamento pessoal e institucional.A actuação da Junta Agrícola suscitou suspeitas, ao ponto do governo da ditadura de Pimenta de Castro, mandar proceder a sindicância, o que não agradou ao Visconde da Ribeira Brava, homem de princípios, por entender tratar-se de calúnias. O resultado dessa sindicância não apontou irregularidades, confirmando que a Junta e os seus dirigentes tinham agido com "honra e dignidade".
No essencial, perante os problemas existentes na Madeira, do atraso e da carência geral, dos monopólios no açúcar, dos problemas da fabricação da aguardente, dos conflitos de interesses e políticos que existiam no País, tais situações reflectiam-se em termos regionais, sobretudo nos ciclos de ditadura - João Franco, Pimenta de Castro e Sidónio Pais - que provocam cisões e conflitos nos orgãos locais, como era o caso da junta Agrícola, da Junta Geral e do Governador e das personalidades que geriam tais estruturas, nas quais o Visconde da Ribeira Brava, como republicano e democrata se evidenciava, na luta pelos seus ideais e pelas causas inerentes à defesa dos interesses regionais, o que era em si, prenúncio do sentido de aspiração autonómica.
A administração distrital autónoma
O Decreto-lei nº30 214 de 22 de Dezembro, revisto pelo Decreto-lei nº 31 095 de 31 de Dezembro de 1940, em cumprimento do disposto na Lei nº 1.967 de 30 de Abril de 1938 ( Código administrativo) criou as bases da administração distrital autónoma, no qual o distrito era considerado “ pessoa moral de direito público, dotado de autonomia administrativa e financeira. Existia então, a Junta Geral, com competência em várias áreas, cujo Presidente era nomeado pelo Governador Civil (este representava o Governo central da república) e esta podia elaborar regulamentos legislativos sobre matérias não legisladas por Lei ou Decreto-lei.
O 25 de Abril de 1974 e a autonomia regional
Depois da queda do regime ditatorial anterior, e instaurada a democracia, nas medidas imediatas constantes do programa do Movimento das forças armadas (MFA), entre outras, constava a destituição dos Governadores civis.
Com a revolução democrática de Abril, esta prenunciava mudanças substanciais e a Madeira aspirava que a breve prazo, a autonomia regional, essa aspiração antiga, finalmente acontecesse.
Viveu-se então um período conturbado, com movimentos sociais e políticos, muito activos, a procurar o seu espaço de afirmação, com a população exultante com as transformações ocorridas, o que indiciava o dealbar do regime democrático e o vislumbre do que seria o despertar e sobretudo a afirmação do poder autonómico
Na Madeira, entre o período revolucionário (25 de Abril de 1974) e a tomada de posse do 1º governo regional ( 1 de Outubro de 1976) manteve-se a estrutura administrativa existente ( Governador Civil e Junta Geral), embora com novos elementos, destituídos os conotados com o regime anterior.
A Junta de Salvação Nacional convidou o Tenente Coronel Carlos Azeredo, como seu delegado na Madeira.
Entretanto foi nomeado como novo Governador Civil do Distrito, uma personalidade de cariz democrático ( Dr. Fernando Rebelo), porém face às constantes criticas e problemas suscitados, este demitiu-se, tendo sido nomeado para este cargo, o agora brigadeiro Carlos Azeredo (1975), que por inerência presidia a Junta de Planeamento, que tutelava a Junta Geral do Distrito Autónomo e a Comissão Regional de Planeamento.
A Junta Geral manteve-se transitóriamente em funções, com novos membros ( presidida pelo Dr. António Loja, em substituição do Engº Rui Vieira) enquanto não fossem criadas as novas estruturas administrativas e políticas, adequadas ao novo regime, o que implicava eleições regionais e nacionais.
A junta de Planeamento ( criada pelo DL nº 139/75) era composta pelo Governador Civil e 3 vogais ( Dr. João Abel de Freitas, Prof. Virgílio Pereira e Dr. Paquete de Oliveira).
Entretanto foi criada a Junta Administrativa e de Desenvolvimento Regional, designada de Junta Regional ( DL nº 101/76 de 20 de Fevereiro de 1976), que era composta pelo Governador militar, que presidia, e 6 vogais com atribuições nas várias áreas de ação ( Engº David Caldeira, no planeamento e finanças, Monteiro de Aguiar, nos assuntos sociais, Trabalho e Emigração, Engª Rui Vieira,na Agricultura e Pescas, Engº Ornelas Camacho no Equipamento Social Ambiente, Transportes, e Dr. Evangelista de Gouveia, na Administração Escolar, Cultura e Comunicação Social, ou seja, uma estrutura embrionária do que poderia ser, no futuro próximo, a orgânica de um governo regional, na configuração da autonomia regional.
Esta Junta Regional foi empossada, pelo então 1º ministro do VI Governo Provisório da República ( 20 de Fevereiro de 1976)Pinheiro de Azevedo e assumiu funções, numa acção muito activa, adoptou várias deliberações importantes para a gestão da administração regional, elaborou 10 portarias, para regulamentar matérias e orientações, criou grupos de trabalho para questões prementes, atribuíu subsídios a empresas a empresas e instituições, até à tomada de posse do 1º Governo Regional ( 1 de Outubro de 1976).
A Junta Regional elaborou um Projecto de Estatuto Provisório para a Madeira, com o contributo de propostas de vários partidos regionais, que posteriormente foi apresentado à comissão da Assembleia da república, para a elaboração do projecto final aprovado.
A Consagração constitucional da Autonomia Regional
Constituição da República Portuguesa de 1976 é a atual constituição portuguesa, entretanto com várias revisões. Foi redigida pela Assembleia Constituinte, eleita na sequência das primeiras eleições gerais livres no país em 25 de Abril de 1975, no 1.º aniversário da Revolução dos Cravos. Os trabalhos por concluídos em 2 de Abril de 1976, data da sua aprovação, tendo a Constituição entrado em vigor a 25 de Abril de 1976.
Estando há quase 50 anos em vigor ( fará 50 anos a 2 de Abril de 2026) e tendo sido objecto de 7 revisões constitucionais (1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005), já teve mais revisões constitucionais do que a Carta Constitucional de 1826, a constituição portuguesa que mais tempo esteve em vigor (72 anos).
Desde 1976, a Madeira é uma região autónoma da República Portuguesa. Possui órgãos de governo como a Assembleia Legislativa da Madeira e o Governo Regional. O Estado Português é representado na região pelo Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, cargo ocupado actualmente (2025) pelo conselheiro Ireneu Cabral Barreto.
A Assembleia Legislativa é um parlamento unicameral composto atualmente por 47 deputados. Os deputados são eleitos para um mandato de quatro anos em listas apresentadas pelos partidos num círculo eleitoral único (ao contrário do que se passava até às eleições de 2004, em que os círculos eleitorais correspondiam aos municípios e o número de deputados era 68).
Vejamos, o que a Constituição estabelece, quanto à autonomia regional:
Estado Unitário (Artigo 6.º)
1.O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.
2. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio.
O estatuto de Portugal como um estado unitário, que se rege pelos princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, com os repetivos estatutos político-administrativos e órgãos de governo próprios (regime autonómico insular), e da descentralização administrativa.
A Sexta Revisão Constitucional, através da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, consignou:
- o aprofundamento da autonomia político-administrativa das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, nomeadamente no que diz respeito ao aumentando dos poderes (incluindo o poder de dissolução) das respetivas Assembleias Legislativas;
a substituição do cargo de “Ministro da República” pelo de “Representante da República”;
Artigo 227.º (Regime político-administrativo dos Açores e da Madeira)
1. O regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nos condicionalismos geográficos, económicos e sociais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares.
2. A autonomia das regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.
3. A autonomia político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição.
Artigo 228.º (Estatutos)
1.Os projectos de estatutos político-administrativos das regiões autónomas serão elaborados pelas assembleias regionais e enviados para discussão e aprovação à Assembleia da República.
2. Se a Assembleia da República rejeitar o projecto ou lhe introduzir alterações, remetê-lo-á à respectiva assembleia regional para apreciação e emissão de parecer.
3. Elaborado o parecer, a Assembleia da República tomará a decisão final.
Artigo 229.º (Poderes das regiões autónomas)
1. As regiões autónomas são pessoas colectivas de direito público e têm as seguintes atribuições, a definir nos respectivos estatutos:
a) Legislar, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania;
b) Regulamentar a legislação regional e as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar:
c) Exercer iniciativa legislativa, mediante a apresentação de propostas de lei à Assembleia da República;
d) Exercer poder executivo próprio;
e) Administrar e dispor do seu património e celebrar os actos e contratos em que tenham interesse;
f) Dispor das receitas fiscais nelas cobradas e de outras que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas;
g) Exercer poder de orientação e de tutela sobre as autarquias locais;
h) Superintender nos serviços, institutos públicos e empresas nacionalizadas que exerçam a sua actividade exclusivamente na região e noutros casos em que o interesse regional o justifique;
i) Elaborar o plano económico regional e participar na elaboração do Plano;
j) Participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controlo regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento económico-social;
l) Participar nas negociações de tratados e acordos internacionais que directamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes.
2. As assembleias regionais podem solicitar ao Conselho da Revolução a declaração da inconstitucionalidade de normas jurídicas emanadas dos órgãos de soberania, por violação dos direitos das regiões consagrados na Constituição.
Artigo 230.º (Limites dos poderes)
a) Restringir os direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores;
b) Estabelecer restrições ao trânsito de pessoas e bens entre elas e o restante território nacional;
c) Reservar o exercício de qualquer profissão ou acesso a qualquer cargo público aos naturais ou residentes na região.
Artigo 231.º (Cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais)
1. Os órgãos de soberania asseguram, em cooperação com os órgãos de governo regional, o desenvolvimento económico e social das regiões autónomas, visando, em especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade. 2. Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional
Artigo 232.º (Representação da soberania da República)
1.A soberania da República é especialmente representada, em cada uma das regiões autónomas, por um Ministro da República, nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro, ouvido o Conselho da Revolução.
1.Compete ao Ministro da República a coordenação da actividade dos serviços centrais do Estado no tocante aos interesses da região, dispondo para isso de competência ministerial e tendo assento em Conselho de Ministros nas reuniões que tratem de assuntos de interesse para a respectiva região.
3. O Ministro da República superintende nas funções administrativas exercidas pelo Estado na região e coordena-as com as exercidas pela própria região. 4. Nas suas ausências e impedimentos, o Ministro da República é substituído na região pelo presidente da assembleia regional.
Artigo 233.º (Órgãos de governo próprio das regiões)
1. São órgãos de governo próprio de cada região a assembleia regional e o governo regional.
2. A assembleia regional é eleita por sufrágio universal, directo e secreto, de harmonia com o princípio da representação proporcional.
3. E da exclusiva competência da assembleia regional o exercício das atribuições referidas na alínea a), na segunda parte da alínea b) e na alínea c) do artigo 229.º, bem como a aprovação do orçamento e do plano económico regional.
4. O governo regional é politicamente responsável perante e assembleia regional e o seu presidente é nomeado peio Ministro da República, tendo em conta os resultados eleitorais.
5. O Ministro da República nomeia e exonera os restantes membros do governo regional, sob proposta do respectivo presidente.
Artigo 234.º (Dissolução e suspensão dos órgãos regionais)
1. Os órgãos das regiões autónomas podem ser dissolvidos ou suspensos pelo Presidente da República, por prática de actos contrários à Constituição, ouvidos o Conselho da Revolução e a Assembleia da República. A dissolução dos órgãos regionais obriga a realização de novas eleições no prazo máximo de noventa dias, pela lei eleitoral vigente ao tempo da dissolução, sob pena de nulidade do respectivo decreto.
3. A suspensão dos órgãos regionais deve ser feita por prezo fixo, que não excede quinze dias, não se podendo verificar mais de duas suspensões durante cada legislatura da assembleia regional. 4. Em caso de dissolução ou suspensão dos órgãos regionais, o governo da região será assegurado pelo Ministro da República.
Artigo 235.º (Decretos regionais)
1.Os decretos regionais, bem como os regulamentos das leis gerais da República, são enviados ao Ministro da República para serem assinados e publicados.
1.No prazo de quinze dias, contados da recepção de qualquer dos diplomas previstos no número anterior, o Ministro da República pode, em mensagem fundamentada, exercer o direito de veto, solicitando nova apreciação do diploma.
3. Se a assembleia regional confirmar o voto por maioria absoluta dos seus membros em efectividade de funções, a assinatura não poderá ser recusada. 4. Se, porém, entender que o diploma é inconstitucional, o Ministro da República poderá suceder a questão da inconstitucionalidade perante o Conselho da Revolução, nos termos e para os efeitos dos artigos 277.º e 278.º, com as devidas adaptações.
Artigo 236.º (Comissão consultiva para as regiões autónomas)
1.Junto do Presidente da República funcionará uma comissão consultiva para os assuntos das regiões autónomas, com a seguinte competência;
1.a) Emitir parecer, a solicitação do Ministro da República, acerca da legalidade dos diplomas emanados dos órgãos regionais;
2.b) Emitir parecer, a solicitação dos presidentes das assembleias regionais, acerca da conformidade das leis, dos regulamentos e de outros actos dos órgãos de soberania, dos direitos das regiões, consagrados nos estatutos; c) Emitir parecer sobre as demais questões cuja apreciação Ihe seja solicitada pelo Presidente da República ou Ihe seja atribuída pelos estatutos ou pelas leis gerais da República.
3. Compõem a comissão: a) Um cidadão de reconhecido mérito, que presidirá, designado pelo Presidente da República; b) Quatro cidadãos de reconhecido mérito e comprovada competência em matéria jurídica, sendo designados dois pela Assembleia da República e um por cada assembleia regional.
4. O julgamento das questões previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 compete ao tribunal de última instância designado por lei da República.
Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira
O n.º 2 do artigo 302.º da Constituição da República estabelecia que, até 30 de Abril de 1976, o Governo, mediante proposta das juntas regionais, elaboraria, por decreto-lei, sancionado pelo Conselho da Revolução, estatutos provisórios para as regiões autónomas, destinado a vigorar apenas até que fosse promulgado o estatuto definitivo,
O DL nº 318-D/76 de 30 de Abril, aprova o Estatuto Provisório da Região Autónoma do Arquipélago da Madeira.
Princípios gerais
Artigo 1.º - 1. O arquipélago da Madeira, composto pelas ilhas da Madeira, Porto Santo, Desertas e Selvagens, constitui uma região autónoma da República Portuguesa e é pessoa colectiva de direito público.
2. A Região Autónoma da Madeira compreende freguesias e municípios, nos termos da Constituição e da lei.
Art. 2.º - 1. A autonomia político-administrativa da Região Autónoma da Madeira não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição e do presente Estatuto.
2. A autonomia da Região da Madeira visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.
Art. 3.º são órgãos de governo próprio da Região a Assembleia Regional e o Governo Regional.
Art. 4.º A soberania da República é especialmente representada na Região por um Ministro da República.
Art. 5.º Os órgãos da Região e respectivos departamentos terão a sua sede na cidade do Funchal.
Com este diploma concretizava-se um dos pilares da autonomia regional, e no seu articulado (62 artigos)
A 1 de junho desse ano, o DL n.º 427/76 introduzia alterações, reforçando os poderes e as competências da Região, nomeadamente através da dignificação do papel do orçamento regional (arts. 33, al. d) e art. 60º), bem como da autonomização do orçamento regional face ao plano e orçamento do estatuto (arts. 33º, al. g) e art. 50º), princípios essenciais para a consagração da autonomia.
Este texto manteve-se em vigor sem alterações, apesar das modificações que resultaram das revisões constitucionais de 1982 e de 1989, até ao surgimento da lei n.º 13/91 de 5 de junho que aprovou o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, que no essencial mantém o disposto no Estatuto Provisório.
Em 1991, foram significativamente ampliados os poderes do Parlamento regional, regulamentadas as relações entre os órgãos de soberania e os órgãos regionais, clarificados e desenvolvidos os poderes tributários da Região Autónoma da Madeira e, ainda, definidos os bens que lhe pertencem, entre outros aspetos, entre os quais se pode referir uma definição de “matérias de interesse específico regional” que acabou por ficar reduzida a um nível meramente programático pela jurisprudência do Tribunal Constitucional e boa parte da doutrina. No entanto, foi mantido o núcleo essencial, relativamente ao funcionamento dos órgãos autonómicos, que já constava do estatuto provisório, como seja a composição do Parlamento regional, incluindo o método de eleição, e o essencial do estatuto dos deputados, da constituição e do funcionamento do Governo Regional da Madeira (GRM).
Realce-se, neste aspeto, e apesar da diferença de redações, a exigência de colegialidade, uma constante do art. 34º, n.º 1, “A orientação geral … do Governo Regional”, ao invés do que sucede na república, em que o art. 201º, n.º 1 da CRP atribui competências específicas ao primeiro-ministro. Destaque-se, também, a criação da figura do delegado do GRM para a ilha do porto santo (art. 38º) que, apesar de ter posteriormente perdido dignidade estatutária, continua a ser mantida.
Face ao exposto, e em breve conclusão, pode considerar-se que o Estatuto Provisório veio a ser complementado pelo Estatuto Político-Administrativo que no essencial, integra o já disposto, com aperfeiçoamentos e novas atribuições.
A Lei n.º 130/99 de 21 de Agosto alterou o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, (1ª revisão) modificando o teor de vários artigos desse Estatuto, p.e. quanto à adaptação do regime fiscal nacional às especificidades regionais, a vinculação do Estado ao suporte dos custos das desigualdades regionais (como transporte e energia) e a garantia de acesso da Região aos fundos da União Europeia, conforme previsto no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira
Lei nº 12/2000 de 21 de Junho (alteração do Estatuto)
Esta Lei procede à 2ª alteração do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, na redacção e da Lei 130/99, de 21 de Agosto, embora num aspecto particular e específico (circulo eleitoral e deputados):
Artigo único
É alterado o disposto no artigo 15.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, na redacção e numeração da Lei 130/99, de 21 de Agosto, da forma seguinte:
«Artigo 15.º
........................................................................................................................
2 - Cada um dos círculos referidos no número anterior elegerá um deputado por cada 3500 eleitores recenseados, ou fracção superior a 1750, não podendo em qualquer caso resultar a eleição de um número de deputados inferior a dois em cada círculo, de harmonia com o princípio da representação proporcional constitucionalmente consagrado.»
A versão consolidada do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela presente Lei, consta da Lei n.º 130/99, de 21 de agosto, que o republicou.
No essencial, podemos verificar que o Estatuto, consagra um conjunto vasto de direitos e poderes das entidades regionais ( ex vi o Parlamento e Governo Regional) que atestam da amplitude dos mesmos e que estruturam juridicamente a autonomia regional. Eis o essencial e que mais caracteriza a dimensão real da autonomia regional:
Definição da Autonomia regional (Artigo 2.º)
1 - A autonomia política, administrativa e financeira da Região Autónoma da Madeira não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição e do seu Estatuto.
2 - A autonomia da Região Autónoma da Madeira visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico e social integrado do arquipélago e a promoção e defesa dos valores e interesses do seu povo, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.
Orgãos de governo próprio (Artigo 3.º)
1 - São órgãos de governo próprio da Região a Assembleia Legislativa Regional e o Governo Regional.
2 - As instituições autonómicas regionais assentam na vontade dos cidadãos, democraticamente expressa, e participam no exercício do poder político nacional.
Poder tributário próprio (Artigo 8.º)
1 - A Região exerce poder tributário próprio nos termos da lei e dispõe das receitas fiscais nela cobradas, bem como de outras que lhe sejam atribuídas, nomeadamente as geradas no seu espaço territorial.
2 - Nos termos da Constituição, a Região tem sistema fiscal próprio resultante da adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais.
3 - Nos termos da Constituição, o sistema fiscal regional será estruturado por forma a assegurar a correcção das desigualdades derivadas da insularidade, a justa repartição da riqueza e dos rendimentos e a concretização de uma política de desenvolvimento económico e de justiça social.
Poderes da Assembleia Legislativa Regional (Artigo 29.º)
1 - Compete à Assembleia Legislativa Regional:
a)Elaborar as propostas de alteração do Estatuto Político-Administrativo da Região, bem como emitir parecer sobre a respectiva rejeição ou sobre a introdução de alterações pela Assembleia da República, nos termos do artigo 228.º da Constituição; b) Exercer iniciativa legislativa, mediante a apresentação de propostas de lei ou de alteração à Assembleia da República, bem como requerer a declaração de urgência do respectivo processamento; c) Legislar, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para a Região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; d) Legislar, sob autorização da Assembleia da República e com respeito da Constituição, em matérias de interesse específico para a Região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; e) Desenvolver, em função do interesse específico da Região, as leis de bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República, bem como as previstas nas alíneas f), g), n), v) e x) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição; f) Exercer poder tributário próprio nos termos do presente Estatuto e da lei; g) Definir actos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções, sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição; h) Criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respectiva área, nos termos da lei; i) Elevar povoações à categoria de vilas ou cidades; j) Criar serviços públicos personalizados, institutos e fundos públicos; l) Fazer regulamentos para adequada execução das leis gerais provindas dos órgãos de soberania, que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar; m) Aprovar o Programa do Governo Regional; n) Aprovar o Plano regional; o) Aprovar o Orçamento regional; p) Autorizar o Governo Regional a realizar empréstimos internos e outras operações de crédito que não sejam de dívida flutuante, estabelecendo as respectivas condições gerais, com observância dos limites máximos de endividamento regional; q) Aprovar as contas da Região respeitantes a cada ano económico; r) Vigiar pelo cumprimento do Estatuto e das leis e apreciar os actos do Governo e da administração pública regional; s) Votar moções de confiança e de censura ao Governo Regional; t) Pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, relativamente às questões da competência destes que respeitarem à Região; u) Solicitar ao Tribunal Constitucional declaração de inconstitucionalidade de normas emanadas dos órgãos de soberania por violação de direitos da Região; v) Solicitar ao Tribunal Constitucional a declaração da ilegalidade de qualquer norma de diploma emanado dos órgãos de soberania, com fundamento em violação dos direitos previstos no Estatuto; x) Elaborar o seu Regimento; z) Adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República; aa) Eleger personalidades para quaisquer cargos que, por lei, lhe caiba designar; bb) Desempenhar as demais funções que lhe sejam atribuídas pela Constituição ou pela lei.
...............................................................................................................
6 - Para efeitos da alínea f) do n.º 1 deste artigo, compete especialmente à Assembleia Legislativa Regional: a) Estabelecer, quando o interesse específico da Região o justificar, condições complementares de incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, de harmonia com lei quadro da Assembleia da República de adaptação do sistema fiscal nacional à Região; b) Legislar, para além do disposto na alínea anterior, sobre impostos e taxas vigentes apenas na Região.
Matérias de interesse específico (Artigo 30.º)
Sem prejuízo das obrigações assumidas por Portugal, enquanto Estado membro das Comunidades Europeias, constituem matérias de interesse específico para a Região, designadamente:
a)Política demográfica, estatuto dos residentes e política de emigração; b) Tutela sobre as autarquias locais e sua demarcação territorial; c) Orientação, direcção, coordenação e fiscalização dos serviços e institutos públicos e das empresas nacionalizadas ou públicas que exerçam a sua actividade exclusiva ou predominantemente na Região e noutros casos em que o interesse regional o justifique; d) Transportes terrestres, marítimos e aéreos entre ilhas, incluindo escalas e tarifas; e) Administração de portos e aeroportos, incluindo impostos e taxas portuárias e aeroportuárias; f) Pescas; g) Agricultura, silvicultura e pecuária; h) Regime jurídico de exploração da terra, incluindo arrendamento rural; i) Política de solos, ordenamento do território, equilíbrio ecológico e litoral marítimo; j) Recursos hídricos, minerais e termais; l) Energia de produção local; m) Saúde e segurança social; n) Trabalho, emprego e formação profissional; o) Educação pré-escolar, ensino básico, secundário, superior e especial; p) Classificação, protecção e valorização do património cultural; q) Museus, bibliotecas e arquivos; r) Espectáculos e divertimentos públicos; s) Desportos; t) Turismo e hotelaria; u) Artesanato e folclore; v) Expropriação por utilidade pública de bens situados na Região, bem como requisição civil, nos termos da lei; x) Obras públicas e equipamento social, nomeadamente estradas; z) Habitação e urbanismo; aa) Comunicação social; bb) Comércio interno e externo e abastecimentos; cc) Investimento directo estrangeiro e transferências de tecnologia; dd) Mobilização de poupanças formadas na Região com vista ao financiamento dos investimentos nela efectuados; ee) Desenvolvimento industrial; ff) Adaptação do sistema fiscal à realidade económica regional; gg) Concessão de benefícios fiscais; hh) Articulação do Serviço Regional de Protecção Civil com as competentes entidades nacionais; ii) Estatística regional; jj) Cooperação e diálogo inter-regional nos termos da alínea t) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição.
Nota: quando da revisão da Constituição de 2004, deixou de ser referenciado como condição e limite o dito “interesse específico”, como condicionante da competência para legislar, mas apenas o “âmbito regional”.
Deste modo não será justificado associar à expressão “âmbito regional”, “para além de uma referência territorial”, admitindo que “surgindo aquela expressão como sucedânea da anterior menção”, ou seja, a “matéria de interesse específico para as respetivas regiões”, esta condicionante deveria estar presente, interpretação que retiraria o alcance da alteração.
Esta posição é assumida de acordo com o Tribunal Constitucional - entidade que sempre assumiu uma interpretação restritiva da autonomia regional e das suas competências legislativas, patente em inúmeros Acordãos - ao entender que apesar de a 6.ª revisão constitucional ter tido como objetivo suprimir o conceito de “interesse específico” a expressão “âmbito regional” deveria ser lida como seu sucedâneo, contudo não será pacífico que ambos os conceitos pudessem ser considerados sinónimos ou associados, o que inviabilizaria a alteração constitucional.
Conforme novo texto do artº 112 nº 4 “ Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam sobre matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respectiva região autónoma que não estejam reservadas aos órgãos de soberania, sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º “.
Regiões autónomas (Artigo 225.º) (Regime político-administrativo dos Açores e da Madeira)
1. O regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares. 2. A autonomia das regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses. 3. A autonomia político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição
Artigo 227.º (Poderes das regiões autónomas) 1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:
a) Legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania;
Competências do Governo Regional (Artigo 49.º)
Compete ao Governo Regional:
a) Conduzir a política da Região, defendendo a legalidade democrática; b) Adoptar as medidas necessárias à promoção e desenvolvimento económico e social e à satisfação das necessidades colectivas regionais; c) Aprovar as competências e a orgânica dos respectivos departamentos e serviços, em desenvolvimento das bases definidas pela Assembleia Legislativa Regional; d) Elaborar os decretos regulamentares regionais, as portarias e os regulamentos em geral, necessários à execução dos decretos legislativos e ao bom funcionamento da administração da Região; e) Dirigir os serviços e a actividade da administração regional e exercer o poder de tutela sobre as autarquias locais, nos termos da lei; f) Praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes da administração pública regional; g) Orientar, coordenar, dirigir e fiscalizar os serviços, os institutos públicos e as empresas públicas e nacionalizadas que exerçam a sua actividade exclusiva ou predominantemente na Região; h) Exercer, em matéria fiscal, os poderes referidos no artigo 68.º; i) Administrar e dispor do património regional e celebrar os actos e contratos em que a Região tenha interesse; j) Elaborar o seu Programa e apresentá-lo, para aprovação, à Assembleia Legislativa Regional; l) Apresentar à Assembleia Legislativa Regional propostas de decreto legislativo regional e antepropostas de lei; m) Elaborar a proposta de plano regional e submetê-la aprovação da Assembleia Legislativa Regional; n) Elaborar a proposta de orçamento regional e submetê-la à aprovação da Assembleia Legislativa Regional; o) Apresentar à Assembleia Legislativa Regional as contas da Região; p) Coordenar o Plano e o Orçamento regionais e velar pela sua boa execução; q) Participar na elaboração dos planos nacionais; r) Participar na negociação de tratados e acordos internacionais que digam directamente respeito à Região; s) Participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos; t) Proceder à requisição civil, nos termos da lei; u) Pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, relativamente às questões da competência destes que respeitarem à Região; v) Orientar a cooperação inter-regional; x) Emitir passaportes, nos termos da lei; z) Exercer as demais funções executivas ou outras previstas no presente Estatuto ou na lei.
Receitas da Região (Artigo 67.º)
Constituem receitas da Região:
a) Os rendimentos do seu património; b) Todos os impostos, taxas, multas, coimas e adicionais cobrados no seu território, incluindo o imposto do selo; c) Os impostos incidentes sobre mercadorias destinadas à Região e liquidadas fora do seu território, incluindo o IVA; d) Outros impostos que devam pertencer-lhe, nos termos do presente Estatuto e da lei, nomeadamente em função do lugar da ocorrência do facto gerador da obrigação do imposto; e) Os benefícios decorrentes de tratados e acordos internacionais directamente respeitantes à Região, tal como definida no artigo 1.º deste Estatuto; f) O produto de empréstimos; g) O apoio financeiro do Estado, nomeadamente aquele a que a Região tem direito, de harmonia com o princípio da solidariedade nacional; h) O produto da emissão de selos e moedas com interesse numismático; i) Os apoios das Comunidades Europeias; j) As receitas provenientes das privatizações de acordo com o disposto na lei quadro prevista no n.º 1 do artigo 85.º da Constituição.
Transferência de competências da administração Central para o Governo Regional
Depois da d tomada de posse do 1º Governo regional (1976), a autonomia começou a estruturar-se, com o assumir das funções das anteriores Juntas Gerais e das delegações dos Serviços da administração Central localizados na Região.
Terá sido, contudo, a partir do 2º Governo regional ( 1978) que o processo de transferência de competências ganhou mais dinâmica, sendo que, em cada sector da área governamental ( Secretarias regionais), iniciaram processos de reivindicação das respetivas competências e atribuições, de modo a progressivamente se consolidar os meios , as bases legais, para o assumir das responsabilidades, de modo a ser a Região, através dos seus Orgãos e serviços, exercer a sua ação com autonomia, de modo a que, cada vez mais, a gestão dos interesses regionais, no âmbito territorial da Região, fossem da exclusividade competência regional.
Foram sendo publicados os vários diplomas legais de transferências de competências nas várias áreas da governação, com maior ou menor dificuldade, em função das funções em causa e das matérias questionadas, no que constituíu o designado “contencioso da autonomia”, uma vez que o poder central, por norma, não abdica voluntáriamente ou por iniciativa própria ( por moto próprio) das suas áreas de poder ( o poder conquista-se), exigindo da Região esse esforço e empenho, em prol da concretização da autonomia.
O presente e o futuro da Autonomia Regional
Cumpridos quase 50 anos da consagração constitucional das autonomias regionais (Açores e Madeira), o tempo decorrido, o trabalho realizado, tudo o que foi concretizado, no normal funcionamento dos seus orgãos e serviços, o nível de maturidade e desenvolvimento alcançado, permitem uma avaliação positiva desta nova realidade no ordenamento jurídico português.
Nos nossos dias, superada a fase da novidade e da disputa, inerente à partilha de poder, pode afirmar-se, que a autonomia regional já não é uma questão controversa, que suscitava apreensões, sobretudo aos centralistas e inflamada por querelas partidárias, sobretudo no auge do designado “ contencioso das autonomias”, sendo evidente a normalidade e pacificação, não obstante o potencial reivindicativo que persiste, mais ou menos latente, nos que pugnam pela melhoria, aperfeiçoamento e aprofundamento desta.
Ao longo deste período, gradualmente, foram realizadas as transferências de competências dos orgãos e serviços nacionais, para os congéres orgãos e serviços regionais que se foram criando e consolidaram toda uma estrutura político-administrativa, para que a autonomia se afirmasse na sua plenitude, com competência, empenho e sentido de missão, em prol das respectivas populações.
Nas várias áreas de intervenção - Saúde, Educação, Economia, Administração Pública, Agricultura, Pescas, Ambiente,Turismo, Cultura, Desporto, Equipamentos, Segurança Social, Trabalho e Emprego, Finanças - foram criadas as respetivas estruturas regionais - sob a direção do Governo Regional (1º empossado em Outubro de 1976, até ao XVI actual) - em conjugação com a acção da Assembleia legislativa regional ( XV legislatura em 2025), com a intervenção, a nível geral, do representante da república.
O Representante da República para a Madeira é um órgão político constitucionalmente consagrado, que representa a soberania portuguesa na Região Autónoma da Madeira e articula as relações entre os órgãos de governo próprio da região e os órgãos de soberania de Portugal. O titular é nomeado e exonerado pelo Presidente da República, ouvido o Governo da República.
O cargo, com a atual designação e os atuais poderes, foi criado pela sexta revisão constitucional, em 2004. Esta revisão alterou o nome do cargo, que antes se intitulava ministro da República, porém já a quarta revisão, em 1997, tinha conformado os poderes do cargo tal como hoje detém, reduzindo-os a uma função moderadora, idêntica à do presidente da República no plano nacional.
O percurso da autonomia regional da Madeira, com as suas vicissitudes, constrangimentos e realizações, apresenta um saldo positivo, conforme o demonstram os principais indicadores sócio-económicos regionais, em comparação com o restante País, os quais partindo do passado de valores inferiores à média nacional, actualmente, na sua generalidade, equivalem ou superam estes, mercê das virtualidade inerentes à autonomia, aos apoios financeiros nacionais (a Região aufere de dotações do orçamento de Estado) e dos apoios de programas Comunitários.
O Decreto Legislativo Regional n.º 5/2024/M (Comemorações dos 50 Anos da Autonomia da Madeira) criou A Comissão para as Comemorações dos 50 Anos da Autonomia da Região Autónoma da Madeira, estrutura de missão temporária criada pelo Governo Regional da Madeira para organizar as celebrações que se estenderão por um triénio (2024-2026), sendo responsável por um programa de atividades que inclui a criação de um novo feriado regional, o Dia da Autonomia, comemorado a 2 de abril de cada ano a partir de 2025.
O Decreto Legislativo Regional n.º 22/2024/M de 23 de dezembro procedeu à revogação do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2024/M, de 22 de abril, para resolver questões jurídicas e financeiras, que suscitaram a intervenção do representante da república junto do Tribunal Constitucional.
Consta neste diploma que “Apesar da nota justificativa do projeto de decreto legislativo regional, como do parecer da comissão especializada permanente com competência, assegurarem que a iniciativa não teria impacto no Orçamento da Região Autónoma da Madeira, entendeu o Representante da República solicitar ao Tribunal Constitucional a apreciação da conformidade com o disposto no artigo 45.º, n.º 1, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. Uma vez que a comemoração dos 50 anos de Autonomia não poderia ficar suspensa a aguardar uma decisão do Tribunal Constitucional, o Governo Regional, através da Resolução do Conselho do Governo n.º 698/2024, de 10 de setembro, decidiu criar uma estrutura temporária de projeto, nos termos estabelecidos no artigo 28.º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/M, de 12 de novembro, designada «Estrutura de Missão para as Comemorações do quinquagésimo aniversário da Autonomia da Região Autónoma a Madeira». A 12 de dezembro de 2024, foi a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira notificada do Acórdão n.º 880/2024, proferido pelo Tribunal Constitucional, por força do qual se decidiu não declarar a ilegalidade do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2024/M, de 22 de abril. Assim sendo, por forma a evitar a duplicação de estruturas de missão com objeto e missão idênticas e tendo em conta que a estrutura a que se refere a Resolução do Conselho do Governo n.º 698/2024, de 10 de setembro, já se encontra em funcionamento, urge revogar, sem mais, o Decreto Legislativo Regional n.º 5/2024/M, de 22 de abril. dos 50 Anos da Autonomia da Madeira».
Novo feriado regional: Dia da Autonomia
No dia 27 de novembro de 2024, a Assembleia Legislativa da Madeira aprovou por unanimidade, a instituição do dia 2 de abril, como feriado regional, conhecido como Dia da Autonomia. Esta data comemora a aprovação da Constituição Portuguesa, em 2 de abril de 1976, que concedeu autonomia política e administrativa aos arquipélagos da Madeira e dos Açores, assinalando um marco significativo na evolução democrática de Portugal, após a Revolução dos Cravos de 25 de abril de 1974.
Nestes termos, o Decreto Legislativo Regional n.º 17/2024/M instituíu o feriado do Dia da Autonomia.
É inegável a relevância política, social, cultural e histórica, que a data de 2 de abril de 1976, assume para a Região Autónoma da Madeira, impondo-se como um marco determinante da consagração da autonomia político-administrativa desta região insular portuguesa, naquela que foi, também, uma das inovações mais distintas introduzidas na Lei Fundamental no pós-revolução de 1974, tendo este regime especial alterado, substancialmente, toda a estrutura, organização, atividade até então vigentes neste arquipélago, e assim contribuído, decisivamente, para o seu progresso e contínuo desenvolvimento, que nos dias de hoje é bem patente.
Se nos tempos que correm, existe algo que é símbolo de união entre todo o Madeirense e Portosantense, se há um desígnio que é capaz de juntar toda a vasta comunidade regional, quer a residente no arquipélago, bem como toda aquela que se encontra espalhada pelo mundo, que compõe a diáspora esta já bem mais numerosa do que a residente, é a Autonomia, símbolo da identidade deste Povo, que importa enaltecer, recordando o percurso histórico percorrido até aqui, mas também projetando-a para o futuro.
Deste modo, distinta da comemoração celebrada no dia 1 de julho, data na qual se evoca a descoberta da ilha da Madeira, no dia 2 de abril pretende-se evidenciar e assinalar a conquista da Autonomia, enquanto aspiração de séculos do Povo Madeirense, finalmente traduzida no texto constitucional português em 1976, realçando a sua importância para as profundas transformações políticas, económicas, sociais, culturais e desportivas operadas na Madeira e no Porto Santo.
Nos termos da Constituição da República Portuguesa e do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, a matéria em causa reveste-se de um interesse específico regional, considerando a especial conexão com as condições de vida materiais e culturais na Região Autónoma da Madeira, assumindo neste arquipélago uma particular configuração, pelo que a definição e fixação deste feriado regional compete à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Nota: Se é inequívoca a competência legal da Região, através da Assembleia Legislativa regional, mediante diploma próprio (Decreto Legislativo Regional) para criar feriados regionais (como o referido), a sua fundamentação terá de se subsumir de forma explícita ao enunciado e fundamentos da lei habilitante ( As Regiões Autónomas podem estabelecer, de acordo com as suas tradições, outros feriados, para além dos fixados no Código do Trabalho, desde que correspondam a usos e práticas já consagrados) e neste sentido, a nosso entender, tal deveria ter sido melhor evidenciado/referenciado, no diploma regional em causa, justicando-o para além do elemento literal, mas fazendo apelo a princípios históricos inerentes às tradicionais aspirações autonómicas, realçando a importância desta consagração constitucional (em 2 de Abril de 1976), para obstar contestação e controvérsia, sempre possíveis, além de que, para além da sua (i)legalidade, deve existir parcimónia e razoabilidade na criação de novos feriados, mantendo o paralelismo possível com o restante País, bem como ter presente as implicações destes, quer em termos sociais, quer económicos.
O Futuro da Autonomia Regional
Com a enriquecedora experiência decorrente do processo autonómico ao longo destes anos e da consolidação deste, com provas dadas e evidentes do seu valor e mérito, desfeitos os receios de separatismo que tal pudesse envolver, com percurso algo diferentes nos Açores e na Madeira, mas como valores de realização idênticos, quer ao nível institucional, quer para a sua população, também no plano nacional, como contributo para o engrandecimento da democracia, num Estado unitário descentralizado e membro da comunidade europeia, que valoriza, fomenta, incentiva e estimula, o desenvolvimento das suas regiões periféricas, por referência e equiparação, às demais regiões continentais.
No caso da Região Autónoma da Madeira, existem várias indicações que sinalizam a necessidade de aperfeiçoamento e de melhoria de alguns aspectos da sua autonomia, no domínio institucional e jurídico ( revisão e actualização do seu Estatuto face às revisões constitucionais), da melhoria das qualificações e competências, no ajustamento de infraestruturas e definição de estratégias prioritárias de desenvolvimento económico e social adequadas, aos novos desafios tecnológicos, com reforço e apoio dos sectores vitais e com valor acrescentado local, da criação e reforço de meios que assegurem a efetiva continuidade territorial ( com a inclusão de conexão por via marítima para passageiros e mercadorias), da alteração da lei de finanças regionais e da política fiscal, com incidência na justa repartição dos rendimentos e do reforço de meios e estruturas de apoio aos mais desfavorecidos, com atribuição de maior autonomia em termos de segurança social.
Quanto à permanência ou não do cargo de representante da República, sobre o qual existem posições diferentes, pode eventualmente considerar-se como posição intermédia, a transferência destas competências para o Presidente da República, assegurando este, a exemplo do que sucede com o governo central, tais poderes, o que poderia significar a valorização da autonomia. A este propósito, um parecer, emanado pelo parlamento madeirense, propõe a extinção do cargo de Representante da República (Artigo 230.º), sendo os seus poderes transferidos para o Presidente da República, que para além de assinar e mandar publicar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares regionais, nomearia o presidente do Governo Regional e nomearia e exoneraria os membros do Governo Regional, por proposta do presidente do executivo regional.
Com a alteração dos requisitos para a admissibilidade de ser elaborada legislação regional, concretizada na revisão da Constituição em 2004, não obstante estas ainda não terem sido incorporadas no Estatuto Político Administrativo da Região, não sendo agora exigível a subordinação ao “ interesse específico” de acordo com as matérias elencadas como tal, mas o “âmbito regional”, embora cumprindo os limites inerentes à unidade do Estado e demais princípios constitucionais, abre-se uma janela de oportunidades para o legislador regional, em prol de uma autonomia regional mais ampla e substancial, pelo que deverá ser aprofundada esta prerrogativa.
A Região deve apostar, entretanto, em participar activamente na próxima e anunciada revisão Constitucional, com a prévia elaboração/apresentação de propostas devidamente fundamentadas, com o recurso a trabalho científico e técnico de especialistas na matéria, com contributos da sociedade civil e da população em geral, para além da perspectiva meramente política partidária, geralmente muito redutora, sectária, padronizada e maniqueista, propostas que acolham uma nova visão, mais qualitativa e substancial, contemplando o necessário aprofundamento da autonomia regional, dignificando o trabalho pioneiro dos precursores e arautos desta conquista, para que tal seja incorporado num novo e actualizado Estatuto Político Administrativo Regional, Carta Magna da autonomia, dos seus valores, dos seus princípios e aspirações.
Nota pessoal: o autor participou no processo da consolidação gradual da autonomia regional, no exercício de funções profissionais, na área do Trabalho, desde 1980 até 2018, inicialmente como técnico jurista, oriundo dos quadros do Ministério do Trabalho/IGT (1979), desempenhando funções na então Secretaria Regional do Trabalho (1980), tendo sido o 1º Inspector Regional do Trabalho (1980/81), participando no processo de regionalização deste Serviço e de criação da IRT, depois como Director Regional do Trabalho (1981-2016), participando nessa qualidade, no processo de transferência de competências, na criação de serviços regionais, nas múltiplas áreas de intervenção, no âmbito das relações de trabalho, da Segurança e Saúde no Trabalho, das Condições de Trabalho, Estatísticas laborais, Contratação e Negociação Colectiva, Concertação social, Igualdade, Resolução de conflitos, representação da Região na OIT e na preparação/elaboração da legislação laboral regional, entretanto publicada, o que lhe permite, conhecimento e experiência desta realidade, do que resulta o sentir profundo desta Causa.
Funchal, Novembro de 2025
* Rui Gonçalves da Silva/Jurista/ Assuntos laborais