* A CIDADE DO FUNCHAL
A Cidade do Funchal
Esta é a minha cidade e por isso nutro por ela, um carinho especial, como é devido, aos sitios e lugares do nosso encanto, onde vivemos e crescemos, que por isso são parte íntima e profunda de nós.E como em tudo,no dominio das emoções, não se explica o que se ama, mesmo que isso tenha também uma porção de amargura, no que queríamos de mais pleno e perfeito, sentindo justo e possivel.
Este Funchal é uma cidade especial, ancorada neste anfiteatro peculiar, com o casario subindo até ao topo, uma cidade densa de gente e casas, onde o olhar para o mar é a janela de todos os devaneios e deslumbres, esse mar que é horizonte presente, das chegadas e das partidas, sobretudo de outros tempos, onde os navios levavam pessoas para outros mundos,em partidas dolorosas, plenas de choro e lágrimas, memórias vivas desse passado que marca os insulares, nessa constância das despedidas de quem tinha de deixar a terra para buscar outros destinos,mais promisores.Esse mar por onde iam os sonhos e as esperanças, nesses lugares mágicos de outros mundos, de onde vinham recados e mistérios, perplexidades de outros destinos, onde habitava o mágico e o fascinio das novidades e uma vida melhor.
A cidade, é o espaço da nossa vivência e da vida vivida, das lembranças dos tempos, da infância, dos passeios pelas ruas, onde íamos em brincadeiras como pássaros em voos rasantes, na felicidade de um vida simples, feita de pequenos sonhos mas que enchiam a alma e o coração. A felicidade tem disto, faz-se de pequenas coisas, sobretudo quando a realidade não consente mais.
Esta cidade de mar, sol, flores e o doce aroma dos dias tranquilos, plena de recantos e jardins, das casas que se aconchegam, umas nas outras, todas debruçadas a ver o mar, adormecidas no murmúrio cadenciado das marés, com pessoas simples e amigas, com gestos plenos de afeto e o calor de um sorriso.Sempre.
Da cidade dos tempos idos, até à urbe de hoje, ficam as marcas indeléveis que a distinguem de outras, nas casas solarengas, nos quintais floridos, nos miradouros, nos alpendres orlados de buganvilias, dos jacarandás em flor, das ribeiras onde antes se escutava o eterno coaxar das râs, das ruas íngremes, nesse sob e desce até aos píncaros do Sol e dos verdes da serra, das ruas empedradas de basalto, dos muros de cantaria, da cal alva das casas, do ondular dos canaviais, do aroma da pitanda, dos maracujás, das anonas, das bananeiras, das vinhas, do denso emaranhado das ruas, onde abundavam casas e gente, e as crianças brincavam felizes, alteando joeiras e papagaios, jogando ao pião e ao berlinde, enquanto o tempo passava, suave e pachorento, nesse doce embalo dos dias sem tempo.
Esta cidade do Funchal tem para mim, essa memória, de gente, barcos, ruas, flores, muitas flores,mar, peixe, sol, tudo muito a mão, de vizinhos afáveis e solicítos, da partilha de sonhos, medos e esperança, da escassez de luxos, da simplicidade de tudo, numa plenitude de ter o mundo, sem ter quase nada, tendo o mais absoluto prazer de ser desta cidade, bafejada de Sol, tempo ameno, calmaria, quietude, um sitio de gente de trabalho e luta, que venceu a terra, desbravou escarpas e esculpiu sucalcos, gente de bonomia e querer, simples e feliz.
*Rui Gonçalves da Silva