* O ALGORITMO NO CONTEXTO LABORAL

O Algoritmo no contexto laboral: enquadramento legal, presente e futuro

Introdução

Atualmente tem sido questionada a legalidade de uso do designado algoritmo, no contexto das questões laborais, concretamente nos processos de seleção de emprego, bem como nos processos de promoção e especialmente seleção/escolha de trabalhadores para efeitos de rescisões dos contratos individuais de trabalho e nos processos de despedimento coletivo, prática que tem suscitado a questão da legalidade desta opção, ao ponto de se afirmar que “as máquinas já despedem” e “o meu empregador é um algoritmo”, pondo um enfase algo excessivo na tecnologia, como se esta não fosse produto do engenho e do saber humano. Transporta-se assim, de forma fantasiosa, para “as máquinas” e para “as formulações abstratas da programação”,para a Inteligência artificial (IA), o eventual odioso de algumas decisões, tentando imprimir a decisões difíceis, uma suposta objetividade, rigor e isenção inerente à técnica.

Ora, para além das controvérsias que estas matérias provocam no seio dos juslaboralistas, sobretudo quando estamos perante inovações e habilidades – a realidade é sempre dinâmica e existem sempre correntes que criam e antecipam soluções novas para todos os contextos, mesmo que sem enquadramento legal explícito, pois essas teorias e práticas criam opções imaginativas – contudo entendemos que toda esta problemática tem de ser avaliada/analisada à luz do quadro legal existente - e nesse sentido, a solução, quanto à sua legalidade, parece-nos clara e evidente, como vamos fundamentar.

Todas as opções e soluções que sejam adotadas, para resolver problemas da realidade laboral - no fundo de todas as realidades e problemas – tem de encontrar resposta e solução no quadro legal existente e em vigor e quando o quadro normativo vigente se revela insuficiente e que não atenda às novas situações – a vida é dinâmica e o direito terá de acompanhar essa evolução – o legislador terá de estar atento e elaborar em consonância, as normas adequadas, cumprindo o processo de elaboração e feitura das leis, através dos órgãos competentes, legislando não por impulso, mas para corresponder a necessidades reais e objetivas, como é inerente ao desafio das novas tecnologias.

Assim sendo, e reportando-nos à nova realidade do uso do algoritmo nas várias situações do mundo laboral, até que exista norma específica e diferenciada, temos de adequar esse recurso ao quadro legal vigente, sob pena de se configurar um cenário de ilegalidade.

O dito algoritmo, de forma simples, não será mais do que um meio, um instrumento da IA, para atingir determinado objetivo – p.e. seleção e recrutamento de pessoal, seleção de trabalhadores a promover ou a despedir ou outras situações que impliquem escolha e decisão, num conjunto de potenciais destinatários – ou seja, consubstancia um conjunto (matriz) de variáveis previamente definidas para o efeito e de acordo com o resultado a obter, que determinam e se aplicam aos objetivos previstos, todavia a concretização destas, não pode conflituar com as normas existentes, sob pena do processo ser ilegal, por violação de normas laborais.

Seja qual for o método que seja utilizado – por recurso à informática, à inteligência artificial, à programação, ou meramente de execução linear, por meios tradicionais - para a decisão que se pretenda tomar – seja admitir, recrutar, selecionar, promover, rescindir ou outra opção aplicável – este procedimento, por mais imaginativo e estruturado, por mais tecnologia que integre, terá de subordinar-se à lei e aos requisitos previstos, de outra maneira esse método será ilegal, pois irá fundamentar uma decisão que não respeitará os procedimentos e requisitos legais aplicáveis.

Cumpridas que sejam tais formalidades, respeitada a lei em vigor, o processo será naturalmente legal, pois o recurso ao algoritmo não é um fim em si mesmo, mas mais um meio, a acrescer aos já definidos, para justificar a legalidade da decisão.

O algoritmo como novo método

O uso do algoritmo - apesar do seu histórico remoto - constitui um novo método e um novo recurso, para fundamentar determinada decisão, simplificador de procedimentos, mais célere e eficaz em processos com número expressivo de destinatários e simplificará a escolha, facilitará a decisão a tomar, tornando-a, como é alegado, “menos subjetiva”, “mais célere” “ mais estruturada”, porém isso não pode significar desrespeito pelo quadro legal em vigor, aplicável à situação concreta, pois a ocorrer é ilegal.

Quando se adote o recurso a algoritmo para fundamentar a decisão, esta terá, em ultima instância, de satisfazer os requisitos legais inerentes, ou seja, enquanto não existir normativo específico, o processo será legal se conforme ao estabelecido na legislação laboral (Código do trabalho), tendo de satisfazer os requisitos estabelecidos para a situação em causa (p.e. para o despedimento), para além do sistema que seja adotado, por mais tecnológico ou inovador que seja. O algoritmo poderá indicar os trabalhadores destinatários potenciais da decisão, mas a concretização desta, terá de cumprir todas as exigências legais, digamos tradicionais, para que o processo/decisão não seja ilícito.

A legislação laboral, nomeadamente o Código do Trabalho – aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12 de fevereiro - estabelece as normas aplicáveis às várias situações da realidade laboral e estas devem ser cumpridas e respeitadas, independentemente da metodologia e processos a que se recorra e no caso, como não existe qualquer regime legal específico para o uso do algoritmo, tudo deve enquadrar-se no quadro legal vigente, tão simples quanto isso, sem ser necessário complicar o que é óbvio e evidente.

As inovações são importantes e marcam cada tempo, só que devem ser acompanhadas da adequada previsão legal, a par e passo uma com a outra, de outra forma existirá desconformidade e desajustamento, o que não é compatível com um estado de direito.

Os direitos e deveres aplicáveis na relação laboral estão consagrados na legislação laboral – e esta deve evoluir de acordo com a dinâmica económica e social – ou seja, tudo deve conformar-se a tais normativos vigentes e estes, por sua vez, devem acompanhar os tempos e as novas exigência decorrentes.

O Código do Trabalho constitui um acervo de normas que abarca essa realidade, em todos os domínios e nas suas revisões/atualizações deve adaptar-se aos tempos e à evolução social e tecnológica – o paradigma da relação laboral deve ajustar-se às alterações que ocorram - para assim ser um instrumento de desenvolvimento de progresso, no fomento do empreendedorismo, na defesa da justiça social, da dignidade do trabalho e dos trabalhadores.

Deste modo o uso do algoritmo, no contexto das relações laborais, sendo um método em si, para alcançar determinado objetivo, mediante a sequenciação e verificação de determinadas variáveis, o seu resultado deve conformar-se com o disposto na legislação laboral, caso contrário implicará ilegalidade. Seja qual for o método usado, o essencial é cumprir-se os requisitos legais previstos para o objetivo, não o sendo de forma evidente, clara e objetiva, incorrerá numa ilegalidade.

A titulo de exemplo, um processo de recrutamento, deverá respeitar o previsto no Código do trabalho, seja quanto aos direitos de personalidade ( artº14º e seguintes), seja quanto a igualdade e não discriminação ( artº 23º e seguintes), num processo de cessação do contrato de trabalho, deverá cumprir-se o disposto inerente às várias situações (artº340º) e cumprindo todos os requisitos legais, aplicáveis a cada situação e a cada trabalhador, independentemente do método de seleção adotado ( p.e algoritmo).

Em matéria de recrutamento, uma das críticas que se pode assinalar aos algoritmos é que estes poderão determinar, dependendo da forma como são programados, bem como das instruções e da finalidade a obter, a exclusão de certo tipo de perfil de candidato(s) ou o favorecimento de outro(s), podendo favorecer e/ou fomentar discriminações não legalmente permitidas ao abrigo das regras laborais vigentes.

Refira-se, o caso paradigmático da empresa Amazon, que em 2018 foi “atraiçoada” por um algoritmo utilizado no processo de recrutamento, que desconsiderava os perfis das candidatas mulheres, dando preferência aos perfis de candidatos homens, contrariando frontalmente o princípio da não discriminação e igualdade de oportunidades no acesso ao emprego (conf.art. 25.º do CT) . Neste caso, e uma vez que a empresa contratava maioritariamente trabalhadores do sexo masculino, o algoritmo (programado) considerou que existia uma preferência por estes perfis, em detrimento das mulheres, com base nas informações fornecidas e naquilo que já era prática da própria empresa. A ilegalidade não é imputável ao algoritmo em si, mas a quem programou tal variável.

No recente caso da TAP, no anunciado processo de reestruturação que implica redução de pessoal, foi evocado que tal era realizado na base de um algoritmo, num processo conduzido pela consultora Boston Consulting Group (BCG), que usou o algoritmo para identificar os trabalhadores elegíveis para rescisão, com base num conjunto de critérios (variáveis do algoritmo) entre estes, o absentismo e a senioridade (idade/antiguidade) dos profissionais, todavia o algoritmo referencia os profissionais que estiveram ausentes, sem diferenciar as situações, como a falta justificada, o que suscitou contestação dos interessados, através do Sindicato representativo.

Algoritmos podem decidir muito: se um indivíduo terá um crédito aprovado ou até se será selecionado para uma vaga de emprego, ou ser incluído numa lista de despedimentos, porém, apesar de transmitir a sensação de imparcialidade, muitas vezes, essa tecnologia pode reforçar preconceitos humanos.

Para evitar que os modelos contenham variáveis lesivas, ilegais ou questionáveis, as empresas que possuem, ou contratem um serviço de recrutamento digital, devem auditar os seus sistemas de IA, especialmente tendo presente a Lei de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), informando os interessados dos dados que estão sendo utilizados para a tomada das decisões e os motivos pelos quais esses dados são relevantes.

Esta matéria, é um dos eixos de intervenção do Livro Verde para o Futuro do Trabalho, documento que está a ser debatido com os parceiros sociais, em sede de concertação social, tendo em vista revisão das leis laborais nacionais, na perspetiva de incluir as situações mais recentes, decorrentes da evolução tecnológica.

O conceito de Algoritmo

O conceito de “algoritmo” pode ser entendido como uma sequência de raciocínios, instruções ou operações para alcançar um objetivo, sendo necessário que os passos/etapas, sejam finitos e operados sistematicamente.

Um algoritmo, portanto, conta com a entrada (input) e saída (output) de informações mediadas pelas instruções.

A evolução humana nas últimas décadas está totalmente associada à ideia de algoritmos (Aparelhos como smartphones, computadores, smart TVs, tablets, redes sociais, motores de busca, funcionam com sistemas baseados em algoritmos).

Em termos gerais, um algoritmo, define o caminho que deve ser seguido para chegar até a solução de um determinado problema, ou seja integra:

- Um conjunto de operações predefinidas a seguir de forma sistemática, para a resolução de um determinado tipo de problema;

- Um conjunto ordenado e finito de processos necessários para efetuar um cálculo;

- Um conjunto de operações, sequenciais, lógicas e não ambíguas, que, aplicadas a um conjunto de dados, permitem encontrar a solução para um problema, num número finito de passos

É fundamental compreender que o algoritmo se justifica no resultado que ele visa alcançar, logo, deve ter um objetivo específico. Uma sequência de instruções simples pode se tornar mais complexa, conforme a necessidade de considerar outras situações.

Em matemática e ciência da computação, um algoritmo é uma sequência finita de ações executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema. Segundo Dasgupta, Papadimitriou e Vazirani, "algoritmos são procedimentos precisos, não ambíguos, mecânicos, eficientes e corretos".

As suas características são:

-Finitas :o algoritmo deve eventualmente resolver o problema;

- Definidas: os passos devem ser definidos de modo a serem entendidos;

-Objetividade: deve sempre resolver o que tem para solucionar, antecipando falhas.

Um algoritmo não representa, necessariamente, um programa de computador, mas as etapas, os passos necessários para realizar uma tarefa. Contudo a sua implementação pode ser feita por um computador, por outro tipo de automatismo, ou mesmo por um ser humano. Diferentes algoritmos podem realizar a mesma tarefa usando um conjunto diferenciado de instruções em mais ou menos tempo, espaço ou esforço do que outros. Tal diferença pode ser reflexo da complexidade computacional aplicada, que depende de estruturas de dados adequadas ao algoritmo.

Um programa de computador é essencialmente um algoritmo que determina ao computador, os passos específicos e em que ordem estes devem ser executados.

Um algoritmo é assim, constituído por uma série de instruções simples, que são realizadas para resolver um problema. A regra de multiplicação que aprendemos na escola e que permite obter o produto de dois números de vários dígitos, com papel e lápis, é um algoritmo simples. Mas podemos dar uma definição um pouco mais rigorosa:

“Conjunto de regras que, aplicadas sistematicamente a alguns dados de entrada apropriados, resolvem um problema num número finito de passos elementares”,

No atual estádio de desenvolvimento tecnológico, as únicas tarefas não algoritmizáveis, são aquelas relacionadas à criatividade e às emoções humanas, domínio ainda exclusivo da capacidade humana, e que constitui, a fronteira diferenciadora entre o homem e a máquina.

Existem algoritmos muito importantes e conhecidos:

É provável que o algoritmo do Google seja o mais conhecido e não é por acaso que seu segredo é muito bem guardado pela empresa.

O PageRank, como é chamado, foi criado em 1998, com o objetivo de rastrear e apresentar os resultados de pesquisa ao usuário por relevância.

O Facebook foi a primeira rede social a usar algoritmos para categorizar os posts e utilizar critérios para definir o que seria ou não exibido para cada usuário. O objetivo era mostrar os conteúdos mais relevantes de acordo com o comportamento, preferências e engajamento do usuário.

Apesar das críticas à empresa, o excesso de publicações faz com que seja difícil um utilizador comum acompanhar tudo que acontece na rede, o que pode ser facilitado pela seleção de informação compatível e conforme com as suas áreas de interesse.

Com temos referido, é possível perceber que os algoritmos — que constituem como um sistema de instruções com um objetivo específico — ganham contornos bastante complexos conforme seu uso em áreas mais robustas, como o marketing digital.

Atualmente, o modelo pode ser associado ao Machine Learning e gerar resultados mais complexos e surpreendentes, sendo imprescindível para quem atua nessa área conhecer essas possibilidades.

O artigo 22º do Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (RGPD) trata da tomada de decisão individual automatizada, essa regra exige não apenas que os direitos de privacidade dos dados sejam respeitados, mas que as decisões tomadas pelos algoritmos sejam transparentes e explicáveis.

Algoritmo como novo desafio legal

Já evidenciámos que a legislação laboral vigente, não prevê ainda, especificamente, o processo e o recurso ao algoritmo, mediante regime especial, o que não significa que inviabilize desde logo esta opção metodológica, desde que qualquer decisão assumida no contexto das relações laborais que implique esta opção de trabalho, se conforme com as exigências do sistema normativo laboral em vigor.

A Lei n.º 58/2019 de 8 de agosto - Proteção de dados

Esta Lei assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

Regulamento (EU) 2016/679

Este regulamento estabelece as regras relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

Considerandos

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(72)

(71)

O titular dos dados deverá ter o direito de não ficar sujeito a uma decisão, que poderá incluir uma medida, que avalie aspetos pessoais que lhe digam respeito, que se baseie exclusivamente no tratamento automatizado e que produza efeitos jurídicos que lhe digam respeito ou o afetem significativamente de modo similar, como a recusa automática de um pedido de crédito por via eletrónica ou práticas de recrutamento eletrónico sem qualquer intervenção humana. Esse tratamento inclui a definição de perfis mediante qualquer forma de tratamento automatizado de dados pessoais para avaliar aspetos pessoais relativos a uma pessoa singular, em especial a análise e previsão de aspetos relacionados com o desempenho profissional, a situação económica, saúde, preferências ou interesses pessoais, fiabilidade ou comportamento, localização ou deslocações do titular dos dados, quando produza efeitos jurídicos que lhe digam respeito ou a afetem significativamente de forma similar. No entanto, a tomada de decisões com base nesse tratamento, incluindo a definição de perfis, deverá ser permitida se expressamente autorizada pelo direito da União ou dos Estados-Membros aplicável ao responsável pelo tratamento, incluindo para efeitos de controlo e prevenção de fraudes e da evasão fiscal, conduzida nos termos dos regulamentos, normas e recomendações das instituições da União ou das entidades nacionais de controlo, e para garantir a segurança e a fiabilidade do serviço prestado pelo responsável pelo tratamento, ou se for necessária para a celebração ou execução de um contrato entre o titular dos dados e o responsável pelo tratamento, ou mediante o consentimento explícito do titular. Em qualquer dos casos, tal tratamento deverá ser acompanhado das garantias adequadas, que deverão incluir a informação específica ao titular dos dados e o direito de obter a intervenção humana, de manifestar o seu ponto de vista, de obter uma explicação sobre a decisão tomada na sequência dessa avaliação e de contestar a decisão. Essa medida não deverá dizer respeito a uma criança.

A fim de assegurar um tratamento equitativo e transparente no que diz respeito ao titular dos dados, tendo em conta a especificidade das circunstâncias e do contexto em que os dados pessoais são tratados, o responsável pelo tratamento deverá utilizar procedimentos matemáticos e estatísticos adequados à definição de perfis, aplicar medidas técnicas e organizativas que garantam designadamente que os fatores que introduzem imprecisões nos dados pessoais são corrigidos e que o risco de erros é minimizado, e proteger os dados pessoais de modo a que sejam tidos em conta os potenciais riscos para os interesses e direitos do titular dos dados e de forma a prevenir, por exemplo, efeitos discriminatórios contra pessoas singulares em razão da sua origem racial ou étnica, opinião política, religião ou convicções, filiação sindical, estado genético ou de saúde ou orientação sexual, ou a impedir que as medidas venham a ter tais efeitos. A decisão e definição de perfis automatizada baseada em categorias especiais de dados pessoais só deverá ser permitida em condições específicas.

A definição de perfis está sujeita às regras do presente regulamento que regem o tratamento de dados pessoais, como o fundamento jurídico do tratamento ou os princípios da proteção de dados. O Comité Europeu para a Proteção de Dados criado pelo presente regulamento («Comité») deverá poder emitir orientações nesse âmbito.

Disposição alusiva à proteção de dados por tratamento automatizado

Artigo 22.o

Decisões individuais automatizadas, incluindo definição de perfis

1. O titular dos dados tem o direito de não ficar sujeito a nenhuma decisão tomada exclusivamente com base no tratamento automatizado, incluindo a definição de perfis, que produza efeitos na sua esfera jurídica ou que o afete significativamente de forma similar.

2. O no 1 não se aplica se a decisão:

a)

For necessária para a celebração ou a execução de um contrato entre o titular dos dados e um responsável pelo tratamento;

b)

For autorizada pelo direito da União ou do Estado-Membro a que o responsável pelo tratamento estiver sujeito, e na qual estejam igualmente previstas medidas adequadas para salvaguardar os direitos e liberdades e os legítimos interesses do titular dos dados; ou

c)

For baseada no consentimento explícito do titular dos dados.

3. Nos casos a que se referem o no 2, alíneas a) e c), o responsável pelo tratamento aplica medidas adequadas para salvaguardar os direitos e liberdades e legítimos interesses do titular dos dados, designadamente o direito de, pelo menos, obter intervenção humana por parte do responsável, manifestar o seu ponto de vista e contestar a decisão.

4. As decisões a que se refere o no 2 não se baseiam nas categorias especiais de dados pessoais a que se refere o artigo 9.o, no 1, a não ser que o no 2, alínea a) ou g), do mesmo artigo sejam aplicáveis e sejam aplicadas medidas adequadas para salvaguardar os direitos e liberdades e os legítimos interesses do titular.

O regime legal do Código do Trabalho

Enquanto não existir regime específico que estabeleça um quadro legal específico para a utilização do Algoritmo no contexto laboral, teremos de ter presente o disposto no regime em vigor, que no geral condiciona as principais decisões que incidam sobre o contrato de trabalho e o vínculo laboral, à consagração de critérios que fundamentem tais decisões (p.e o despedimento, a suspensão) e ao cumprimento dos requisitos necessários à sua licitude.

O uso da inteligência artificial, nomeadamente através do recurso a algoritmo, será legítimo/legal, desde que no mais, se cumpram as disposições legais inerentes a cada situação, sobre a qual é tomada a decisão.

Vejamos algumas disposições do Código do trabalho, a ter em consideração:

Proteção de dados pessoais ( artº 17º); meios de vigilância(artº 20º ); autorização da Comissão nacional de proteção de dados (artº20º); Igualdade e não discriminação (artº 25º); Registo de processos de recrutamento (artº32º): efeitos das faltas justificadas (artº 255º); Comunicações em caso de redução ou suspensão (artº299º); despedimento c/justa causa (artº 351º);despedimento coletivo (artº 359º); Comunicações e critérios do despedimento coletivo (artº360º);despedimento por extinção do posto de trabalho (artº368º);despedimento por inadaptação (artº 373º) e Ilicitude do despedimento ( artº381º).

Livro Verde para o Futuro do Trabalho: as novas tecnologias

No recente documento elaborado sobre o Futuro do Trabalho em Portugal (livro Verde) consta a propósito da realidade do recurso ao algoritmo, como objetivos:

- Regular a utilização de algoritmos nas suas diferentes dimensões, promovendo a transparência e a responsabilidade do seu uso, nomeadamente no contexto laboral;

- Criar um regime legal que minimize os novos riscos associados à autonomia da inteligência artificial (IA), assegurando a proteção da privacidade e dos dados pessoais, igualdade e não discriminação, ética e a transparência dos sistemas baseados em algoritmos, seja na seleção de candidatos a emprego, execução de contrato de trabalho ou fiscalização da sua atividade;

-Incentivar a regulação da utilização de algoritmos em sede de negociação coletiva, envolvendo os parceiros sociais e assegurando o tratamento da matéria em convenções coletivas de trabalho, de forma a garantir a utilização adequada da IA que reflita as necessidades de cada setor:

-Promover uma IA de confiança, investindo no desenvolvimento de infraestruturas, no progresso integrado e regulado de base de algoritmos, na melhoria da utilização dos dados públicos e industriais e na criação de repositórios de dados;

-Promover o acesso das PME´S à IA e a recursos humanos qualificados nestas áreas, viabilizando a expansão destas tecnologias e mitigando desigualdades em função da dimensão das empresas que possam limitar o acesso à inovação tecnológica.

Comissão Europeia e a regulamentação da Inteligência Artificial

A Comissão Europeia tem em preparação, no momento (Maio de 2021), uma proposta de regulação para a Inteligência artificial, no que inclui o uso de algoritmos em contexto laboral (risco elevado). Este documento visa garantir a segurança e defesa dos direitos fundamentais de pessoas e empresas, num quadro de reforço da utilização da IA na Europa e coloca os algoritmos utilizados em contexto laboral no grupo dos de riscos elevado.

Sistemas de IA de acordo com o risco

Os níveis de regulação, dependem do risco, consoante a ameaça que representam para os utilizadores, sendo que os algoritmos utilizados em contexto laboral, são classificados como “de risco elevado”.

Graus de risco: níveis de regulação

Risco inaceitável: abrange todos os sistemas de IA que constituam ameaça à segurança, subsistência ou aos direitos das pessoas (manipulam comportamentos humanos). Serão proibidos.

Risco elevado: Incluem IA utilizada, por exemplo, em infraestruturas críticas, serviços públicos e privados essenciais, mas também no emprego e gestão de trabalhadores. Terão de cumprir obrigações rigorosas antes de chegarem ao mercado.

Risco Limitado: Integram, por exemplo, os robôts de conversação Terão de cumprir obrigações de transparência específicas, como deixar claro aos utilizadores que estão a interagir com uma máquina, para que estes possam decidir prosseguir ou não.

Risco mínimo: Estão neste grupo os filtros de spam baseados em IA ou aplicações com jogos de vídeo. A regulamentação não intervém neste domínio, considerando-o xde risco residual para a segurança dos utilizadores.

Conclusão

Como foi evidenciado na explicitação supra referida, a utilização e recurso a algoritmo no contexto das decisões no âmbito da relação laboral – p.e no recrutamento e seleção de trabalhadores, nas promoções e progressões profissionais, na avaliação de produtividade e aptidões, nas situações de seleção de trabalhadores a suspender ou reduzir o Horário, ou nos casos de seleção de trabalhadores elegíveis para despedir ou outras decisões – independentemente do método utilizado na construção da matriz do algoritmo e nas variáveis definidas para a tomada de decisão – a decisão terá de cumprir os requisitos estabelecidos nos normativos comunitários e nacionais sobre Proteção de Dados, bem como das disposições legais constantes da atual legislação laboral (Código do trabalho vigente), nomeadamente quanto aos procedimentos, comunicações inerentes, e fundamentação e se assim acontecer, se respeitar na íntegra todas as exigências das normas em vigor, tal procedimento será legal, uma vez que não é autonomizada o conteúdo da decisão algoritma (IA),mas da conformidade legal da decisão assumida.

Em termos futuros, quando e se for aprovada nova legislação, seja comunitária (UE), seja de âmbito nacional, especificamente abordando o recurso ao algoritmo no contexto laboral, que eventualmente preveja e estabeleça outros requisitos e procedimentos enquadradores da nova realidade tecnológica (IA/algoritmos), será então nesta base, que se aferirá da legalidade desta opção.

*Rui Gonçalves da Silva/jurista/assuntos laborais/Maio de 2021