* Histórico da situação jurídica das Bordadeiras de Casa da Madeira

 

Contributos para o estudo da situação jurídica das bordadeiras de casa da Região Autónoma da Madeira

 

 

 Histórico das Bordadeiras de Casa

 

 Introdução

 

 O presente trabalho pretende constituir um breve e sintético repositório do historial da situação jurídica e laboral da bordadeira de casa da Região Autónoma da Madeira, reequacionando o essencial de todo um vasto acervo documental, no percurso de avaliação e de estudo do estatuto laboral destas, decorrente da experiência e vivência de todo este processo que se concretizou no tempo e que na actualidade permite um olhar retrospectivo desse itinerário de mais trinta anos (considerando o desenvolvimento deste processo a partir de 1980 até aos nossos dias).

 O olhar para esse passado, permite definir, um período inicial, no inicio do processo autonómico, de procura de institucionalização de um estatuto digno para a bordadeira de casa, melhorando a sua condição social e económica e assegurando o reconhecimento do seu papel, numa actividade emblemática para a Região – o bordado Madeira -  o que implicava um trabalho de enquadramento jurídico, de criação de fundamentos legais, num cenário de lacunas e omissões legislativas, inerentes ao próprio trabalho domiciliário, actividade que no País não tinha um explicito acolhimento legal, quedando –se  pela integração muito residual, nos designados “contratos equiparados”.

 A este ciclo inovador, de estudo e criação de bases legais para integração da actividade das bordadeiras de casa, no quadro legal laboral existente, padronizado para a relação laboral tipo, não se tornou tarefa fácil, atentas as dificuldades e as controvérsias  jurídicas subjacentes, que se evidenciam quando se busca soluções pioneiras e inovadoras, a que acresceram dificuldades suscitadas pelos que se opunham à mudança e pugnavam pela manutenção do “status quo” vigente,  seguiu-se um ciclo de concretização do novo quadro legal e institucional e de alguma definição do estatuto jurídico das bordadeiras de casa, o que representou a consagração de direitos e da melhoria da sua condição.

 

Apesar de existirem sempre medidas e propostas, de aperfeiçoamento do regime legal que se instituíu, assistiu-se a um ciclo de estabilização e corporização da nova realidade jurídica, dentro de um regime específico, uma vez que fora a solução mais consensual obtida, o que permitiu a consolidação de um estatuto, com regime próprio, consubstanciado no reconhecimento de vários direitos sociais e profissionais – quer na segurança social, quer no desemprego, quer na garantias  remuneratórias do trabalho efectuado – assente num relacionamento entre os parceiros sociais do sector – sindicato e associação empresarial – bem como do Instituto do Bordado e dos departamentos da área do Trabalho.

 Contudo, para a garantia da evolução e consolidação de medidas de melhoria do estatuto das bordadeiras de casa, a salvaguarda essencial, dependia da sustentabilidade e  viabilidade do sector, ou seja, da sua situação económica, que sempre constituía um argumento de constrangimento e limitação das opções a serem adoptadas. Este factor esteve sempre presente nas condicionantes que se impunham à consagração de medidas de valorização e dignificação do estatuto das bordadeiras de casa, resistências que iam sendo superadas gradualmente.

 Outro ciclo, mais recente foi a crise, deste sector, dos anos noventa. A crise de mercado, as dificuldades de escoamento do produto, a dependência extrema do escasso leque países destinatários da exportação do bordado Madeira – Itália, Inglaterra e Estados Unidos - a concorrência de produtos de origem asiática (sobretudo da China), a que acresceu a inadequação do produto às novas exigências do consumidor (padrões de bordado e design pouco inovador ), aliado ao facto das empresas regionais, de cariz familiar e tradicional, não terem acompanhado, na sua generalidade, a evolução tecnológica, não permitiram enfrentar os novos desafios do mercado, levando ao encerramento progressivo de muitas empresas ( das 40 existentes, nos anos 90,  poucas sobreviveram).

Nesta conjuntura, foram lançados programas específicos de apoio à dinamização das empresas, do bordado e da tapeçaria, facto que não possibilitou a recuperação do sector, permanecendo apenas, um grupo restrito de empresas que souberam inovar e adaptar-se aos novos tempos.

 Neste percurso temporal, constata-se que o número de bordadeiras de casa, historicamente envolvia algumas dezenas de milhares de mulheres  (excepcionalmente, existiu um ou outro homem no bordado de casa), apontando 10/15 mil inscritas ( dados do IBTAM), nos anos 70/80, pese embora constituir um número difícil de concretizar, uma vez que tratando-se de actividade exercida no domicílio, na generalidade, em complemento de tarefas domésticas, familiares inscreveriam outras familares, que não bordadeiras, ou exercendo de forma muito ocasional e esporádica, para desse modo estas poderem ter acesso a direitos sociais, nomeadamente segurança social, assistência médica e reforma. Na actualidade serão cerca de 3 mil bordadeiras inscritas , mas que exercem a actividade, embora com níveis de trabalho diferenciados, serão actualmente (2017) cerca de 1.500 bordadeiras.

 O circuito da elaboração do bordado na Madeira, é em si “sui generis”, resumindo-se no seguinte sistema : as casas de bordados (empresas) disponibilizam trabalho ( bordado – desenho estampado no tecido)  a executar, e este é entregue a uma “agente”, ( pode ser ou  não bordadeira) que por sua vez redistribui o trabalho pelas bordadeiras da sua área e fica responsável pela sua execução e entrega à casa de bordados. (ocorrerão situações em que a bordadeira de casa vai directamente à empresa  obter o bordado para execução).

 Quando o bordado é entregue, é acompanhado de “talão”, onde entre outras referências, consta o número de “pontos” que esse trabalho implica ( refira-se que o número de pontos, não corresponde exactamente ao número de inserções da agulha no acto de bordar, mas é a quantificação feita previamente por instrumento próprio, designado de “curvímetro”) sendo que  em função de tal número de pontos, é processado  o pagamento desse trabalho ( a tabela anual de preços, fixada por Portaria,  estabelece o pagamento  unitário por 100 pontos).

 Ao longo do presente trabalho, nos vários  elementos e apontamentos sobre a realidade das bordadeiras de casa, elaborados ao longo deste processo, que se desenrolou ao longo destes anos ( com enfoque, sobretudo, nas décadas 80/90 ) será possível a percepção adequada desta realidade, nos problemas suscitados, nos desafios a superar, na procura de enquadramento jurídico .

 A análise e a inventariação da situação, com enfoque nos problemas jurídicos que se colocaram ao tempo, mais precisamente na década de 80/90, onde veio ao de cima a realidade das bordadeiras de casa, assente no movimento reivindicativo que se suscitou, face à debilidade económica destas obreiras, e da necessidade de encontrar soluções mais justas e equitativas, pelo que há-que ter presente a legislação ao tempo vigente na base da qual se estruturou o enquadramento jurídico e as soluções encontradas:quer para a definição do seu estatuto laboral,quer para o reconhecimento de direitos, o que permitiu algumas soluções que melhoram, pouco que seja, a condição da bordadeira de casa,mas não ao ponto de ter transformado o estatuto destas, de modo  a ser apelativo para as novas gerações.

O regime jurídico do contrato de trabalho, era então regido pela Lei geral (LCT) aprovada pelo DL 49 408 de 24 de Novembro de 1969  ( regime que apenas foi revogado decorridos 34 anos, pelo 1º Código do Trabalho aprovado pela Lei nº99/2003) e vária legislação laboral dispersa e avulsa , na base do que foi analisada a situação jurídica das bordadeiras de casa e encontradas as soluções de enquadramento ajustadas, configurando, no essencial tal relação como contrato equiparado ao contrato de trabalho, solução que se adequa ao quadro legal entretanto publicado, considerando o conceito legal que o Código de Trabalho, mesmo na versão actual - aprovada pela Lei nº7/2009 de 12 de Fevereiro contemplam.

 

Enquadramento jurídico

 

A actividade do Bordado, como indústria e com expressão na economia da Região, data, segundo os estudos históricos do sector, a partir de 1856, com recurso, na sua essência, ao trabalho das mulheres particularmente das zonas rurais, que em complemento da  vida doméstica e dos campos, dedicavam-se ao bordado, com arte, engenho e esmero.

 O processo de produção estabeleceu-se, com regras próprias, de intermediação entre a agente, as casas de bordado e as bordadeiras, que nas suas casas, executavam o bordado, segundo os métodos estabelecidos, com pagamento em função dos pontos produzidos, - valor por 1000 pontos na tapeçaria e 100 pontos no bordado - em valores pré-definidos, pelos industriais, segundo avaliação e orientações do seu Grémio.

 O que é inquestionável é o facto de que , a actividade das bordadeira de casa, decorre de acordo com procedimentos conhecidos, com estatuto próprio e condições sociais específicas, conforme  se pode constatar pela inventariação, no tempo, das principais medidas adoptadas, conforme se enuncia :

 

Medidas adoptadas:

 

 

“ È alargado às bordadeiras de campo da ilha da Madeira, como beneficiárias

               e às firmas industriais para quem trabalham, como contribuintes, o âmbito

               das Caixas de Previdência..”

             

 Para este efeito considerava-se bordadeira :

 

 “toda a mulher, a partir do 14 anos de idade, que, no processo  de produção de bordados, execute no seu domicílio para uma ou mais firmas industriais, o bordado propriamente dito – qualquer que seja  a qualidade do tecido, incluindo a tela -, desde que normalmente totalize, num mês, considerado este como um período de vinte e seis dias, pelo menos 3 250 pontos, tratando-se de bordado em qualquer tipo de tecido que não seja tela; para o bordado em tela, será necessário que, no mesmo período, totalize 32 500 pontos “

 

Assinale-se que a cobertura de benefícios, estabelecidos compreendia :

 

a)      Protecção na doença, mediante a concessão de assistência médica  e medicamentosa, extensiva aos filhos das beneficiárias que vivam a seu cargo;

b)       protecção na maternidade, mediante a concessão às beneficiárias de assistência médica e medicamentosa, que compreenderá tratamento na gravidez, no parto e no puerpério (…) internamento hospitalar.

c)      Protecção na invalidez e na velhice:

d)     Protecção em caso de falecimento, mediante a concessão de subsídio por morte e de pensão de sobrevivência ao cônjuge;

 

2.  Portaria nº 42/78 : alarga o âmbito da protecção de segurança social a outras profissionais da actividade.

 

3  . Decreto Regional nº 9/78/M : considerando o seu estatuto jurídico laboral, de inexistência de vínculo de subordinação  jurídica , não sendo trabalhadoras por conta de outrem , como tal não usufruíam de subsidio de desemprego, porque “ nunca estarão de jure desempregadas”  - não fazia sentido procederem a tal quotização, pelo que este diploma determinava que      deixavam de ser cobradas tais  taxas.

 

4.  Despacho de 15/3/79 : despacho conjunto de constituição de Comissão encarregada de proceder aos estudos preparatórios para a regulamentação da actividade das bordadeiras de casa

 

5. Portaria nº 11/80 : Regulamento para a actividade das Bordadeiras de casa

 

Este Regulamento estabelece as normas da actividade  do bordado, no que se refere às trabalhadoras, à execução do trabalho, os direitos e deveres das partes, dos valores remuneratórios e subsídios a atribuir.

 

 

 

6. Despacho  do Secretário Regional do Trabalho de Outubro de 1981 :determina a constituição de grupo de trabalho de representação tripartida “ que realize o levantamento da situação da bordadeira de casa e de outras modalidades de trabalho domiciliário”.

 

7. Portaria nº 28/81 : actualize os valores remuneratórios dos pontos e subsídios.

  8. Portaria nº 38/82  : actualiza os valores remuneratórios dos pontos e subsídios.

 9. Fevereiro de 1983 - Relatório do grupo de Trabalho :

 

 O grupo abordou as principais questões inerentes à situação das bordadeiras de casa (por ser a forma dominante de trabalho no domicílio), nomeadamente :

 

     - Pagamento das linhas ;

 

     - Situação jurídica das bordadeiras de casa;

 

      - Subsidio de férias e de Natal;

 

      - Análise económica do sector;

 

      - IBTAM – Instituto do Bordado e Tapeçarias da Madeira;

 

      - Tabelas remuneratórias.

 

Em resultado destes trabalhos, o grupo apresentou  o seu Relatório final, do que se destaca :

 

       - Supressão do pagamento das linhas pelas bordadeiras de casa;

       - Solicitação de parecer jurídico à Procuradoria Geral da  República para

          definição do estatuto laboral, sindicalização e contratação colectiva.

          ( em sede do grupo de trabalho, a maioria defendeu enquadrar-se no regime  dos

            contratos equiparados).

 

 

10. Resolução nº 2137/86: fixa as novas taxas de contribuições sociais para  a Segurança social ( 9,5% 2 e 2% respectivamente para a  trabalhadora e empresa).

 

11. Portaria nº 8/86 : Actualiza o valor remuneratório dos pontos e estabelece que “ a partir de 1 de Janeiro de 1987, os preços das linhas a fornecer às bordadeiras de casa, serão suprimidos “

 

12. Portaria nº4/87 : Suprimido o pagamento das linhas

 

 13. Parecer da Procuradoria Geral da República- Julho de 1986

 

       Este parecer não foi homologado por não se afigurar conclusivo, pois não obstante

       Todos os elementos fornecidos  em relação à situação concreta da actividade das 

       Bordadeiras de casa e toda a tramitação factual, concluía, nestes termos :

 

 “ Os trabalhadores no domicílio em geral e em especial as bordadeiras de casa da

       Madeira, podem encontrar-se vinculados ao respectivo(s) dador(es) de  trabalho, através de :

 

a) um contrato de trabalho subordinado em sentido estricto, quando       possa afirmar-se  a existência de subordinação jurídica;  

b) um contrato equiparado a contrato de trabalho, quando, não existindo subordinação jurídica, se verifique dependência económica;

c) um contrato civil de prestação de serviços, próximo do contrato de empreitada quando não exista nem subordinação jurídica nem económica.

 

14. Decreto Legislativo Regional nº 11/92/M: aplica à Região o Decreto-Lei       nº440/91   que aprovou o Regime Jurídico do Trabalho no Domicílio

 

       Este diploma regional, aplica o regime geral do trabalho domiciliário estabelece

      que  a actividade das bordadeiras de  casa será objecto de regulamentação própria.

 

15. Decreto Legislativo Regional nº 12/93/M – Regulamentação da actividade  das  Bordadeiras de Casa

 

 Este diploma regulamenta o Trabalho domiciliário das bordadeiras de casa, tendo presente o regime geral do trabalho no Domicílio, previsto no DL nº440/91, introduzindo as adaptações adequadas pois, conforme se refere no seu preâmbulo :

 

“ Efectivamente no DL nº440/91 o trabalho no domicílio surge tratado com um sucedâneo do trabalho nas instalações fabris. Por outras palavras, nas actividades em questão, as tarefas executadas no domicílio são iguais ou semelhantes às efectuadas nas instalações das empresas dadores de trabalho, resultando a opção pelo trabalho domiciliário de razões estratégicas relacionadas com custos de produção.

O trabalho das bordadeiras de casa, pelo contrário, não encontra paralelo em qualquer executado em fábricas, integrando-se no processo  de produção do bordado como uma fase típica e específica.”.

 

 O referido diploma  estabelece no seu âmbito ( artº 1º) que :

 

“ …. Aplica-se a todas as situações em que haja incumbência de trabalho

 no domicílio do trabalhador e sem subordinação jurídica, que consista na

 execução de bordado e tela bordada da Madeira, sendo as matérias-primas

 fornecidas pelo dador de trabalho “

 

 

e quanto aos sujeitos dessa relação de trabalho , ( artº 2º) define-se o seguinte :

 

 

“ As relações entre o dador de trabalho e a bordadeira de casa, nomeadamente no que concerne à incumbência de trabalho, à entrega do mesmo e ao pagamento da remuneração, podem ser estabelecidas directamente ou através de uma bordadeira de casa que represente um grupo destas, valendo, neste casso, como estabelecida directamente “

 

 O referido diploma regional, segue, no mais, as linhas mestras do regime em vigor na Região para esta actividade, com as actualizações decorrentes do novo regime e as adaptações necessárias às especificidades desta actividade, cumprindo a previsão contida no próprio diploma nacional.

 

16. Lei nº 43/96 : criação do subsidio de desemprego para as bordadeiras de casa.

 

17 . Decreto Legislativo regional nº 2/97/M . regulamenta a atribuição do Subsidio de 

       desemprego às bordadeiras de casa, segundo regime próprio.

 

      “ Têm direito ao subsidio de desemprego as bordadeiras de casa que, nos ultimos

         três anos, exerceram de forma habitual a actividade e se encontrem sem trabalho

          de bordado durante três meses consecutivos “

 

18. Portaria nº 214/2002 : actualiza, como todos os anos, as remunerações dos pontos

      e demais prestações, para o ano de 2003.

 

 Nota : a simples leitura da enunciação das medidas legislativas e outras que  foram adoptadas, a nível regional, demonstra o regime de protecção que abrange as bordadeiras de casa , mesmo antes da existência de lei quadro, do trabalho domiciliário, como aconteceu em 1991 (DL nº440/91).

 

 

Apreciação jurídica

 

Uma breve incursão à realidade jus-laboral das bordadeira externas

da industria dos bordados, um afloramento linear dessa temática, rica de questões, aqui assumidas apenas nos aspectos jurídicos da relação laboral e nestes, no limite do essencial

Não é fácil condensar num texto que se pretende breve e circunstancial, abordar uma realidade factual tão vasta e complexa, quanto a problemática da bordadeira de casa. (1)

Não obstante, tentar-se-á nas linha que se seguem, tecer algumas considerações sobre o problema, elaboradas numa perspectiva jurídica, de forma que os contornos básicos da situação laboral da bordadeira de casa, fiquem minimamente delineados.

 

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(1)   São várias as expressões utilizadas para designar estas profissionais, todas elas acentuando o facto da actividade ser exercida no domicílio da trabalhadora (fora do estabelecimento do industrial). Assim, existem as seguintes designações sinónimas: bordadeiras externas, domiciliárias, de campo, domésticas e de casa. Destas as que têm tido acolhimento nos diversos normativos, sobretudo num passado recente são: bordadeiras de campo (na Portaria n.º 775/73, bordadeiras domésticas (no Decreto Regional n.º 9/78/M) e bordadeiras de casa (nas Portarias 42/78, 11/80, 28/81 e 38/82).

Verifica-se assim que a expressão mais frequente e comummente utilizada tem sido a de bordadeira de casa, razão pelo que a utilizamos. A nosso entender, a designação mais consentânea, juridicamente, seria ou bordadeira externa, para abarcar um universo vasto de situações factuais e jurídicas, ou bordadeiras domiciliárias, esta tendo já subjacente um determinado tipo de estatuto laboral.

Todavia, em termos sócio-culturais, a designação de bordadeira de casa, tem uma expressividade mais imediata como já o tivera a de bordadeira de campo.

 Em sede própria, foi feito um estudo mais exaustivo destas profissionais – pela comissão, encarregue de proceder ao levantamento da situação da bordadeira de casa e de outras formas de trabalho domiciliário da Região (1)

 

A bordadeira de casa constitui uma importante interveniente no processo produtivo do bordado, cuja indústria depende substancialmente do seu trabalho. A população feminina que se dedica a esta actividade, independentemente da duração dessa ocupação, atinge percentagem significativa da população activa feminina e da população activa em geral. (2)

 

 

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(1)   Conforme despacho do Secretário Regional do Trabalho publicado no JORAM n.º 27, II Série, de 15 de Outubro de 1981, o grupo integra os seguintes representantes: dois da Secretaria Regional do Trabalho, dois da Secretaria Regional do Comércio e Transportes, dois do Ministério do Trabalho, um da Associação dos Industriais de Bordados, um da Associação Comercial e Industrial, um do Sindicato respectivo.

 

(2)   Como este trabalho tem apenas o objectivo de contribuir para a definição do estatuto laboral das bordadeiras de casa, não cuidamos de aspectos acessórios, como determinadas quantificações que por si, exigiriam estudo próprio.

Assim, o próprio número de tais profissionais não será abordado sem reservas face a inexactidão dos dados existentes e às discrepâncias dos números apontados. (entre dez mil a vinte mil bordadeiras).

Contudo sabe-se pelos dados estatísticos referentes a censos não actualizados, que a população activa da Região aproximar-se-á dos cem mil indivíduos.

 

 Entre outras particularidades, esta actividade que se estrutura em moldes tradicionais, caracteriza-se pela dispersão geográfica das bordadeiras (1), a intervenção dum intermediário – a agente – que desenvolve a sua acção entre aquelas e o industrial, pelo que, na maioria das situações não se verifica qualquer contacto bordadeira – industrial.

 

A agente recebe o bordado do industrial e encarrega-se de distribuí-lo na área da sua zona de trabalho, às bordadeiras a que habitualmente faculta trabalho, consoante a respectiva aptidão e preferências. (2)

 

O enquadramento legal das relações que se possam estabelecer ou que resultam do encadeamento entre o industrial – AGENTE – bordadeira e dos vínculos que o processo gera, tem suscitado teses diferentes (divergentes), sobretudo face à existência de componentes factuais específicos que são valorizados diferente e que se vertem na “vexata questio” de se entender ou não as bordadeiras de casa como trabalhadoras subordinadas, bem como em todo um conjunto de questões disso decorrentes.

 

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(1)   Existem bordadeiras de casa em todos os Concelhos da Região. Dados de 1981, apontam para a predominância no Concelho do Funchal e Câmara de Lobos, seguido por ordem decrescente do Concelho da Ribeira Brava, Machico, Santa Cruz, Calheta, São Vicente, Santa, Ponta do Sol, Porto Santo e Porto Moniz.

 

(2)   Quanto as estatuto jurídico da AGENTE não nós pronunciamos pois isso não constitui objecto deste trabalho. Adianta-se que é trabalhadora por conta própria na maioria das situações.

 

 Descrição factual da relação estabelecida entre a Bordadeira e o Industrial

 Antes de encetarmos a análise jurídica propriamente dita, fundamental é delinear, embora em linhas gerais, o substrato factual da relação que se estabelece entre a bordadeira e o industrial.

Assim, em síntese, é esta a situação:

A indústria do bordado cresceu tradicionalmente apoiada quase em absoluto no trabalho das bordadeiras de casa e isso explica-se pela raiz cultural desta actividade, desde sempre ligada aos afazeres caseiros da população feminina, na generalidade como complemento destes.

A bordadeira recebe o trabalho a executar, na grande maioria das situações não directamente do industrial, mas através de intermediário – a agente – que por isso aufere daquela determinada percentagem como contraprestação dos seus serviços. (1)

E também neste aspecto, volta o argumento de carácter cultural e social, pois a existência da agente visa ir ao encontro da mulher bordadeira que de outro modo não lhe seria fácil deslocar-se até ao industrial, cujas unidades fabris e comerciais situam-se no Funchal (Cidade).

 

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(1) A percentagem varia entre 10% a 15% do valor pago.

 

 À bordadeira é entregue, pela agente, o trabalho a executar e esta, dentro das disponibilidades pode optar pelo tipo de trabalho que mais lhe interessa bordar.

Simultaneamente é-lhe fornecida a linha necessária, em negalhos, nas cores e tonalidades correspondentes às exigências do bordado a executar.

O valor da linha está estipulado em Portaria Regional (1) e constitui encargo também da bordadeira, embora suporte valor abaixo do custo real.

O facto da bordadeira de casa pagar as linhas (que é uma das matérias primas do bordado) introduz no processo um elemento “sui generis” e controverso. (2)

 

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(1)   Ao momento a percentagem paga pela bordadeira é de cerca de 40% do valor real da linha.

 

(2)   A questão do pagamento das linhas constitui um dos aspectos mais controvertidos. As bordadeiras aspiram à sua supressão desde há longa data, a que os industriais se têm oposto, evocando razões inerentes ao controle do consumo da linha que de outra forma não poderia ser processado.

 

Existem, contudo, formas alternativas que conduzem à supressão de tal pagamento: desde a implementação de sistema de entrega da linha suficiente para a execução dos trabalhos, na base da equivalência dos pontos industriais a determinada quantidade de linha, a forma de controle contabilístico da linha concedida e também na redução do valor real pago até à sua completa eliminação em prazo diferido.

A comissão em funcionamento para estudo da situação da bordadeira de casa, apresentou  solução alternativa para este problema.

 Depois mediante as instruções transmitidas pela agente, concretamente no que se refere ao bordado, características particulares e distribuição de cores, a bordadeira executa-o sem mais qualquer tutela e de acordo com as suas disponibilidades de tempo, embora possa ser convencionado prazo de entrega.

Uma vez concluído o bordado, a agente encarrega-se da sua entrega ao industrial (nos casos em que intervém a agente, pois nas outras situações, a bordadeira entrega-o directamente ao industrial) e posteriormente recebe do industrial o valor correspondente ao trabalho executado – a remuneração é em função dos pontos industriais previamente calculados, constando no bilhete que acompanha o trabalho e de acordo com a tabela remuneratória fixada por Portaria do Governo Regional (revista anualmente) – que por sua vez é entregue à bordadeira.

Embora não existam estudos exaustivos e rigorosos, podemos constatar que grande percentagem das bordadeira têm no bordado o complemento da sua actividade doméstica quotidiana, embora não seja despicienda a percentagem daquelas profissionais cuja actividade principal é o bordado, todavia a ocupação hora/dia é extremamente variável. (1)

 

 

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(1) Estas conclusões decorrem de amostragem feita pelo IBTAM, envolvendo 55 bordadeiras de sete concelhos.

 

 Situação Jurídica da Bordadeira de Casa

 

Depois das breves referências à realidade “de facto” decorrente das relações que se estabelecem no circuito do bordado, vamos enquadrar “de jure” a situação, essencialmente no que concerne à definição da situação jus-laboral da bordadeira.

A relação jurídica, industrial – bordadeira, foi já delineada nos seus contornos factuais essenciais e deles ressalta a doutrina aponta – relação jurídica não é mais do que síntese bilateral de um poder com um vínculo, a sua correlação normativa. (1) Relação que se estabelece entre uma pessoa e outra, relevante para o direito objectivo, na medida em que confere a um, um poder, e impõe à outra um vínculo correspondente. (2)

Ora, no caso concreto da relação industrial – bordadeira (mesmo com a intervenção da agente) estabelece-se um vínculo sinalagmático, pois que se por um lado a bordadeira assume o compromisso de executar o trabalho nas condições pré-determinadas, por outro lado o industrial assume igualmente o compromisso de pagar os valores correspondentes; compromissos estes que se esgotam em cada negócio.

Contudo, interessa-nos perspectivar a questão face ao direito laboral vigente, para em função disso saber-se se a bordadeira é, ou não, trabalhadora subordinada.

A relação jurídica de trabalho é integrada por um conjunto de direitos e deveres assumidos pelo trabalhador e pelo dador de trabalho, por efeito de um certo facto jurídico – o contrato individual de trabalho.

 

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(1)   Carnellutti in “Teoria Geral do Direito”

 

(2)   Emílio Betti in “Teoria Geral do Negócio Jurídico”

 

 

 Vamos, assim, verificar se no caso vertente da bordadeira de casa estaremos ou não perante um tipo de relação que se molde à previsão legal de contrato de trabalho.

 

 

Bordadeira de Casa e o normativo laboral

 

 A definição legal de contrato de trabalho constante do artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 era a seguinte :

 

“Contrato de Trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa sob autoridade e direcção desta”

 

Assim, os elementos essenciais que caracterizam o contrato de trabalho são a subordinação jurídica e a subordinação económica.

 

 Subordinação Jurídica

 

A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária, da conduta pessoal do trabalhador, na execução do contrato, face às ordens, regras ou orientações, ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem. (1)

A subordinação jurídica consubstancia-se, na prática, na sujeição ao poder disciplinar do dador de trabalho, que pressupõe a sujeição a ordens, instruções, direcção e à fiscalização daquele, em suma, submissão à autoridade do empregador, exercida dentro dos condicionalismos do trabalho e da actividade em causa.

A autoridade e direcção são pois os componentes da subordinação jurídica, porém nem sempre decorre inequivocamente da relação laboral em determinados casos, as fronteiras desses conceitos.

 

in Monteiro Fernandes – Noções Fundamentais de Direito do Trabalho

 

 

  Tanto a autoridade como o poder de direcção, podem ser exercidos com mais ou menos ênfase, até porque a própria subordinação jurídica comporta graus, consoante o tipo de relação de trabalho e da actividade exercida. (2)

            Verificamos, dentro destes considerandos, os elementos essenciais, caracterizadores da situação factual da actividade das bordadeiras de casa:

 

- O trabalho é prestado no domicílio da bordadeira ou em local por ela escolhido.

- Liberdade desta quanto à disponibilidade do tempo que dedica ao trabalho (sem horário de trabalho determinado pelo industrial).

- Possibilidade de recusa de prestação de trabalho.

- Inexistência de sanções ou poder disciplinar.

- Inexistência de determinações de carácter técnico relativamente à forma de bordar.

Sem ser necessário aprofundar a análise, constatam-se elementos que patenteiam a inexistência da subordinação jurídica (ou dependência pessoal, na expressão utilizada na doutrina alemã) pelo menos sem aqueles aspectos vitais que caracterizam essa subordinação (ausência do poder de autoridade do dador de trabalho, inexistência de horário de trabalho, p.e.).

 

 

 

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(1)   “O requisito da subordinação jurídica tem de definir-se com bastante latitude e flexibilidade de modo a abranger as variadíssimas gradações de que é susceptível (…) com a evolução do Direito do Trabalho, cada vez mais a subordinação jurídica apresenta maior gama de cambiantes e se maleabiliza mais no seu conteúdo” – Galvão Telles.

 

 

 Subordinação Económica

 

            Outro elemento caracterizador do contrato de trabalho é a existência de subordinação económica, entendida no sentido da existência de certa dependência económica em relação ao dador de trabalho. Tal dependência infere-se da própria situação do que vê na contrapartida remuneratória do seu trabalho (actividade) um meio de subsistência, sem com isso significar apenas e só mera expressão de dependência material, mas também outro tipo de dependência, esta ao nível do aparelho produtivo.

 

            Assim, tenha-se em conta que ao falar-se de dependência económica, exige-se uma certa maleabilidade de percepção de percepção cognitiva do conceito, pois as relações de trabalho nos nossos dias e as situações factuais, apelam a um entendimento hábil desse elemento.

 

No conceito de subordinação, cabem, pois, dois tipos de situação:

 

            - dos que encontram na retribuição o seu único ou principal meio de subsistência.

            - os que se inserem num processo produtivo que não controlam.

 

            A bordadeira de casa depende economicamente do industrial, no sentido em que não vende o seu trabalho directamente ao consumidor, nem tão pouco determina o valor desse trabalho, além de existirem situações de verdadeira dependência material.

 

            O trabalho executado pela bordadeira insere-se num processo produtivo, dominado por outrém (o industrial), do que ela é uma interveniente, facto que acentua a sua dependência económica.

 Assim sendo e pelo que já se referiu, no caso da bordadeira de casa, existe subordinação económica, sem subordinação jurídica, como pode ocorrer o contrário com trabalhadores subordinados, razão pelo que “de jure constituendo” aponta-se para a reformulação do conceito de trabalhador subordinado, considerando que a subordinação económica será, por si, factor determinante da conceitualização do contrato de trabalho, atentas as alterações sociais e a necessidade da lei conformar-se com tais mutações. (1)

 

 

 

Concluindo: A relação entre a bordadeira de casa e o industrial não se configura a situação de trabalho subordinado, por não se enquadrar na definição legal de contrato de trabalho. (2)

 

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(1)   Os resultados sociais da exclusividade do critério da subordinação jurídica agravam-se pelo facto de que, devido ao isolamento que os caracteriza, os trabalhadores autónomos não podem influir colectivamente na determinação das condições de trabalho nem beneficiam das formas de organização e luta colectivas ao alcance dos trabalhadores subordinados (sindicato, greve, contratação colectiva).

Assim, mantê-los à margem do Direito do Trabalho – embora a benefício de um maior rigor jurídico – favorece o agravamento e degradação da sua condição económica e social.

(in Notas para um Introdução ao Direito do Trabalho – José Barros de Moura, pág. 42.)

(2)   “São, pois excluídas do âmbito do Direito do Trabalho e da respectiva protecção, trabalhadores sem subordinação jurídica mas cuja participação no processo produtivo e situação social é idêntica à dos assalariados com subordinação jurídica. E isto, quando é certo que o mesmo critério leva a fazer beneficiar da protecção do Direito de Trabalho, trabalhadores que, pelas suas funções que desempenham, se encontram numa posição hierárquica próxima do empregador e auferem rendimentos de trabalho elevados”.

(idem – José Barros Moura)

 

Trabalho Autónomo

 

          Após termos constatado que o trabalho executado nos moldes em que o é pelas bordadeiras de casa, não se subsume à previsão legal de contrato de trabalho, ou seja, não é considerado trabalho subordinado, por exclusão estaremos perante um tipo de Trabalho Autónomo.

 

            Neste, uma das partes obriga-se a proporcionar à outra parte certo resultado do seu trabalho manual ou intelectual com ou sem retribuição, ou seja, a tónica caracterizadora é dada pelo resultado do trabalho e não pela forma e condicionantes do exercício dessa actividade.

 

            A noção civilística de contrato de trabalho é-nos dada pelo artigo 1152.º do Código Civil, cujo texto foi adoptado pela legislação de trabalho, como já se referiu. Tendo em conta a própria definição legal de contrato de prestação de serviço (art.º 1154.º C.C.), verifica-se que a situação das bordadeiras de casa não se enquadra rigorosamente naquela definição, face à existência do elemento de subordinação económica, nem tão pouco, corresponde a qualquer das formas de que pode revestir tais contratos: o mandato, o depósito e a empreitada.

 

Não sendo trabalho subordinado o executado pelas bordadeiras de casa, nem se subsumindo às situações tipificadas na lei correspondentes aos contratos de prestação de serviço (Trabalho Autónomo), mas antes equivalendo a “uma relação de trabalho formalmente autónomo, que todavia, colocam o trabalhador em posição de dependência (e de carência) materialmente próxima da que caracteriza o assalariado típico”. (1)

 

            E vamos encontrar a resposta legal a esta questão no art.º 2.º (contratos equiparados) do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, que cria assim uma figura intermediária entre o que é formalmente trabalho subordinado e trabalho autónomo, com componentes de ambas as situações.

 

           

A realidade e situação das bordadeiras de casa, em termos de direito positivo, subsume-se pois, ao que a lei consigna de contratos equiparados. (2)

 

 

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(1)   in Noções fundamentais de Direito do Trabalho, pág. 56 – Monteiro Fernandes.

(2)   Esta situação justifica que seja tornadas extensivas aos trabalhadores autónomos com dependência económica as normas de protecção que constituem o Direito do Trabalho, ou seja, proceder a um alargamento de âmbito de Direito do Trabalho, de modo a incluí-los, sem com isso alterar o critério jurídico rigoroso de definição do contrato de trabalho pela subordinação jurídica. O que se verifica é uma técnica de assimilação ou de equiparação (art.º 2.º do LCT) desses trabalhadores autónomos aos subordinados. – Ibidem – Barros de Moura, pág. 43.

 

 

 O referido art.º 2.º (RJCIT) dentro do âmbito de contratos equiparados prevê dois tipos de situações:

a) Os contratos que tenham por objectivo a prestação de trabalho realizado no domicílio ou em estabelecimento do trabalhador (sob dependência económica).

b) Os contratos em que este compra as matérias-primas e fornece por certo preço ao vendedor delas o produto acabado (sob dependência económica).

 

Na primeira das situações enquadra-se já todo o tipo de contratos possíveis de estabelecer no que respeita a trabalho domiciliário. Todavia o legislador quis também autonomizar os casos em que é o próprio trabalhador que adquire a matéria-prima.

A situação das bordadeiras de casa adequa-se à previsão legal, embora com cambiantes das duas hipóteses, pois efectivamente realizam o trabalho no domicílio e compram parte das matérias-primas; em qualquer dos casos, encontram-se nas condições de dependência económica que a lei refere. (1)

Este tipo de actividade distingue-se do Artesanato, que integra na sua formulação jurídica, elementos similares, todavia o artesão controla o processo produtivo e estabelece relação directa com o consumidor. (2)

 

 

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(1)   “Tal forma de subordinação encontra-se quando o trabalhador exerce o seu ofício por encargo de uma empresa, de intermediários ou de diversos empresários, mas sem entrar em relação directa com os consumidores” – Mazzoni, citado por Monteiro Fernandes in Parecer sobre situação jurídica das bordadeiras de campo”.

 

(2)   O Artesanato para além da sua expressão artística, assume-se mais como indústria no domicílio.

 

Assente que às bordadeiras se aplica o referido normativo – contrato equiparado – deter-nos-emos nas implicações jurídicas daí decorrentes, tendo em conta que a própria disposição legal estatui:

“Ficam sujeitos aos princípios definidos neste diploma, embora com regulamentação em legislação especial (…).”

A regulamentação especial referida na disposição em análise, não foi até à data publicada, pelo que isso propícia a proliferação de teses e interpretações que em nada contribuem para a definição do estatuto jus-laboral dos trabalhadores domiciliários.

Face à indefinição contida na disposição legal em causa, duas correntes de opinião têm feito escola:

-  Uma que entende ser de aplicação imediata ao trabalho domiciliário, os princípios da Lei do Contrato de Trabalho, assente no carácter afirmativo da expressão “ficam sujeitos aos princípios definidos neste diploma…” que sobreleva a ideia de determinação dirigida ao presente.

Assim, determinados os princípios, as situações factuais seriam resolvidas à luz daqueles e os casos de lacuna seriam sanados pela via da analogia ou da criação da norma dentro do espírito do sistema (conf. n.ºs 1 e 2 do art.º 10.º do C.C.). (1)

- Outra, entende que a referida norma assume carácter programático, sem eficácia imediata, condicionando-a à legislação especial e que o cometimento a tal normativo específico, não seria um retrocesso legislativo, mas a afirmação da sua especificidade, justificada pelas particularidades do trabalho exercido no domicílio. (2)

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(1)   Esta posição é defendida por Lobo Xavier e J. Barros de Moura. Além das razões evocadas, apoia-se no facto da Lei n.º 1952 de 19/03/1957, sujeitar o trabalho domiciliário ao Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, pelo que não seria concebível sustentar que o legislador quis implementar norma que veiculasse retrocesso legislativo.

 

(2)   Esta tese vem sendo defendida por Monteiro Fernandes in “Contratos Equiparados ao Contrato de Trabalho” ESC n.º 34, e “Noções Fundamentais de Direito do Trabalho”.

 

 

A nosso entender a equiparação feita pelo legislador das situações mencionadas no citado art.º 2.º, tem fundamentalmente carácter programático, pretendo-se assim, dar dignidade jurídica própria a tais contrato, subtraindo-os de outras figuras afins do foro civilístico e pese embora não ficar desde logo consagrado explicitamente a normatização de tais contratos, ficam salvaguardados os princípios a que a futura regulamentação deve subordinar-se.

Relativamente às duas teses expendidas a propósito da intervenção do mencionado art.º 2.º consideramos, que o legislador comete a legislação especial a regulamentação de tais contratos equiparados, simplesmente quis de forma solene e inequívoca traçar desde logo o respectivo quadro legal, pois ao estatuir que “ficam sujeitos aos princípios definidos neste diploma…” está a consagrar os parâmetros conceituais da legislação posterior, ou seja garante a protecção legal, ao nível dos princípios definidos no Regime de Contrato Individual de Trabalho, às situações de contratos equiparados.

 

Se acaso a lei excepcionasse do seu campo da aplicação os contratos equiparados, sem definir o regime dessa excepção, desvincularia o legislador futuro de qualquer subordinação e desse modo subverter-se-ia a preocupação de subtrair as situações de contratos equiparados ao foro civilístico, acolhendo-o no seio do direito do trabalho.

Contudo, entendemos que a interpretação consentânea da referida disposição legal (art.º 2.º do R.I.C.I.T.), impõe as seguintes ordens de considerações:

- Os princípios definidos no regime jurídico contrato individual de trabalho, seriam de aplicação imediata;

- Porém, não é viável o recurso apenas a princípios, eles próprios indefinidos – não obstante a terminologia legal”… princípios definidos…” – o certo é que, tais princípios estão (in) definidos ao longo de diploma com 131 artigos;

- Não podem constituir, sem mais, quadro legal para a casuística, pois os “princípios”, como tal, tendem para a abstracção.

 

 Concluindo: É notório que é indispensável a regulamentação em legislação especial das situações referidas no artigo em análise (contratos equiparados), dando assim cumprimento à vontade expressa do legislador de 1969.

 

Se em determinadas situações o recurso aos princípios definidos no regime jurídico do contrato individual de trabalho, pode eventualmente, num ou outro aspecto, ser solução (1), contudo isso não fundamenta por si, a tese que pretenda considerar que o trabalho exercido ao domicílio, nas condições que a lei equipara a contrato de trabalho, tem por isso protecção legal.

No caso concreto das bordadeiras de casa, não é um apelo aos princípios dimanados da LCT que resolve, juridicamente, a multiplicidade de questões que a problemática suscita, como não o tem sido em relação a todas as situações de trabalho domiciliário que proliferam no País.

O Trabalho exercido no domicílio e as particularidades de que os diversos tipos deste assumem, não se compadece com indefinições e a sua própria especificidade exige regulamentação própria, razão pelo que consideramos que a equiparação contida no art.º 2.º do R.I.C.I.T. sem a publicação da legislação especial, constitui norma sem eficácia imediata.

 

 

 

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(1) Se alguns princípios basilares do Direito do Trabalho são pacificamente aceites, o mesmo não se passa ao nível do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.

 

Porém, isso não impede que toda a legislação laboral publicada posteriormente aquela, que não exclua expressamente do seu âmbito o trabalho domiciliário (com subordinação económica) seja aplicável, dentro dos condicionalismos inerentes ao tipo de actividade domiciliária, (1) como é o caso paradigmático da Lei Sindical (Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril) que regulamenta o exercício da liberdade sindical por parte dos trabalhadores e da Lei da Contratação Colectiva (Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro).

 

 

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(1)   Em sentido diferente, Monteiro Fernandes no seu “Parecer sobre a situação Jurídica da bordadeira de campo”, que entende ser de aplicação apenas quando norma expressa e específica o estabeleça. Ora parece-nos razoável, aplicar aqui o princípio de direito “o que não é proibido é permitido”, ou seja, a permissão não ter de ser expressa.

Cita-se, no que interessa, o citado parecer “… Os dispositivos legais aplicáveis ao contrato de trabalho só serão extensivos àquela situação quando norma expressa e específica o estabelece”.

 

 

 Sindicalização e Contratação Colectiva

 

Por ser uma das questões mais controvertidas e por ter implicações directas na situação da bordadeira de casa, incidentalmente, expendemos aqui algumas considerações sobre a designada Lei Sindical e sobre o Regime Jurídico da Contratação Colectiva, que apenas devem ser valoradas ao nível deste trabalho (de opinião), não expressando posição dos Serviços.

 

A referida lei sindical, que se inscreve no regime da liberdade de associação, permite a todos os trabalhadores o direito de associação sindical para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais.

 

A citada disposição, vem na esteira do princípio Constitucional, dimanado do n.º 1 do art.º 57.º da Constituição então vigente: “é reconhecido aos trabalhadores a liberdade sindical, condições e garantia da Construção da sua unidade para a defesa dos seus direitos e interesses”, e também à luz dos princípios definidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamado pela Assembleia Geral da ONU (1948) que estatui: “Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses”.

Por seu lado, a Convenção n.º 87 da OIT, sobre liberdade sindical, ratificada por Portugal – aprovada para ratificação pela Lei n.º 45/77, de 7 de Julho – no seu artigo 2.º, dispõe:

            “Os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas”.

 

A legislação portuguesa, não condiciona, a nosso ver, a possibilidade de associação apenas aos trabalhadores subordinados, pois apenas insere a designação de “trabalhadores, não mencionando qualquer excepção. A citada lei, define o conceito de “trabalhador”:

            “Aquele que, mediante retribuição, presta a sua actividade a outra pessoa sob direcção desta”

 

Entendemos por isso que no respeita à bordadeira de casa, esta executa o seu trabalho condicionada a certa influência directa do industrial, uma vez que o bordado é executado de acordo com determinações próprias, variáveis consoante o seu tipo e mesmo de acordo com as exigências do industrial. O poder de direcção esbate-se um pouco na relação bordadeira – industrial, todavia não deixa de ser exercido, já que a bordadeira não tem plena autonomia técnica na execução do trabalho, mas pelo contrário subordina-se, como se disse, a todos um conjunto de regras, instruções e detalhes, através do que se efectiva a direcção do industrial.

 

O facto de se ter constatado que não existe subordinação jurídica na situação da bordadeira de casa, não contraria as considerações supra enunciadas, porque os elementos integrantes daquele são o poder de direcção e o de autoridade e deste é no exercício da autoridade que mais se acentua tal subordinação.

 

Directamente conexionado com o problema da sindicalização e dependente da solução jurídica que se der a tal questão, está o aspecto do reconhecimento do direito à contratação colectiva, que a ser admitido, terá, obviamente, de conformar-se com a especificidade da actividade e as características inerentes ao trabalho domiciliário. Porém do regime jurídico das relações colectivas de trabalho – Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, não decorre expressamente impedimento à adopção de regulamentação de trabalho convencional, pelo que também neste domínio seria legítimo a expressão da vontade consensual.

 Finalmente, afigura-se-nos que negar aos trabalhadores domiciliários, o direito à associação sindical e ao recurso à contratação colectiva, será a expressão dum rigoroso interpretativo extremo e um apelo excessivo à literalidade do texto legal, que pode não ser inequívoco na sua formulação, mas não ao ponto de obstaculizar uma interpretação lógica e actualizada, próxima do sentido do próprio direito internacional do trabalho. (1)

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(1) Não se alude a um direito internacional estruturado mas à tendência das diversas legislações e às próprias Convenções da OIT.

 

Regime Legal da Bordadeira de Casa

 

Se o trabalho domiciliário em geral, no nosso País, estava desprotegido no plano legal até á publicação do DL 440/91 ( regime jurídico do trabalho domiciliário) – o que acentuava profundamente a carência de legislação adequada – as bordadeiras de casa da Região Autónoma da Madeira, usufruiam, apesar de tudo, de situação mais protegida, pois têm um conjunto de diplomas específicos, que supre, de certa forma, o impasse legislativo.

O conjunto dos diplomas abaixo enunciados, reflecte o grau de protecção legal das bordadeiras de casa da Madeira.

 

- Portaria n.º 775/73, de 8 de Novembro :Inclui na Previdência as bordadeiras de casa, com o seguinte regime de benefícios:

 

      - Protecção na doença, mediante a concessão de assistência médica, medicamentosa, extensiva aos filhos.

      - Protecção na maternidade, mediante a concessão de assistência médica e medicamentosa, que compreende o tratamento na gravidez, no parto e no puerpério, por médico ou parteira diplomada e se necessário, internamento hospitalar.

      - Protecção na invalidez e na velhice.

     

 

    - Protecção em caso de falecimento, mediante a concessão de subsídios por morte e de pensão de sobrevivência, a ser atribuída ao cônjuge.

 

      Decreto Regional n.º 9/78/M, de 1 de Março: Isenta as bordadeiras de casa do pagamento das quotizações para o Fundo de Desemprego, tendo em conta que não usufruem do respectivo subsídio.

 

      Portaria n.º 11/80, de 14 de Fevereiro: Aprova o Regulamento relativo à actividade das bordadeiras de casa.

      Neste, entre outros aspectos, é estabelecido a tabela remuneratória – preços a pagar pelos trabalhos – bom como subsídio a atribuir no mês de Dezembro de cada ano em função da produtividade. Nesta mesma portaria é fixado o preço das linhas.

       Portaria n.º 28/81, de 9 de Abril :Actualiza a tabela remuneratória (preço dos trabalhos)

          Portaria n.º 38/82, de 15 de Abri: Actualiza novamente a tabela remuneratória, correspondendo à preocupação de revisão anual dos preços dos trabalhos.

 ( Ver quadro onde constam as portarias que posteriormente procederam à actualização do valor do pagamento dos pontos - preço por 100 pontos- até 2016).

O Decreto Legislativo Regional nº 12/93/M de 23 de Abril - regulamenta  a actividade das bordadeiras de casa, na sequência da publicação do regime jurídico do trabalho Domiciliário /DL nº 440/91), consagrando os direitos inerentes.

 Concluindo: Independentemente das grandes questões jurídicas inerentes a toda a problemática do trabalho domiciliário e com incidência reflexamente no que respeita às suas implicações na situação da bordadeira de casa – aspectos que foram referenciados ao longo do presente estudo, - em termos concretos, é patente, no âmbito da Região Autónoma da Madeira, o avanço legislativo empreendido neste domínio, além do facto de estar em funções comissão tripartida incumbida de analisar a situação do trabalho domiciliário na Região, que certamente proporá as medidas adequadas para a definição e melhoria do estatuto jurídico das bordadeiras de casa.

 

 Sindicalização

 

Quanto ao problema da sindicalização há quem considere que “a sindicalização só é possível para os trabalhadores juridicamente subordinados, como decorria da articulação do art.º 1.º e das alíneas a) e b) do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 251-B/75, de 30 de Abril”, logo excluindo as situações dos contratos equiparados.

 

Em abono da referida tese é afirmado: “É, indiscutivelmente, o elemento subordinação jurídica (em termos aliás muito próximos dos utilizados no art.º 1.º da L.C.T.) que caracteriza o referido conceito de trabalhador e, por conseguinte, de titular de direitos sindicais”.

 

Vejamos, na parte que nos interessa, os mencionados dispositivos legais:

Art.º 1.º - “O presente diploma regula o exercício da liberdade sindical por parte dos trabalhadores…”.

 

Art.º 2.º - “Para efeitos do presente diploma entende-se por:

a)  Trabalhador – aquele que, mediante retribuição, presta a sua actividade a outras pessoas sob direcção desta;

b)  Sindicato – associação permanente de trabalhadores para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais”.

 

A expressão “sob direcção desta” estará empregue, na citada definição de trabalhador, com o alcance, inequívoco, de caracterizar aquele conceito como o de trabalhador sujeito de uma relação de trabalho subordinado?

 

 Antes de procurar a resposta a esta dúvida através de critérios interpretativos do diploma em causa, julgamos de interesse atentar nas simples palavras:

Com efeito, a expressão “sob direcção desta”, não é equivalente à expressão “sob autoridade e direcção desta”, empregue no artigo 1.º da L.C.T.

Ora se, inequivocamente, se conclui que é a expressão utilizada no artigo n.º 1.º da L.C.T. que contém a ideia de subordinação jurídica, qual a razão porque o legislador da lei sindical não teria utilizado essa exacta expressão, de longa tradição e pacificamente aceite se pretendesse dar como noção de “trabalhador”, a de sujeito de contrato de trabalho caracterizado pela existência de subordinação jurídica?

Porque retirou daquele conceito a expressão “autoridade”, que como se sabe, se traduz nas ordens a que o trabalhador se obrigou a cumprir na execução do contrato?

 

Porque retirou aquela expressão, tanto mais que, o uso das palavras “autoridade” e “direcção” no citado artigo n.º 1.º, leva a entender que elas não pretendem uma mera função de ênfase mas procuram, sim, salientar características cumulativas, ou seja, diferentes perspectivas na relação de dependência pessoal do trabalhador na execução do contrato: a obrigação de cumpriras ordens e a obrigação de seguir as directrizes ditadas pela entidade patronal?

Aliás, nas situações de subordinação jurídica sem dependência técnica, a ideia de direcção não estará de tal forma esbatida que quase só resta a de cumprimento às ordens?

 

Além do mais, afigura-se-nos que a expressão “direcção” se pode traduzir, também, em simples directrizes ou directivas.

 

Ora, na situação em análise, e conforme o referido não há dúvida de que as bordadeiras da Madeira que trabalham no domicílio estão, quanto à execução do seu trabalho, obrigadas a seguir as directrizes que lhes são impostas pela indústria para quem trabalham.

 

 Por tudo isto, não julgamos poder chegar a nenhuma conclusão através da apreciação formal do preceito em causa.

 

Quanto a uma interpretação de Decreto-Lei n.º 215-B/75, à luz dos critérios histórico e finalístico, não nos parece razoável conciliar, por um lado, o relevo dado por aquela lei à liberdade de associação como, por outro lado, uma preocupação de restringir essa liberdade aos trabalhadores vinculados por uma relação de trabalho subordinado. E, nomeadamente, se se tiver em atenção que, com essa restrição, se iria limitar o campo de aplicação da anterior legislação sobre associações sindicais, que então foi revogada.

Com efeito, face ao Decreto-Lei n.º 23 050, de 23 de Setembro de 1933, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 49 058, de 14 de Junho de 1969, os trabalhadores que exerciam profissões com carácter autónomo podiam ser sindicalizados.

 

Na sequência do exposto não podemos por forma alguma concluir que o citado dispositivo do Decreto-Lei n.º 215-B/75 tenha limitado, para os efeitos daquele diploma, o conceito de “trabalhador” ao do sujeito de contrato de trabalho previsto no artigo 1.º da L.C.T.

 

No entanto, se, face à linguagem do aludido preceito subsistissem dúvidas quanto ao ponto em questão, não podemos deixar de atender àquilo que a Constituição da República Portuguesa preceitua, nomeadamente no capítulo II.

 

Art.º 51.º

n.º 1 – “todos têm o direito ao trabalho”

n.º 2 – O “dever de trabalho é inseparável do direito ao trabalho…”

n.º 3 – “todos têm direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho…”

 

 

Se bem que alguns preceitos deste mesmo capítulo se reportem ao trabalhador sujeito “do contrato de trabalho”, não nos parece de aceitar que, a nível da nossa lei fundamental, tenha havido o intuito de excluir da sua previsão nesta matéria, o sujeito da relação laboral que se consubstancia nos contratos equiparados.

 

Assim, o art.º 57.º, n.º 1 da C.R. – “É reconhecido aos trabalhadores a liberdade sindical…” traduz uma liberdade em que se não descortina nenhuma conexão necessária com o conceito de trabalhador consignado no “contrato de trabalho”.

 

Dispõe o n.º 2 do mesmo artigo:

“No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente:…”.

“Mais do que a reafirmação do princípio constitucional da igualdade (art.º 13.º, n.º 2) trata-se de não deixar dúvidas – se dúvidas pudesse haver – de que todos os trabalhadores, qualquer que seja a entidade para quem trabalham, e qualquer que seja o sector, gozam dos direitos e liberdades sindicais” (1)

Demonstrativo da importância da Constituição nesta matéria, e, nomeadamente, de que o direito à sindicalização consagrado no referido artigo 57.º implica um conceito amplo de trabalhador é o facto dos trabalhadores da função pública terem podido constituir sindicatos na data (2) em que o fizeram. Com efeito, pelo artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, que dispõe – “Lei especial regulará o exercício da liberdade sindical dos servidores do Estado…” – seria necessária a emissão do diploma ali previsto, - o que não aconteceu – para a sindicalização dos ditos trabalhadores.

 

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(1)   Constituição da Republica Portuguesa anotada por G. Canotilho e Vital Moreira.

(2)   Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública Zona Sul e Açores – Estatutos Públicos D.R. III Série, n.º 207 de 13/09/1976;

      Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública Zona Norte – Estatutos Públicos D.R. III Série, n.º 231 de 01/10/1976;

      Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública Zona Centro – Estatutos Públicos D.R. III Série, n.º 54 de 05/03/1977.

 

 

 

Ainda no sentido de que no capítulo II da C.R.P., “trabalhador” ultrapassa, pelo menos nalguns dos seus preceitos, o âmbito restrito que se tem referido, apresenta-se-nos de muito interesse o que diz Monteiro Fernandes, no seu livro “Direito de Greve – Notas e Comentários à Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, a propósito do art.º 59.º (1) da nossa lei constitucional que garante o direito à greve. Diz aquele autor reportando-se às pessoas vinculadas por “contratos equiparados” ao contrato de trabalho: “Cremos, no entanto, que deve abrir-se espaço para a inclusão do direito de greve no estatuto desses trabalhadores: o art.º 59.º C.R.P., é de eficácia imediata, a sua penetração no estatuto corresponde a esta ou àquela categoria de trabalhadores (lato sensu) não depende de regulamentação específica, daí que à equiparação reconhecida pela L.C.T. possa atribuir-se, neste ponto, alcance operatório imediato. O direito de greve comporta-se como um “princípio” susceptível de aplicação aos “contratos equiparados”, ao contrário do que se é forçado a reconhecer no tocante às directrizes básicas que informam o regime do contrato individual de trabalho”.

 

Em conformidade com o exposto, temos de concluir que, se porventura, para os efeitos do Decreto-Lei n.º 215-B/75, “trabalhador” integrava apenas o sujeito da relação jurídica de trabalho subordinado (art.º 1.º da L.C.T.) nos termos da Constituição de 1976, o trabalhador titular do contrato equiparado passou a estar abrangido pela liberdade sindical.

 

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(1) – Art.º 59.º, n.º 1 C.R.P. – É garantido o direito à greve.

 

 Culminando a posição que defendemos resta-nos registar que Portugal ratificou a Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho, sobre Liberdade Sindical (1), através da Lei n.º 45/77, de 7 de Julho.

 

Dispõe o artigo 2.º da convenção:

“ Os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem autoridade prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas”.

Dispõe o artigo 8.º:

“ n.º 2 – A legislação nacional não deverá prejudicar – nem ser aplicada de modo a prejudicar – as garantias previstas na presente convenção”.

 

Contra a eventual hipótese de se poder pensar que a Convenção n.º 87 ao empregar a palavra trabalhador a estaria reportando apenas ao sujeito de uma relação de trabalho juridicamente subordinado, fazem-se notar as seguintes afirmações retiradas do Estudo da Comissão de Peritos para a aplicação das convenções e recomendações – Liberdade sindical e negociação colectivas: (2)

 

 

 

 

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(1)   – De 1948

(2)   – Rapport III (partie 4 B) – Liberté syndicale et négociation collective- Étude d’ensemble de la    Commission d’experts pour l’application des conventions et recommandations (BIT).

 

 

 Um tal tipo de previsão verifica-se na Convenção n.º 87, mas, conforme já se referiu, apenas especialmente para as forças armadas e polícia. Recorde-se que a Convenção n.º 26, relativa à instituição de métodos de fixação de salários mínimos, ratificada por Portugal em 30/09/1959, no seu artigo n.º 1 referindo-se aos trabalhadores, cita, em particular, os trabalhadores domiciliários (a quem reconhece expressamente o direito À contratação colectiva como uma forma de fixação de salários e, portanto, implicitamente, o direito à sindicalização), o que leva a concluir que para a norma internacional é “trabalhador” aquele que face à lei portuguesa é titular dum “contrato equiparado”.

Atento que a Convenção n.º 87 foi ratificada pela Lei n.º 45/77, de 7 de Julho, e não restando dúvidas de que uma convenção internacional aprovada e ratificada nos termos constitucionais (1), após a sua publicação (2) vigora na nossa ordem interna recepção automática do Direito Internacional (3) com um valor hierárquico pelo menos igual ao das Leis e Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, pelo que, tudo o que naquele Decreto-Lei estivesse, eventualmente, em desacordo com aquela convenção, cederia face à prevalência do regime internacional.

Este mesmo regime internacional, conforme consta no artigo 8.º da Convenção, exige que a lei nacional não seja aplicado “de modo a prejudicar as garantias previstas na Convenção”.

Atendendo a tudo exposto, concluímos que as bordadeiras domiciliárias da Madeira têm direito a constituírem organizações da sua escolha e a filiarem-se nelas (o que permite, obviamente, a filiação num sindicato já constituído que, pelos seus estatutos, as possa abranger).

 

Pelo que respeita à situação de facto quanto ao enquadramento sindical, note-se o seguinte:

 

 O Sindicato Livre dos Trabalhadores da Indústria de Bordados e Tapeçarias da Madeira tem os seus estatutos publicados no Diário da República III Série, n.º 153, de 02/07/1976.

No capítulo I, relativo ao âmbito, dispõe o artigo 1.º:

n.º 1 – “O Sindicato …………. é a associação constituída pelos trabalhadores que intervêm no processo de produção de bordados e tapeçaria, excepto os representados por outro sindicato.

Único – Constituem actividade dos profissionais representados por este sindicato:

 

As operárias de fábrica, as bordadeiras de casa, empregados de escritório e os trabalhadores dos serviços técnicos.

 

A referência à bordadeira de casa não se encontrava nos Estatutos do Sindicato Nacional dos Empregados e Operários da Indústria dos Bordados da Madeira, constituído por alvará de 02/03/1937, na sua alteração de 04/04/1946, Sindicato aquele que deu origem ao actual.

 

 

 

 ______________________________________________________________________

(1)   - Art.º 138.º, b)  164.º e 200.º, c) da C.R.P.

      - Art.º 122.º, n.º 2, b) da C.R.P.

      - Art.º 8.º, n.º 2 C.R.P.

 

 

 Com efeito, no Capítulo II, Parte I, dos Sócios, dizia o art.º 13.º daqueles estatutos (1):

 

“Podem ser sócios do Sindicato os indivíduos, de ambos os sexos, portugueses ou estrangeiros, nos termos da lei, maiores de 18 anos, que estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos e que exerçam de maneira efectiva nas casas industriais de preparação e exportação de bordados as seguintes profissões:

a) Desenhadores e copiadores; b) Picotadores; c) Empregados de Escritório e Secções Anexas; d) Empregados de Campo; e) Empregados de Recepção e Expedição; f) Pessoal de Estamparia; g) Pessoal de Engomaria; h) Pessoal de Lavandaria; i) Pessoal de Costura; j) Pessoal de Recorte e Conserto; k) Pessoal de Verificação, 1) Serventes”.

 

Em nossa opinião não temos dúvidas de que a introdução da “bordadeira de casa” no mencionado artigo 1.º dos actuais Estatutos correspondeu à ampliação do âmbito do Sindicato pelo que respeita àqueles trabalhadores.

 

 

 ______________________________________________________________________

(1) – As alterações posteriores, de 10/08/1955, de 03/11/1956, de 21/01/1966 e de 09/10/1973 não alteraram em nada o âmbito profissional supra enunciado.

 

 

Baseamo-nos nas seguintes razões:

 

- A tentativa de sindicalização para aqueles trabalhadores, no Sindicato da Indústria de Bordados, já vinha desde longe, tendo, para o efeito, o Grupo de Trabalho, em 1973, para o estudo das condições de trabalho das profissionais em causa, apresentando o respectivo projecto de enquadramento corporativo:

 

- O Sindicato apresentou, como se disse, proposta da C.C.T. em 1976 relativo às bordadeiras de casa (1), - querendo, como se sabe, reportar-se às bordadeiras domiciliárias – pelo que, obviamente, as considerava sindicalizadas, não tendo, aliás, nunca aceite qualquer tipo de argumentação em contrário;

 

- Eventuais tentativas com vista a questionar a sindicalização daqueles trabalhadores que se baseassem no argumento de que a categoria “bordadeira de casa” corresponderia às categorias de bordadeira geral de 1.ª (2) e bordadeira geral de 2.ª previstas, para a Indústria de Bordados e Tapeçarias da Madeira (1), pecaria por evidente artifício pois, como é do conhecimento das entidades envolvidas na Indústria de Bordados da Madeira, essas categorias profissionais correspondem às profissionais que exercem a sua actividade nas casas industriais, ou seja, as operárias de fábrica, previstas nos actuais estatutos;

 

- Como se verifica, para além da introdução de “bordadeira de casa” os estatutos actuais, divergem dos anteriores – quanto ao aspecto que queremos focar – na medida em que definem o Sindicato como a associação constituída pelos trabalhadores que intervém no processo de produção de bordados e tapeçaria, ao passo que os anteriores estatutos definiam os sócios como os que “… exerçam de maneira efectiva, nas casas industriais… as seguintes profissões:…”

______________________________________________________________________

(1) – Publicação no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira II Série, n.º 30, de 27/09/1979, 2.º Suplemento, objecto de alteração publicado no Jornal Oficial II Série, n.º 33, de 03/12/1981.

(2) – Na 2.ª das três grandes fases daquela produção.

 

Ora, como se sabe, a actividade prestada pelas bordadeiras domiciliárias insere-se numa das fases (2) do processo de produção de bordados;

- A denominação de “bordadeira de casa” é uma das formas porque, desde há muito, têm sido conhecidas as bordadeiras domiciliárias ou bordadeiras domésticas.

 

Direito à Contratação Colectiva

 

Concluindo que as bordadeiras domiciliárias têm o direito à sindicalização há que indagar se têm também direito à contratação colectiva.

Apontam nessa conclusão:

Decreto-Lei n.º 215-B/75 :

Art.º 4.º “Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses sócio-profissionais dos trabalhadores que representam e, designadamente:

a)      Celebrar convenções colectivas de trabalho;

b)      ……………………………………………..

 

C.R.P., art.º 58.º:

Formulado, o n.º 1, em termos idênticos ao do art.º 4.º do Decreto-Lei supra indicado, diz-se no n.ºs 3 e 4 deste artigo:

            n.º 3 - “Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva”.

            n.º 4 – “A lei estabelece as regras respeitantes à competência para a celebração das Convenções Colectivas de Trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas”.

Nas anotações à C.R.P., dizem J. Canotilho e Vital Moreira “Tal direito colectivo dos trabalhadores representados pelas associações sindicais”, “tendo de considerar-se um direito fundamental dos trabalhadores para efeitos do art.º 17.º” (aplicação do regime dos direitos, liberdade e garantias) “sendo-lhe portanto aplicável o regime do art.º 18.º (1)”.

______________________________________________________________________

(1) No mesmo sentido Barros Moura, ob. Cit. E Jorge Miranda in  Constituição de 1976, ed. 1978.

           

 

Dispõe o art.º 18.º:

            n.º 2 – “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previsto na Constituição”.

 

            Atento o exposto concluímos que se encontra reconhecida às bordadeiras domiciliárias da Madeira o direito à contratação colectiva.

 

Viabilidade da Contratação Colectiva

 

            A via convencional para a regulamentação colectiva das condições de trabalho das bordadeiras domiciliárias só se afigura viável se tiver em devida e adequada ponderação o circunstancialismo inerente àquele tipo de actividade laboral.

           

            Aliás, como se referiu, o regime jurídico do contrato individual de trabalho não é aplicável aos sujeitos dos “contratos equiparados”, pelo que a exigência da sua aplicabilidade para esses casos nunca poderia ser feita com base no artigo 2.º outra – serem atribuídos aos sujeitos daqueles contratos certos direitos e deveres constantes daquela lei que se mostrem compatíveis, nomeadamente, com a natureza dum trabalhado domiciliário.

 

            Esse, o sentido da sujeição “aos princípios definidos neste diploma”, - respectivo art.º 2.º - não havendo impedimento, a nível estritamente jurídico, de que na atribuição desses direitos e deveres se atinja o respectivo conteúdo previsto naquela lei.

 

 

______________________________________________________________________

(1) Esta conclusão é, aliás, a que se harmoniza com a Convenção n.º 88 da O.I.T. ratificada pelo D.L. n.º 45.758, de 12/06/1964, em cujo artigo 4.º se propõe como objectivo “o maior desenvolvimento e utilização de processos de negociação voluntária e convenções colectivas”.

 

 

 

     Destinatários da Contratação Colectiva

 

 Em nosso entender, a viabilidade e a adequabilidade – com as reservas expostas – da via convencional para a regulamentação colectiva das condições de trabalho das profissionais em causa, deve ser consideradas atendendo ao seguinte pressuposto:

            É a posição de sujeito de contrato equiparado, ou seja, a situação de dependência económica face ao dador de trabalho, por parte das bordadeiras domiciliárias, que justifica o recurso àquela via.

Existe dependência económica – elemento caracterizador do contrato equiparado (art.º 2.º L.C.T.) – quando “o trabalho se inserir num processo produtivo globalmente dominado por outrém, que não o trabalhador, auferindo este daí a totalidade, ou a parte principal, dos seus meios de subsistência (1)”.

À falta de critério rigorista para determinar o que seja a parte principal dos seus meio de subsistência, consideramos que devem considerar-se na dependência económica do dador de trabalho, as bordadeiras domiciliárias que trabalham, por mês, pelo menos, uma média x de horas (contabilizáveis através dos pontos executados).

As bordadeiras que não estiverem na dependência económica do dador de trabalho são apenas prestadores dum trabalho de empreitada, não configurável no art.º 2.º da L.C.T. precisamente pela ausência daquele requisito. Como tal, estão fora do âmbito do direito de trabalho, pelo menos no sentido de não ser legalmente possível regulamentar a sua actividade através dos meios específicos de regulamentação das condições de trabalho previstos na nossa ordem jurídica laboral.

 

 

 

 

______________________________________________________________________

(1) A Monteiro Fernandes ob. citada

 

 

 

Para fazer face aos inconvenientes que possivelmente adviriam, dum recurso, por parte da indústria, ao trabalho das bordadeiras que, por não preencherem o requisito da dependência económica, não ficariam abrangidos por uma convenção para o sector, recurso esse que levaria a uma situação de concorrência desleal por parte das empresas, aventamos o seguinte tipo de solução:

Por via administrativa (que não P.E., nem P.R.T.) poderia ser emitida uma regulamentação colectiva para a actividade das bordadeiras, independentemente do número de horas que trabalhem, abrangendo, portanto, não só as que se configurem como trabalhadores domiciliários, ou seja, sujeitas de contrato equiparado, mas também aquelas que, por não preencherem o limite de horas determinado como índice de dependências económicas prestam, apenas, um trabalho de empreitada.

O conteúdo desta regulamentação poderia e deveria ser exactamente idêntico ao conteúdo da convenção colectiva, ressalvada a necessária proporcionalidade.

 

Outras Vias de Regulamentação Colectiva

 

À falta de convenção, (1) consideramos possível a emissão dum Decreto Regulamentar, com base no art.º 2.º da L.C.T., ao abrigo do art.º 299.º, n.º 1 b) da C.R.P. para a regulamentação da actividade do sector em causa.

Esse decreto – em conformidade com o já exposto – só se poderia aplicar aos sujeitos de “contratos equiparados”, não abrangendo as bordadeiras que não estivessem em situação de dependência económica.

Diploma que se traduziria na legislação especial prevista no citado art.º 2.º, pelo que poderia definir as condições de trabalho inspiradas nos “princípios”, podendo atingir o conteúdo dos mesmos, desde que compatíveis com a natureza do contrato domiciliário.

Afim de suprir a falha de regulamentação para as mulheres que executam bordados sem dependência económica – atentas as razões expostas, seria necessário um Decreto a emitir ao abrigo do art.º 229.º, n.º 1 a) da Constituição da República Portuguesa, com maior dignidade hierárquica que o Decreto Regulamentar, cujo conteúdo poderia ser exactamente igual ao do outro.

______________________________________________________________________

(1) A via que se sugere no texto também se justifica mesmo que num futuro imediato se venha a verificar a negociação colectiva.

 

 

A ir para uma solução deste tipo, julgamos que tanto o Decreto Regulamentar com base no art.º 2.º da B.C.T., como o Decreto com maior dignidade hierárquica, deveriam remeter a fixação dos salários para outra via mais expedita, possível de revisão anual.

Coloca-se como hipótese de trabalho de uma tal via, a seguinte:

- O Decreto Regulamentar preveria para as bordadeiras por ele abrangidas (as com dependência económica) o recurso à negociação colectiva nos termos gerais (termos estes que permitiriam, no caso de se gorar a negociação, o recurso PRT).

- O Decreto emitido ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da C.R.P. (aplicável às bordadeiras sem dependência económica) poderia determinar que o pagamento do seu trabalho seria periodicamente fixado pelo Governo, em correspondência imediata e igual à remuneração mínima obtida para as outras bordadeiras).

Eventual dificuldade de conciliação entre o disposto no D.L. n.º 519-C1/79 e a aplicabilidade do mesmo Decreto-Lei aos contratos equiparados.

 

O supra referido Decreto-Lei dispõe no artigo 5.º: “As convenções colectivas de trabalho podem regular:

a) As relações entre as partes outorgantes, nomeadamente no que toca à verificação do cumprimento da convenção e aos meios de resolução de conflitos decorrentes da sua aplicação e revisão;

b) Os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e das entidades patronais vinculados por contratos individuais de trabalho nomeadamente aqueles cuja fixação a lei remete para a regulamentação colectiva”.

 

Seria legítimo pensar que o legislador, com a formulação do citado art.º 5.º b) quis especificar que só poderiam ser objecto de regulamentação colectiva, nos termos daquele Decreto-Lei, as relações de trabalho que se configurassem na figura jurídica de “contrato individual de trabalho” conforme o previsto no art.º 1.º da L.C.T.?

 

 Contra tal hipótese de restrição que, em nossa convicção, nem seria de aventar, queremos, no entanto, deixar expresso o seguinte:

A parte que interessa ao âmbito de aplicação do Decreto-Lei em causa é o que, sob aquele título, está expresso no respectivo art.º 1.º

Consta  no n.º 1 do referido artigo que :

“O presente diploma regulamenta as relações colectivas de trabalho que se estabeleçam entre trabalhadores e entidades patronais através das respectivas associações ou entre associações sindicais e entidades patronais”.

 

A tónica primeira e principal é-nos dada pela possibilidade, dada aos sindicatos – pela parte dos trabalhadores – de poderem celebrar convenções colectivas de trabalho.

 

O n.º 2 – Exclui expressamente do âmbito do diploma os funcionários e agentes do Estado, autarquias locais e serviços municipalizados, bem como os institutos de direito público.

O n.º 3 – Refere-se às ressalvas quanto à aplicação do diploma às empresas públicas e de capitais públicos.

O n.º 4 – Refere que os trabalhadores das instituições de previdência serão objecto do diploma específico.

O n.º 5 – Refere as vias de regulamentação colectiva aplicáveis às pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública.

 

Não há, consequentemente, qualquer outra restrição ao âmbito de aplicação daquele diploma.

 

Por outro lado há que verificar que a formulação da alínea b) do art.º 5.º está, por forma evidente, em correlação com o formulado na alínea a) do mesmo artigo. Ou seja, aquele artigo apenas visa indicar as matérias que podem ser objecto de regulamentação colectiva, matérias que se concretizam nos direitos e deveres das partes outorgantes, enquanto tal, e nos direitos e deveres dos sujeitos das relações de trabalho.

 

Não pode, pois, estender-se que a expressão “contratos individuais de trabalho” a seguir empregue, tenha ali, querido afastar os “contratos equiparados”, mas apenas se pretendeu forçar a situação paradigmática. Até porque os contratos equiparados estão sujeitos aos princípios reguladores do contrato individual de trabalho, pelo que a alusão a estes comporta, implicitamente, a ideias daqueles.

Por outro lado, a considerar-se que não existia, na nossa ordem jurídica, regime especial de contratação colectiva previsto para a regulamentação da actividade decorrente dos contratos equiparados, haveria que aplicar, por analogia, a L.R.C.T.

Finalmente, afigura-se-nos que negar aos trabalhadores domiciliários, o direito à associatividade sindical e ao recurso à contratação colectiva, será a expressão dum rigorismo interpretativo extremo e um apelo excessivo à literalidade do texto legal, que pode não ser inequívoco na sua formulação, mas não ao ponto de obstaculizar uma interpretação lógica e actualista, próxima do sentido do próprio direito internacional do trabalho. (1)

 

Regime Legal da Bordadeira de Casa

 

Se o trabalho domiciliário em geral, no nosso País esteve desprotegido no plano legal, até à publicação do Decreto lei nº 440/91 ( regime jurídico do trabalho domiciliário) – o que acentuava profundamente a carência de legislação adequada, - as bordadeiras de casa da Região Autónoma da Madeira, usufruiram, apesar de tudo, de situação mais protegida, pois dispunham de um conjunto de diplomas específicos, que supria, de certa forma, o vazio  legislativo que existiu durante muitos anos.

 

O conjunto dos diplomas abaixo enunciados, reflecte o grau de protecção legal das bordadeiras de casa da Madeira. Vejamos :

 

- Portaria n.º 775/73, de 8 de Novembro : Inclui na Previdência as bordadeiras de casa, com o seguinte regime de benefícios:

- Protecção na doença, mediante a concessão de assistência, medicamentosa, extensiva aos filhos;

______________________________________________________________________

(1) Não se alude a um direito internacional estruturado mas à tendência das diversas legislações e às próprias Convenções da OIT.

 

 

- Protecção na maternidade, mediante a concessão de assistência médica e medicamentosa, que compreende o tratamento na gravidez, no parte e no puerpério, por médico ou parteira diplomada e se necessário, internamento hospitalar;

 

- Na protecção na invalidez e na velhice;

 

- Protecção em casa de falecimento, mediante a concessão de subsídio por morte e de pensão de sobrevivência, a ser atribuída ao cônjuge.

 

Decreto Regional n.º 9/78/M, de 1 de Março:Isenta as bordadeiras de casa do pagamento das quotizações para o Fundo de Desemprego, tendo em conta que não usufruem do respectivo subsídio.

 

Portaria n.º 11/80, de 14 de Fevereiro :Aprova o Regulamento relativo à actividade das bordadeiras de casa.

 

Neste, entre outros aspectos, é estabelecido a tabela remuneratória – preços a pagar pelos trabalho – bem como subsídio a atribuir no mês de Dezembro de cada ano em função da produtividade. Nesta mesma portaria é fixado o preço das linhas.

 

Portaria n.º 28/81, de 9 de Abril : Actualiza a tabela remuneratória (preço dos trabalhos)

 

Portaria n.º 38/82, de 15 de Abril :Actualiza novamente a tabela remuneratória, correspondendo à preocupação de revisão anual dos preços dos trabalhos.

 

Neste breve estudo empreendemos em incursão à realidade jus-laboral das bordadeiras externas (bordadeiras de casa) da indústria dos bordados, quer nas tentativas da definição do seu estatuto laboral, quer no enquadramento de outros direitos daí decorrentes.

 Constituindo o trabalho domiciliário uma realidade pouco estudadas pela doutrina laboral e mesmo quase ignorada pelo legislador, verificar-se-á a dificuldade de qualquer abordagem à matéria, razão pelo que nos quedámos por um mero afloramento da temática, ao nível da definição dos contornos básicos da relação jurídica e do estatuto das bordadeiras de casa.

 

 Grupo de trabalho

 

 O grupo de trabalho constituído para o levantamento da situação do trabalho domiciliário na Região Autónoma da Madeira mais concretamente da bordadeira de casa, nas primeiras reuniões ocorridas de 9 a 11/02/1982, deliberou-se que os diversos componentes do citado grupo apresentassem trabalhos (propostas) relativamente ao conjunto de questões suscitadas em ordem a ser apresentado relatório final com as propostas tidas por adequadas.

No que diz respeito à comparticipação dos representantes da Secretaria Regional do Trabalho, aqui se dá conta, em termos sumários, e a título meramente individual, das posições subscritas e das consequentes propostas, de modo a que tais sugestões possam ser enquadradas no conjunto global das demais comparticipações e apenas nesses termos as mesmas podem e devem ser interpretadas e valoradas.

 

Na abordagem que adiante encetaremos, cuidamos apenas dos aspectos questionados dispensando detalhes e incursões que cada assunto justificaria; todavia dirigimo-nos nesta fase ao grupo e este dispõe de suficientes elementos inerentes a todo este processo, o que torna dispiciendo a repetição de dados, factos, posições, análise que sejam já do domínio de todos.

 

O que adiante se dará conta, é pois, um mero contributo para o trabalho colectivo do grupo.

Para eventuais análises aprofundadas, competirá tal tarefa às partes que nisso tenham especial empenho e motivos porque da nossa parte, como representantes de órgão administrativo, impede-nos o dever de trilhar rumos de verticalidade, de isenção e rigor.

Não vamos defender teses artificiais, apenas cuidaremos dos parâmetros que a legalidade, a justiça social, e o bom senso exigem.

Por isso, eis a nossa posição, quanto a cada uma das questões enunciadas aquando da reunião preparatória do grupo de trabalho:

 

Pagamento das linhas

Constituiu esta, uma das principais questões controversas e polémicas e que singularizavam o trabalho e a relação das bordadeiras de casa, que assumia particular ênfase na situação económica destas, além de constituir um elemento absurdo e que evidenciava a necessidade da sua alteração, o que veio posteriormente a acontecer, por proposta do grupo de trabalho, então constituído - que integrámos e presidimos - proposta que teve que vencer fortes opositores, de algumas empresas, que viam nessa solução o caos. 

 

O sistema vigente era  desadaptado e manifestamente desfavorável para as trabalhadoras, pese embora o não pagamento por estas, do custo real das linhas, mas não deixava de ser algo que não era concebível e que cessou de forma normal e tranquila, a bem da dignidade, do direito e da justiça social.

 

A situação do pagamento do material (matéria prima) não constituía um facto inédito, surgindo noutras situações de trabalho domiciliário (p.e. as bordadeiras a “ouro” compram nas casas de especialidade os canutilhos, fios, lantejoulas). Este tipo de actividade absorve número significativo de profissionais, geralmente mulheres da zona periférica de Lisboa, (Caneças, Mafra, etc.). Muitas vezes acontece ser a própria casa (industrial) que encomenda os trabalhos, a fornecer modelos e a vender o “ouro” para a sua execução – simplesmente nestes casos, é a bordadeira que estabelece o preço (final) do seu trabalho e neste incorpora todos os custos, acrescido do valor do seu trabalho propriamente dito.

 

 Na situação das bordadeiras de casa, a relação que se estabelecia sendo de moldes comparáveis (ou análogos) às bordadeiras a "ouro", diferia na forma de determinação de preços, pois aquelas não determinam o valor dos pontos, estes são fixados e pagos em função de tabelas próprias.

 

A realidade da indústria do bordado da Madeira, porque assume a relevância de uma indústria, com mercados quer internos, quer externos, com a movimentação de número expressivo de profissionais, logo com especial incidência na economia da Região, por isso mesmo teve que submeter-se a regras de mercado, uma das quais, a fixação de preços de pagamento do bordado.

 Nas reuniões havidas e em todas as justificações, sempre foi dito e defendido que o pagamento das linhas explicava-se apenas por ser uma forma de controle e moralização do consumo das linhas, não significando, por isso, nessa perspectiva qualquer medida com incidência económica. A bordadeira pagava a linha, não pelo pagamento em si, mas por ser um meio de limitar (controlar) o descaminho da linha: é este o raciocínio que os industriais defendiam e que suportava a situação vigente.

 Embora não consideramos que tudo se possa resumir a tão singela esquematização – não esqueçamos os valores correspondentes aos totais anuais das linhas pagas pelas bordadeiras – contudo tendo por válido tal argumento, resta subestimar os aspectos económicos decorrentes do factor linha e encontrar apenas a alternativa em termos de controle do gasto da linha.

             Sem entrarmos em muitos detalhes e hipóteses que o tema suscitaria, quedar-nos-emos pela abordagem feita ao tempo, sobre esta  matéria :

 

Entrega da linha necessária

A forma mais simples seria a entrega pura e simples, no acto de entrega do trabalho à bordadeira (ou à agente) da quantidade de linha necessária. Esta posição  foi diversas vez aventada mas são conhecidos os argumentos contrapostos. Assim, os principais inconvenientes desta solução seriam:

 

- A impossibilidade de cálculo apriorístico da linha necessária, face à variação do tipo de ponto por bordadeira (ponto apertado ou não)

- Impossibilidade de cortar a linha necessária (negalhos)

- Variedade de cor e de tonalidades.

 

Sem contestar em absoluto tais considerações, sempre considerámos que a entrega da linha necessária de harmonia com o trabalho a executar, seria opção, pese embora as dificuldades da sua determinação exacta e rigorosa, contudo a margem de risco seria ultrapassada com a experiência dos industriais do sector.

É evidente que o bordado tem circuitos imponderáveis, e não raro, um bordado mais extenso poderá ser feito por diversas (algumas) bordadeiras em locais diferentes, o que dificulta a divisão da linha. Contudo, tais situações serão inexpressivas no percurso habitual do bordado.

Diga-se a propósito que esta solução nem é inédita, pois noutras formas de trabalho domiciliário ocorre este sistema de entrega de material (p.e. as costureiras nas mais diversas actividades, levam o trabalho para casa e toda a matéria prima, apenas incorporam o seu trabalho e nem por isso o facto tem suscitado problemas). (1)

 

Não se nega que a implementação desta alternativa suscitaria certas dificuldades – como já se disse, o mesmo sucederá em menor ou maior grau com qualquer modificação – não obstante não a rejeitamos de todo, mantendo-a como possível e ajustável à realidade, por ser, no fundo, pela sua linearidade, a mais simples.

 

O descaminho da linha não ocorreria, pois o industrial controlaria a sua entrega, limitando-se ao necessário (a margem de erro de cálculo seria mais ou menos negalhos) e nem seria necessário estruturar serviço próprio, pois os actuais mecanismos de entrega de trabalho, com ligeiras adaptações, satisfariam as novas exigências.

 

 

 

______________________________________________________________

   (1) As largas centenas de costureiras da Manutenção Militar; as costureiras externas de Alfaiatarias, Chapelarias, Modas, etc.

 

 

 O próprio IBTAM poderia controlar este processo estatuindo regulamento para a distribuição e controlo de linhas.

 

As bordadeiras deveriam entregar as eventuais sobras de linhas ou solicitariam quando por lapso, esta não fosse suficiente para a execução do trabalho.

 

Cremos que em curto prazo, seria atingida a rotina e normalidade( solução que posteriormente se  concretizou e não implicou nenhum problema prático)

 

Entrega da linha mediante registo do seu valor

 

Por razões que terão a ver com a qualidade do bordado e exigências da clientela, a linha terá, ao que alegavam alguns,  de ser sempre entregue pelo industrial. Caso não fosse considerada a proposta antes referida, a sugestão apresentada ao longo das reuniões preparatórias do grupo de trabalho, que concretizaremos, afigurava-se-nos de todo razoável e alternativa plausível.

Partindo do pressuposto de que o que importa é o controlo do gasto das linhas e a sua utilização apenas para a execução do trabalho em causa, o esquema delineado pelo grupo de trabalho salvaguardava essa preocupação e desonerava a bordadeira dum encargo significativo e que além de mais, era estigmatizante, ou seja, pagar parte da matéria prima, quando os rendimentos do trabalho era tão baixos.

Assim,nesta opção, no acto de entrega do trabalho (bordado) a linha tida por suficiente, seria contabilizada (debitada) em conta corrente específica. Ou seja, ao receber a linha, a bordadeira assumia formalmente uma dívida, correspondente àquele valor, dívida que tinha apenas o sentido do controlo da sua utilização e forma de desmotivar o seu descaminho. Uma vez feita a devolução do trabalho executado, o valor correspondente às linhas incorporadas naquele, seria contabilisticamente deduzido, apenas podendo verificar-se acerto de contas caso se verificasse diferencial entre o valor da linha debitada e o creditado, mas em qualquer caso seria inexpressivo e a margem de conflito mínima.

 Mesmo assim, na eventualidade de qualquer diferendo no cálculo dos referidos valores, competiria ao IBTAM ajuizar e decidir em conformidade.

No caso de intervenção das agentes, seriam estas as responsáveis perante o industrial pela composição de tais valores. Inclusive, no bilhete junto a cada bordado, poderia ser mencionada a linha necessária e o seu valor, de forma a facilitar o seu controlo pelos interessados e pelo IBTAM.

      Assim, em resumo, das propostas que apresentadas qualquer  delas possibilitava a obtenção de solução para esta problemática: por um lado está encontrada fórmula para manutenção do necessário controlo da utilização das linhas, legítima preocupação dos industriais e simultaneamente melhorando o rendimento efectivo das bordadeiras, que deixariam de suportar a sua quota parte no pagamento das linhas, facto desajustado nos nossos dias.

 

 

 

Férias e Subsídio de Férias

 

 

Associado a esta questão surge a duração do trabalho. Através da quantificação dos pontos é possível estabelecer e sobretudo calcular um período de ocupação mínima diária. Ou seja, através da quantidade de trabalho executado e em função dos pontos correspondentes, pode ser aferido a correspectivamente com o tempo de trabalho dispendido. E, síntese, pode ser determinado a duração do trabalho, da bordadeira, face ao trabalho executado, porque está quantificado (pontos).

 

Se está determinado que uma bordadeira média executa 250 pontos em oito horas de trabalho, a partir deste dado é possível estabelecerem-se plafonds mínimos de ocupação com a actividade e a consequente expressão quer em horas, dias ou meses.

 

Assim: 250 pontos dia (8 horas), equivale a 1.250/semana (40 horas) e 5.000 mês.

A bordadeira que executasse trabalho por mês correspondente a 5.000 pontos equivaleria à prestação do tempo completo/mês.

Dito isto, apenas a título exemplificativo (teórico) e sem preocupação de rigor (apenas consubstancia uma ideia), poderíamos verificar a eventualidade da concessão da férias e respectivo subsídio, tendo por base um quadro mínimo de produtividade que poderia assentar na ideia acima enunciada.

A efectividade de serviço, neste caso, seria aferida pela produtividade da bordadeira, na base do que poderia ser atribuído férias e subsídio. Deste modo se um trabalhador subordinado comum, vence férias apenas pela celebração do respectivo contrato e não depende sequer de assiduidade, no caso das bordadeiras, o eventual gozo desse direito seria apenas produto da sua produtividade, do seu labor.

 

 

Função e Intervenção do IBTAM

 

 Em todo o vasto e complexo circuito do Bordado e Tapeçarias, tem o IBTAM um importante papel de intervenções e atribuições que lhe estão legalmente cometidas (Conf. Respectivos Estatutos).

Permitimo-nos destacar, naquilo que importa mais directamente a este trabalho, as seguintes áreas de atribuições:

- Incentivar e disciplinar as actividades do bordado, tapeçarias e artesanato da Madeira nas suas modalidades de produção, distribuição e comercialização;

- Defesa da qualidade do bordado, tapeçaria e artesanato da Madeira;

- Controlar, em colaboração com as entidades competentes, a entrada e comercialização;

- Controlar o pagamento aos intervenientes nos diversos processos de produção, distribuição e comercialização;

- Elaboração de estudos económicos e técnicos;

- Fixação de preços mínimos e condições de venda, que os comerciantes são obrigados a respeitar.

 

No campo da intervenção coerciva, dispõe o IBTAM das seguintes prerrogativas:

- Sancionação disciplinar de infractores;

- Apreensão de produtos;

- (Repreensão registada, multas, suspensões de apoios financeiros e proibição do exercício de actividade), sanções das quais algumas serão de legalidade questionável;

- Levantamento de autos de notícia.

 

A nosso entender, dispõe o IBTAM de meios legais para implementar acção eficaz e adequada, pelo que, a solução de alguma das questões que foram postas ao grupo de trabalho e que se colocam ao sector, passam em certa medida pela intervenção deste Instituto.

 

 

Tabelas Remuneratórias

 

Quanto ao método de cálculo dos pontos, como não surgiu qualquer alternativa, ao existente - medição de pontos por curvímetro -nem tão pouco, isso em si representará qualquer desfavorecimento para as bordadeiras, vamos antes, aflorar a forma de remunerar os referidos pontos.

 

Nesta apreciação, breve e perspectivada em termos jurídicos, não cabe, por isso, pormenorizações que só uma análise económica possibilita, quanto à justeza do seu valor, no entanto, consta-se desde sempre que tal valor, não permite ganhos adequados ao tipo de trabalho, que implica destreza, saber, habilidade e arte, como prova a beleza e o requinte  dos bordados da Madeira, muitos dos quais, peças de arte, de valor comercial muito considerável. Dos estudos feitos em várias oportunidades, baseado em avaliações que tinham como referência um horário normal de trabalho, em plena dedicação à actividade, representariam ganhos inferiores aos demais salários. 

Em princípio, nesta matéria foi apresentada proposta, como sugestão, da manutenção do esquema de actualização periódica (Ano) da remuneração dos pontos, na base de percentagem correspondente aos índices de inflação e a que pudesse acrescer um complemento de modo a melhorar tais rendimentos.

 

Todavia, como se reconhece que os valores actuais (nota: ao tempo, 1986 ) pese embora expressarem uma grande e substancial melhoria, não estão, por razões alegadamente económicas do sector – cuja confirmação depende dos estudos em curso pelos economistas do grupo e pelo IBTAM – ao nível adequado.

 

Nestes termos, a introduzir-se apenas uma taxa de aumento equivalente à da inflação verificada, não se obteria a evolução ideal em termos salariais. Assim, como foi sugerido nas reuniões tidas pelo grupo, poder-se-ia acrescentar, uma taxa adicional que aplicada em determinado tempo, reporia o nível desejado de remunerações.

 Exemplificando: Se, por exemplo, anualmente fosse consignado aumento na ordem percentual da taxa de inflação, seria acrescido de outra taxa fixa (taxa de reposição) p.e. 10% a ser implementado durante x anos (5 anos).

É evidente que todo este raciocínio pressupunha a fixação administrativamente das condições de remuneração, como sempre aconteceu e ocorre no presente. No caso de se tratar de via negocial – a serem procedentes as teses conducentes a essa prática – é evidente que os mecanismos de actualização poderiam sujeitar-se a duas alternativas:

- Protocolo prévio que poderia subordinar-se ao esquema referenciado;

- Esquema de actualização de acordo com a capacidade negocial das partes.

 

Outra questão importante a sublinhar relaciona-se com o facto  de ter sido posteriormente  abolida a  forma de pagamento das linhas, aspecto que veio a  reflectir-se também em termos económicos, no que concerne à remuneração efectiva das bordadeiras.

 

Em relação ao valor global das remunerações/mês – o equivalente a salário mínimo – na base duma produtividade definida pela média de pontos, poder-se-ia, estabelecer também a adequada remuneração de pontos.

O valor a considerar, em referência aos salários mínimos nacionais estabelecidos, poderia ser o correspondente ao do serviço doméstico, (uma primeira etapa) em função do qual. Calcular-se-ia a tabela remuneratória mínima.

 

Posteriormente tendo em conta contudo, o tipo de trabalho (qualificado) executado pela maioria destas profissionais, a correspectividade deveria ser com os salários (remunerações de trabalho) de actividade equiparadas (salário mínimo nacional do sector secundário).

 

 Em toda esta questão de remuneração de pontos, não pode ser omitida a Convenção n.º 26 da OIT (adaptada na 11.ª sessão a 30/05/1928 para entrar em vigor em 16/06/1930 e ratificada por Portugal em 23/09/1950 – D.L. n.º 42.521). Esta Convenção, estatui o regime legal referente à instituição de métodos de fixação de salários mínimos, aplicável entre outros a trabalhadores em regime de trabalho domiciliário. Os Estados ratificantes, obrigam-se, por via da Convenção a estabelecer os citados métodos de fixação de salários mínimos “onde não exista um regime eficaz para a fixação de salários através de contratos colectivos ou por qualquer outro modo, e onde os salários sejam excepcionalmente baixos”.

 

A referida Convenção, no seu articulado segundo permite ao Estado Definir a sua área de aplicação: “Todo o Membro que ratifique a presente Convenção decidirá ouvindo as organizações de empregadores e de trabalhadores, quando existam tais na indústria ou partes de indústria em questão, a que indústrias ou partes de indústria, e especialmente a que indústrias ao domicílio ou partes de indústrias, se aplicarão os métodos para a fixação de salários mínimos…”

 

Em Portugal, apenas em 1974 foi estabelecido o salário mínimo nacional que corresponde a três níveis salariais (agricultura, serviço doméstico, e outros trabalhadores), em função dos respectivos sectores económicos.

 

A Convenção n.º 131 de 1970, foi aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 77/81, de 19 de Junho (fixação dos salários mínimos, designadamente no que respeita aos Países em vias de desenvolvimento) e no seu preâmbulo adiantava-se as seguintes ordens de razões:

 

“Considerando que presentemente é desejável adoptar um novo sistema… e assegurar uma protecção aos assalariados contra os salários excessivamente baixos e que, sendo de aplicação geral, tenha em conta, designadamente, as carências dos países em vias de desenvolvimento”.

 

 

 

No seu articulado primeiro, definem-se os seus objectivos, a saber: “… Membro da Organização (…) compromete-se a estabelecer um sistema de salários mínimos que proteja todos os grupos de assalariados cujas condições de emprego sejam de modo a justificar que se assegure a sua protecção.

Contudo, nos termos anteriormente previstos na convenção n.º 25, também se comete ao Estado a função de determinar “os grupos de assalariados que devem ser protegidos”, embora neste caso, deve ser dado conhecimento dessa exclusão mediante relatório a enviar à OIT, “indicando os motivos dessa exclusão, e deverá indicar nos relatórios ulteriores a situação da legislação e prática respectivas relativamente aos grupos não protegidos, precisando em que medida foi dado seguimento ou que seguimento se propõe das à Convenção relativa aos referidos grupos”.

 

O trabalho domiciliário em Portugal não possui o seu estatuto laboral definido – a prova disso é de que pese embora o RJCIT, no seu artigo 2.º cometer para legislação especial a sua regulamentação, tal não foi ainda concretizada – não obstante, este tipo de actividade (trabalho) verificar-se tradicionalmente no nosso País, como apoio a muitas indústrias e envolvendo significativo número de mão-de-obra, sobretudo feminina e tal legislação não é da iniciativa e competência da Região.

O estudo e regulamentação da actividade laboral domiciliária, pelas suas implicações, pela sua complexidade, pela multivariedade de situações, não constitui tarefa fácil, mas nem por isso pode explicar o seu adiamento. Está constituído, para o efeito, grupo de trabalho, de âmbito nacional, no qual, a R.A.M. far-se-á representar, constituindo o presente levantamento da actividade da bordadeira de casa, (principal actividade domiciliária na Região) em contributo para tal empreendimento.

Apesar de todas as dificuldades, assinale-se que na R.A.M., conscientes da problemática, já se avançou nesta matéria, com a publicação da Regulamentação da Actividade das Bordadeiras de Casa, constituindo assim como que um estatuto laboral (limitado) da referida actividade, dependendo o futuro, do acolhimento que as propostas que o grupo de trabalho constituído para o levantamento e apreciação da situação da bordadeira de casa, obtiverem.

 

                                                                                                                                                                 

 

 

 

 

( Portarias regionais  que actualizaram, posteriormente, os valores dos pontos do bordado e tapeçarias)

 

 

 

Portaria                    -                    42/78   -     JORAM        nº.         06,   I     Série  de    03/07/78

Portaria                    -                  11/80 -        JORAM         nº.         06,   I         “            14/02/80

Portaria                    -                    28/81   -     JORAM        N.º        10,   I         “           09/04/81

Portaria                    -                    38/82   -     JORAM        N.º        10,   I          “           15/04/82

Portaria                    -                    08/83   -     JORAM        N.º        32,   I          “           03/02/83

Portaria                    -                    09/84   -     JORAM        N.º        05,   I          “           23/02/84

Portaria                    -                    26/85   -     JORAM        N.º        04,   I          “           14/02/85

Portaria                    -                    08/86   -     JORAM        N.º        08,   I          “           06/02/86

Portaria                    -                  163/87   -     JORAM        N.º      106,   I          “           29/12/87

Portaria                    -                    04/87   -     JORAM        N.º        02,   I         “           15/01/87

Portaria                    -                  161/88   -     JORAM        N.º      202,   I          “           20/12/88

Resolução                 -                1742/88   -     JORAM        N.º        02,   I          “           09/01/89

Portaria                    -                  216/89   -     JORAM        N.º      218,   I          “          28/12/89

Resolução                 -                  355/90   -     JORAM        N.º        57,   I          “           10/04/90

Portaria                    -                    02/91   -     JORAM        N.º        05,   I          “           15/01/91

Portaria                    -                    11/92   -     JORAM        N.º        18,   I          “           11/02/92

Portaria                    -                     0478   -     JORAM        N.º      179,   I          “           31/12/92

Portaria                    -                    08/94   -     JORAM        N.º        19,   I          “           28/02/94

Portaria                    -                    04/95   -     JORAM        N.º        08,   I          “           11/01/95

Portaria                    -              213-B/95   -     JORAM        N.º      226,   I          “           27/12/95

Portaria                    -        105 e 106/96   -     JORAM        N.º        78,   I          “           19/07/96

Portaria                    -                    05/97   -     JORAM        N.º        07,   I          “           24/01/97

Resolução                 -                    72/97   -     JORAM        N.º        08,   I          “           27/01/97

Portaria                    -                    14/98   -     JORAM        N.º        10,   I          “           09/02/98

Portaria                    -                    02/99   -     JORAM        N.º        03,   I          “           13/01/99

Portaria                    -                  225/99   -     JORAM        N.º      140,   I          “           28/12/99

Portaria                    -                  120/00   -     JORAM        N.º      116,   I          “           28/12/00

Portaria                    -                  176/01   -     JORAM        N.º      134,   I          “           19/12/01

Portaria                    -                  213/02   -     JORAM        N.º      160,   I          “           31/12/02

Portaria                    -                    08/04   -     JORAM        N.º        07,   I          “           22/01/04

Portaria                    -                  222/05   -     JORAM        N.º      148,   I          “           30/12/04

Portaria                    -                  155/05   -     JORAM        N.º      159,   I          “           29/12/05

Portaria                    -                  149/06   -     JORAM        N.º      158,   I          “           29/12/06

Portaria                    -                  130/07   -     JORAM        N.º      122,   I          “           07/12/07

Portaria                    -          215-A/2008   -     JORAM        N.º      154,   I          “           15/12/08

Portaria                   -          168-A/2009   -     JORAM         Nº       125   II          "           15/12/09

Portaria                   -          106-A/2010   -     JORAM         Nº        119  II           "           21/12/10

Portaria                   -          166-A/2011    -     JORAM        Nº         129  II          "           15/12/11

Portaria                   -          160-B/2012    -     JORAM        Nº         168  II          "            17/12/12

Portaria                   -          121-A/2013    -     JORAM        Nº         179  II          "            23/12/13

Portaria                   -           11/2015         -     JORAM        Nº             6  I           "           13/01/15

Portaria                   -          612/2016        -     JORAM       Nº          225 I            "           22/12/16

 Nota : o aumento anual dos pontos,logo do valor pago às bordadeiras de casa, tem tido em conta os valores da inflação, com ligeiros acréscimos, o que, a par de prémio de produtividade anual, em função das médias de trabalho/rendimento, tem possibilitado alguma melhoria dos ganhos destas obreiras, mas não ainda no nível adequado ao tipo e qualidade deste trabalho.

O número de pontos está estabelecido e convencionado. A titulo de exemplo refira-se que em 1981 cada 100 pontos era pago a 22$50 ( cerca de 11 cêntimos) e  os valores de 2016  são  de 1,94 euros por cada 100 pontos.

 

 Situação Jurídica da Bordadeira de Casa

 

A análise e apreciação da situação jurídica da bordadeira de casa, é um ponto fulcral porque tem subjacente uma multiplicidade de aspectos controversos e para os quais não existem respostas peremptórias – aliás, como todas as grandes questões jurídicas – facto que reflectir-se-á neste conjunto de considerações que expenderemos, pelo que, o que se possa dizer sê-lo-á em termos de mera opinião.

Nesta matéria teremos a aflorar conceitos diversos e de incidência significativa como a análise jurídica das relações que se estabelece entre a bordadeira – agente – industrial, a definição do tipo de subordinação e as questões inerentes à contratação colectiva.

Comecemos por analisar o tipo de relação jurídica de acordo com o regime jurídico vigente no passado:

A definição legal de contrato de trabalho (art.º 1.º do RJCIT) exclui do seu âmbito a situação factual da bordadeira de casa, pois na relação que se estabelece entre esta e o industrial, não se configurará a “Actividade… sob a autoridade e direcção deste”.

Noutra perspectiva, dentro dos elementos formais que integram o conceito de contrato de trabalho, existirá subordinação económica mas não, subordinação jurídica. (1)

Não entramos em dissertações aprofundadas sobre a diversidade de questões que toda esta matéria suscita, uma vez que, todas as abordagens que têm sido feitas ao assunto, cuidam já da dilucidação de todos os conceitos.

 

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(1)   “São, pois excluídas do âmbito do Direito do Trabalho e da respectiva protecção, trabalhadores sem subordinação jurídica, mas cuja participação no processo produtivo e situação social é idêntica à dos assalariados com subordinação jurídica. E isto, quando é certo que o mesmo critério leva a fazer beneficiar da protecção do Direito do Trabalho, trabalhadores que, pelas suas funções, que desempenham, se encontram numa posição hierárquica próxima do empregador e auferem rendimentos de trabalho elevados.”

(Nota para uma introdução ao Direito do Trabalho – José Barros Moura, pág. 42).

 

 

Assim, por maioria de razão, a doutrina e a própria jurisprudência tem propendido a considerar que o trabalho domiciliário (1) exercido nos moldes das bordadeiras de casa, não se subsume à definição legal do contrato de trabalho, antes como contrato equiparado (nos termos do art.º 2.º do RJCIT).

 Não obstante, “de jure constituendo” aponta-se para a reformulação do conceito de trabalho subordinado, considerando que a subordinação económica será, por si, factor determinante da conceitualização do contrato de trabalho, atentas as alterações sociais e a necessidade da lei conformar-se com tais mutações. (2)

 A noção de contrato de trabalho terá necessariamente de corresponder à tipologia de relações de trabalho que se estabelecem hoje em dia e também, como é o caso do trabalho domiciliário, encará-lo não na perspectiva tradicional mas tendo em conta a evolução e dinâmica dos próprios conceitos.

 

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(1) Esta modalidade – trabalho no domicílio – caracteriza-se pelo facto de que o trabalhador executa a prestação no próprio domicílio ou em estabelecimento de que tenha a disponibilidade, por conta de um ou vários adquirentes do produto acabado, trabalhando sozinho ou mesmo com a ajuda de familiares ou outras pessoas a seu cargo, utilizando matérias primas e instrumentos de trabalho próprios ou fornecidos por adquirente do produto acabado.

(2) Os resultados sociais da exclusividade do critério da subordinação jurídica agravam-se pelo facto de que, devido ao isolamento que os caracteriza, os trabalhadores autónomos não podem influir colectivamente na determinação das condições de trabalho nem beneficiam das formas de organização e luta colectivas ao alcance dos trabalhadores subordinados (sindicato, greve, contratação colectiva).

Assim, o mantê-los à margem do Direito do Trabalho – embora a benefício de um maior rigor jurídico – favorece o agravamento e de gradação da sua condição económica e social.

(Ibidem, Barros de Moura, pág. 42)

 

 

 

A realidade e situação das bordadeiras de casa, em termos de direito positivo, subsume-se pois, ao que a lei consigna de contratos equiparados. (1)

O referido art.º 2.º (RJCIT) dentro do âmbito de contratos equiparados prevê dois tipos de situações:

a) Os contratos que tenham por objecto a prestação de trabalho realizado no domicílio ou em estabelecimento do trabalhador (sob dependência económica).

b) Os contratos em que este compra as matérias-primas e fornece por certo preço ao vendedor delas o produto acabado (sob dependência económica)

 

Na primeira das situações enquadram-se já todo o tipo de contratos possíveis de estabelecer no que respeita a trabalho domiciliário. Todavia o legislador quis salientar e autonomizar os casos em que é o próprio trabalhador que adquire a matéria-prima.

 

Por isso, o trabalho executado pelas bordadeiras de casa, subsume-se à definição legal de contratos equiparados, e aparentemente dentro da previsão legal dos contratos “em que este compra as matérias-primas…”, tendo em conta que aquelas pagam parte da matéria-prima (linhas). Ora se é verdade e aquisição dessa parte da matéria-prima, a bordadeira não #fornece por certo preço ao vendedor delas o produto acabado” (o que pressupõe ser esta a determinar o respectivo preço) antes, recebe mediante valores pré-fixados, o valor do seu trabalho.

Assim sendo e de acordo com a referida disposição legal, os contratos equiparados “ficam sujeitos aos princípios definidos neste diploma”, ou seja, aos princípios subjacentes à LCT, pedra angular do actual Direito do Trabalho.

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(1)   Esta situação justifica que sejam tornadas extensivas aos trabalhadores autónomos com dependência económica as normas de protecção que constituem o Direito do Trabalho. Ou seja, proceder a um alargamento de âmbito de Direito do Trabalho, de modo a inclui-los, sem com isso alterar o critério jurídico rigoroso de definição do contrato de trabalho pela subordinação jurídica. O que se verifica é uma técnica de assimilação ou de equiparação (art.º 2.º do LCT) desses trabalhadores autónomos aos subordinados.

     (Ibidem – Barros de Moura, pág. 43).

 

 A regulamentação especial referida na disposição em análise, não foi publicada, pelo que, mais se adensa as situações de dúvidas, divergências que tal estado de coisas propicia.

 

O trabalho domiciliário, mercê das suas especificidades e nos termos da própria lei, justificava  e carecia de regulamentação própria, que veio a ser consagrada e constituíu um importante avanço legislativo, suprindo uma lacuna que se imponha colmatar.

 

Retém-se pois como ponto assente: a aplicação ao trabalho domiciliário, dos princípios comuns ao trabalho subordinado em geral.

 

 

Regulamentação Colectiva da Actividade

 

 

Antes de analisarmos a questão da forma mais adequada de regulamentação da actividade da bordadeira de casa, urge apreciar como questão prévia, o aspecto da representação associativa de classe (sindicalização).

 

Seguindo o raciocínio (objectivo) proposto, tomaremos como base a Convenção n.º 87 da OIT (Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Protecção do Direito Sindical) (5). Assim o seu artigo 2.º estatui: “Os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinções de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas”.

 

Entretanto, a designada lei sindical, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 215-B/75, lei definidora das bases do ordenamento jurídico das associações sindicais, tem servindo de suporte aos que apresentam teses negatórias de sindicalização de determinado núcleo de trabalhadores – como é o caso do trabalho domiciliário – pois entendem que aquele diploma, delimita o conceito de trabalhador, quando no seu art.º 1.º consigna:

 Trabalhador: Aquele que, mediante retribuição, presta a sua actividade a outra pessoa sob direcção desta.

           Sendo assim, só seriam abrangidos pelo referido regime legal os trabalhadores subordinados (subordinação económica e jurídica), os que se encontram vinculados por contratos de trabalho (sob autoridade e direcção do empregador). A referida subordinação, engloba dois elementos: a obediência ao empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho e por outro lado, o correspondente poder de direcção e autoridade por parte deste.

 

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(5) Lei n.º 45/77, de 7 de Julho.

 

O Prof. Monteiro Fernandes, considera em parecer elaborado sob consulta do IBTAM, que a sindicalização só é possível para os trabalhadores juridicamente subordinados (na acepção do art.º 1.º do LCT) e como tal, só estes podem ter “cobertura de convenção colectiva”. Como as bordadeiras de campo não são enquadráveis na definição legal de trabalhador juridicamente subordinado, pois, “não estão sujeitas à contínua vigilância técnica e ao poder disciplinar”, não lhes seria reconhecido quer o direito à sindicalização, quer o de contratação.

Todavia, ao longo do citado parecer, omite-se a Convenção n.º 87 e esta (ratificada por lei) não cria qualquer distinção no conceito de trabalhador (sem distinção de qualquer espécie), pelo que, as conclusões do dito parecer “…estas proposições conclusivas não exprimem um juízo de conveniência ou de adequação – que, a ser formulado, decerto apontaria no sentido, internacionalmente aceite, da extensão de tais direitos aos trabalhadores domiciliários – mas, meramente, um juízo interpretativo sobre os dados normativos existentes” não terão tido em conta, como ali se diz, todo o normativo existente, concretamente a vigência no ordenamento interno português da Convenção n.º 87, aliás, ultrapassando as questões jurídicas inerentes à sindicalização e regulamentação das bordadeiras de casa, ponto fulcral não terá sido esse, ou seja, não suscitará tantos problemas o aspecto da representatividade, mas sobretudo, as características e especificidades da regulamentação da actividade.

Já um grupo de trabalho (Nov. /73) e posteriormente informava o Ministério do Trabalho (77) apontava como conclusão a possibilidade de celebração de convenção colectiva à semelhança do que já sucedera com as costureiras (externas) da indústria do vestuário, ou seja, defendendo a viabilidade legal da respectiva regulamentação por via convencional; todavia, atendendo à especificidade do sector, seria eventualmente mais adequado o recurso à via administrativa.

Assinale-se que em 8 de Novembro de 1976, o respectivo Sindicato apresentara proposta de CCT para “as bordadeiras de bordados, tapeçarias, costureiras e filteiras”, ao que a Associação dos Industriais do sector, respondeu entendendo não dever apresentar qualquer contra-proposta. Invocou para o efeito a inviabilidade prática e legal da proposta, além de suscitar a questão do enquadramento sindical daquelas.

O Sindicato contra alegou, cometendo a legalidade da sua representatividade para os respectivos Estatutos e ao direito à Contratação Colectiva consignado na lei.

 

Esta situação originou impasse, tendo posteriormente e já com intervenção do Governo Regional, sido constituído grupo de trabalho (1979) encarregado de elaborar os estudos preparatórios para a regulamentação e finalmente a Portaria n.º 11/80 do Governo Regional aprova o regulamento relativo à actividade das bordadeiras de casa, constituindo um marco significativo na melhoria das condições das referidas profissionais.

Independentemente dos problemas jurídicos suscitados em termos da viabilidade legal da contratação colectiva por via convencional, a regulamentação duma actividade que se desenvolve dentro de condicionalismos muito próprios como é o das bordadeiras de casa, com toda uma diversidade de situações tácticas, é tarefa difícil e melindrosa, pelas implicações decorrentes.

Terá de ser sempre regulamentação específica, atento o tipo de relações, a dispersão geográfica, o circuito do próprio bordado, o tempo de trabalho efectivamente ocupado, todo um conjunto de dados e situações inerentes a uma actividade domiciliária que, no caso, assume ainda outras particularidades.

A própria estrutura deste tipo de actividade, comentou-se em bases próprias, estratificou-se, o que pressupõe medidas realistas e ponderadas, facto que não colide com o desejado sentido de evolução e de efectiva melhoria das condições de trabalho e de vida das imensas obreiras que intervêm nesse processo, intervenção que poderá processar-se através dos mecanismos legais da regulamentação colectiva por via convencional, que terá forçosamente de assentar nos requisitos e especificidades assinalados.

 

 Regulamentação Colectiva da Actividade

 

 Antes de analisarmos a questão da forma mais adequada de regulamentação da actividade da bordadeira de casa, urge apreciar como questão prévia, o aspecto da representação associativa de classe (sindicalização).

Seguindo o raciocínio (objectivo) proposto, tomaremos como base a Convenção n.º 87 da OIT (Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Protecção do Direito Sindical) (5). Assim o seu artigo 2.º estatui: “Os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinções de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas”.

Entretanto, a designada lei sindical, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 215-B/75, lei definidora das bases do ordenamento jurídico das associações sindicais, tem servindo de suporte aos que apresentam teses negatórias de sindicalização de determinado núcleo de trabalhadores – como é o caso do trabalho domiciliário – pois entendem que aquele diploma, delimita o conceito de trabalhador, quando no seu art.º 1.º consigna:

Trabalhador: Aquele que, mediante retribuição, presta a sua actividade a outra pessoa sob direcção desta.

           

Sendo assim, só seriam abrangidos pelo referido regime legal os trabalhadores subordinados (subordinação económica e jurídica), os que se encontram vinculados por contratos de trabalho (sob autoridade e direcção do empregador). A referida subordinação, engloba dois elementos: a obediência ao empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho e por outro lado, o correspondente poder de direcção e autoridade por parte deste.

 

 

______________________________________________________________________

(5) Lei n.º 45/77, de 7 de Julho.

 

 O Prof. Monteiro Fernandes, considera em parecer elaborado sob consulta do IBTAM, que a sindicalização só é possível para os trabalhadores juridicamente subordinados (na acepção do art.º 1.º do LCT) e como tal, só estes podem ter “cobertura de convenção colectiva”. Como as bordadeiras de campo não são enquadráveis na definição legal de trabalhador juridicamente subordinado, pois, “não estão sujeitas à contínua vigilância técnica e ao poder disciplinar”, não lhes seria reconhecido quer o direito à sindicalização, quer o de contratação.

 

Todavia, ao longo do citado parecer, omite-se a Convenção n.º 87 e esta (ratificada por lei) não cria qualquer distinção no conceito de trabalhador (sem distinção de qualquer espécie), pelo que, as conclusões do dito parecer “…estas proposições conclusivas não exprimem um juízo de conveniência ou de adequação – que, a ser formulado, decerto apontaria no sentido, internacionalmente aceite, da extensão de tais direitos aos trabalhadores domiciliários – mas, meramente, um juízo interpretativo sobre os dados normativos existentes” não terão tido em conta, como ali se diz, todo o normativo existente, concretamente a vigência no ordenamento interno português da Convenção n.º 87, aliás, ultrapassando as questões jurídicas inerentes à sindicalização e regulamentação das bordadeiras de casa, ponto fulcral não terá sido esse, ou seja, não suscitará tantos problemas o aspecto da representatividade, mas sobretudo, as características e especificidades da regulamentação da actividade.

 

Já um grupo de trabalho (Nov. /73) e posteriormente informava o Ministério do Trabalho (77) apontava como conclusão a possibilidade de celebração de convenção colectiva à semelhança do que já sucedera com as costureiras (externas) da indústria do vestuário, ou seja, defendendo a viabilidade legal da respectiva regulamentação por via convencional; todavia, atendendo à especificidade do sector, seria eventualmente mais adequado o recurso à via administrativa.

 Assinale-se que já em 8 de Novembro de 1976, o respectivo Sindicato apresentara proposta de CCT para “as bordadeiras de bordados, tapeçarias, costureiras e filteiras”, ao que a Associação dos Industriais do sector, respondeu entendendo não dever apresentar qualquer contra-proposta. Invocou para o efeito a inviabilidade prática e legal da proposta, além de suscitar a questão do enquadramento sindical daquelas.

 

O Sindicato contra alegou, cometendo a legalidade da sua representatividade para os respectivos Estatutos e ao direito à Contratação Colectiva consignado na lei.

 

Esta situação originou impasse, tendo posteriormente e já com intervenção do Governo Regional, sido constituído grupo de trabalho (1979) encarregado de elaborar os estudos preparatórios para a regulamentação e finalmente a Portaria n.º 11/80 do Governo Regional aprova o regulamento relativo à actividade das bordadeiras de casa, constituindo um marco significativo na melhoria das condições das referidas profissionais.

 

Independentemente dos problemas jurídicos suscitados em termos da viabilidade legal da contratação colectiva por via convencional, a regulamentação duma actividade que se desenvolve dentro de condicionalismos muito próprios como é o das bordadeiras de casa, com toda uma diversidade de situações tácticas, é tarefa difícil e melindrosa, pelas implicações decorrentes.

Terá de ser sempre regulamentação específica, atento o tipo de relações, a dispersão geográfica, o circuito do próprio bordado, o tempo de trabalho efectivamente ocupado, todo um conjunto de dados e situações inerentes a uma actividade domiciliária que, no caso, assume ainda outras particularidades.

 

A própria estrutura deste tipo de actividade, comentou-se em bases próprias, estratificou-se, o que pressupõe medidas realistas e ponderadas, facto que não colide com o desejado sentido de evolução e de efectiva melhoria das condições de trabalho e de vida das imensas obreiras que intervêm nesse processo, intervenção que poderá processar-se através dos mecanismos legais da regulamentação colectiva por via convencional, que terá forçosamente de assentar nos requisitos e especificidades assinalados.

 

Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República 

 

Consta na parte conclusiva do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 3 de Julho de 1986, (1) relativamente à situação Jurídica das Bordadeiras de Casa que:

“A subordinação do trabalhador no domicílio manifesta-se assim, num momento, precedente à execução do trabalho (com a indicação, por parte do dador de trabalho, das modalidades de execução ou, melhor, das características dos produtos requeridos) e num momento sucessivo (com o controlo da correspondência do trabalho acabado com as instruções dadas), e portanto, com exclusão do controlo, por parte do empregador.

Retornando ao direito positivo Português, vimos que, perante ele, o trabalho no domicílio começou por ser directamente sujeito ao regime do trabalho subordinado, e depois, equiparado a este e sujeito aos seus “princípios”, anunciando-se uma legislação especial que nunca surgiu.

Qual o significado e alcance desta equiparação?

Defrontam-se, neste ponto, duas teses.

Para o Prof.Monteiro Fernandes, face à redacção actual do artigo 2.º do R.J.C.I.T., ele apenas aponta ao legislador, quando este publicar a legislação específica do trabalho domiciliário, o dever de a sujeitar aos “princípios” estabelecidos naquele diploma.

Aquela norma sobre os “contratos equiparados” apenas significaria que: “a sujeição de tais contratos aos “princípios” definidos no diploma vai operar-se mediante um regime jurídico -positivo a conformar com base neles – trata-se, em suma, de um projecto ou de um compromisso assumido pelo legislador para futuro” (2)

Isto é: aquele artigo 2.º “não fornece qualquer instrumento susceptível de utilização actual no tratamento jurídico das situações ali previstas (…).

 

(1)  O parecer em causa não foi objecto de publicação, por não ter sido homologado pela entidade solicitante.

(2)“Notas sobre os contratos “equiparados” ao contrato de trabalho (Artigo 2.º da L.C.T.)”, em “Estudos Sociais e Corporativos”, ano IX, n.º 34, Junho, 1970, págs. 11 e seguintes, em particular págs. 34 e 35.

 

“Assim, e dado que os n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º da Lei n.º 1952, se acham indubitavelmente revogados, não manifestando a L.C.T. a vocação de se aplicar, por via directa, aos contratos ditos “equiparados” ao de trabalho, não resta se não reconhecer que estes se encontram sujeitos às normas reguladoras do contrato de prestação de serviço, e muito particularmente às que respeitam à empreitada – figura com que normalmente se identificarão aquelas situações, no quadro actual do nosso ordenamento jurídico” (1)

 

Esta tese viria a ser retomada pelo autor, que nas suas “Noções Fundamentais de Direito do Trabalho” (2) tem escrito:

“Com efeito, e embora sujeitando-se aos “princípios definidos neste diploma”, o artigo 2.º logo precisa que lhes caberá “regulamentação em legislação especial” (ainda inexistente) – o que, em suma, se traduz na ausência de qualquer regime jurídico aplicável. Tudo quanto, de útil, se pode extrair deste artigo é um mero projecto do legislador, no sentido de vir a regulamentar os contratos ditos “equiparados” em moldes semelhantes (segundo os mesmos princípios) aos do regime do contrato de trabalho”.

 

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(1) No mesmo sentido decidiu a Relação do Porto, no seu acórdão de 23 de Julho de 1979, sumariado no “Boletim do Ministério da Justiça”, n.º 290, pág. 466, segundo o qual:

“Na falta de regulamentação prevista n.º artigo 2.º da Lei do Contrato de Trabalho os contratos equiparados encontram-se sujeitos ás normas reguladoras do contrato de prestação de serviço e, muito particularmente, as que respeitam à empreitada, figura com que normalmente se identificarão aquelas situações, no quadro actual do nosso ordenamento jurídico”.

(2) 1.º Volume, 5.ª edição, Coimbra, 1983, págs. 63 e 64. Mas o mesmo autor, na sua obra “Direito da Greve” (Coimbra, 1982, pág. 21), após afirmar que “a titularidade do direito à greve é privativa dos trabalhadores juridicamente subordinados”, sustenta que esta categoria deve tomar-se em sentido lato, abrangendo as pessoas vinculadas por “contratos equiparados” ao contrato de trabalho. Admite, assim, um “alcance operatório imediato” à “equiparação” reconhecida pela L.C.T.

 

Esta tese, porém, não é acompanhada pela restante doutrina. Bernardo Xavier (1), após expor a tese de Monteiro Fernandes, afirma:

“Não se concorda com este entendimento. Os princípios da L.C.T. aplicam-se desde já (como inculca a forma presente do preceito – “ficam”) aos contratos equiparados. Na verdade, crê-se que o intuito do legislador foi, por um lado, retirar da disciplina da empreitada certas formas de trabalho em que existe subordinação económica, pois o regime do Código Civil é inapropriado (v., por exemplo, art.º 1210.º, n.º 1 que pressupõe uma situação de facto totalmente oposta à prevista no artigo 2.º da L.C.T.).

Aliás, a aplicar-se o regime civilístico da empreitada constatar-se-ia um retrocesso da presente legislação, pois a Lei n.º 1952 aplicava-se plenamente às formas de trabalho em que existia subordinação económica. Por outro lado, como já se disse, o legislador entendeu que não poderia “equiparar” completamente este tipo de contratos, mas apenas os “princípios”.

“Supomos, portanto, que não se aplica o regime da empreitada a estes contratos, havendo uma lacuna a integrar nos termos gerais (artigo 10.º do Código Civil): nesta sede, os “princípios da L.C.T. terão capital importância para definir o ordenamento dos contratos equiparados”.

Também José de Barros Moura (2) repudia a leitura puramente programática do artigo 2.º, considerando mais correcta a interpretação de Bernardo Xavier e acrescentando:

“É de assinalar que a lacuna existe desde o momento, em que o Decreto-Lei n.º 47.032 revogou os n.ºs 1.º e 2.º do artigo 1.º da Lei n.º 1952 – que, subtraindo-o à lei civil, submetiam directamente o trabalho autónomo com dependência económica a todas as normas do regime do contrato de trabalho - sem estabelecer, em sua substituição, um novo regime directamente aplicável. A reposição em vigor das normas da lei civil sobre a empreitada – relativamente ao trabalho autónomo com dependência económica e em consequência da revogação, neste particular, da Lei n.º 1952 – parece completamente fora de questão, por corresponder a um efeito repristinatório que a lei não consente (v. artigo 7.º, n.º 4 do Código Civil).

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(1) “Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Anotado”, 2.ª edição, Atlântida Editora, Coimbra, 1972, págs. 38 e 39.

 

 Isto, sem mesmo ter em conta o retrocesso social que de tal efeito decorreria. “A própria L.C.T. de 1969 não pretendia um tal retrocesso. E muito menos ele é de admitir se essa lei for interpretada em conformidade com a Constituição (v. artigos 13.º e 52.º, c)).

“O artigo 2.º da L.C.T. reconhece a identidade de substancial entre o trabalho autónomo com dependência económica e o trabalho subordinado, sem no entanto pôr em causa a exclusividade do contrato de trabalho como critério jurídico rigoroso de delimitação do Âmbito do Direito do Trabalho”

“Mas tal como a experiência da aplicação da Lei n.º 1952 demonstrou, não basta proclamar formalmente a equiparação para assegurar a aplicação efectiva aos trabalhadores no domicílio e a outros trabalhadores autónomos com dependência económica das normas que regem o trabalho subordinado. Daí a necessidade de uma legislação própria com a finalidade de dar efectividade prática à equiparação”. (…)

“Enquanto essa lei não for elaborada, a lacuna existente deve ser integrada com base nos “princípios” da L.C.T. Isto significa que o intérprete está vinculado a recorrer à analogia com as normas da lei do trabalho se nestas existir caso análogo (v. art. 10.º n.ºs 1 e 2, do Código Civil). Na falta de caso análogo – em resultado da especificidade de alguns aspectos do trabalho autónomo com dependência económica – está o intérprete vinculado a criar normas dentro do espírito do sistema da lei do trabalho (v. art. 10.º, n.º 3, do Código Civil). O artigo 2.º da L.C.T., em suma, impõe a analogia com a lei do trabalho e veda a analogia com a lei civil (contrato de empreitada)”.

 

 

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(2) Ob. Cit. Págs. 46 e segs. No mesmo sentido da aplicação imediata (e não meramente futura) dos “princípios” do regime do contrato de trabalho, cfr. Luís Brito Correia, ob. Cit., pág. 104; Abílio Neto, “Contrato de Trabalho – Notas Práticas”, 6.ª Edição, 1978, pág. 33; Fernanda Agria e Maria Luísa Pinto, “Contrato Individual de Trabalho”, Coimbra, 1972, pág. 27; José Manuel e António Rodolfo Simões Correia, “Novo Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Lisboa, 1970, pág. 23.

 

Adere-se, sem hesitação, a esta segunda tese. Ela é a única que dá algum sentido útil à norma em causa e evita um retrocesso legislativo socialmente injustificável, e ao arrepio, como vimos, dos sistemas jurídicos estrangeiros mais próximo do nosso. Aliás, não foi em vão que o legislador, nos artigos 5.º, 6.º e 7.º do diploma preambular – essas sim , normas claramente não preceptivas – usou o tempo futuro (“O regime do contrato individual do trabalho poderá ser tornado extensivo (…) aos contratos de serviço doméstico e de trabalho rural”, “A aplicação aos contratos de trabalho portuário do regime jurídico anexo deverá sofrer a adaptação (…)”, “ O Ministério das Corporações e Previdência Social poderá determinar, em relação aos contratos de trabalho celebrados entre instituições de previdência ou organismos corporativos e os respectivos empregados (…) a aplicação do regime jurídico anexo, com as alterações julgadas necessárias”), e no artigo 2.º do R.J.C.I.T. usou o tempo presente (“Ficam sujeitos aos princípios…”), isto é, ficam desde já sujeitos aos princípios.

Manifestações directas dessa equiparação podem ver-se na aplicação imediata aos trabalhadores “equiparados” do regime dos acidentes de trabalho e doenças profissionais (base II da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, artigo 3.º do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, e artigo 5.º do Regulamento da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, aprovado pela Portaria n.º 642/83, de 1 de Junho) e na atribuição aos tribunais do trabalho da competência para conhecerem “das questões emergentes de trabalho autónomo, quando este não prestado por empresários ou profissionais livres nessas qualidades” (artigo 66.º, alínea f), da Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro).

Procurando sintetizar o que até agora se disse, poderemos estabelecer, como primeira conclusão, que o trabalho domiciliário, consoante as condições em que é executado e a situação em que o trabalhador domiciliário se encontra face ao (s) dador (es) de trabalho, pode integrar:

- Um contrato de trabalho em sentido escrito, se puder afirmar a existência de subordinação jurídica, entendida esta nos termos progressivamente diluída que se assinalaram;

- Um contrato equiparado a contrato de trabalho (ao qual se aplicam desde já os princípios do regime deste último e a cuja luz se integrarão as lacunas de regulamentação), se não se puder afirmar a subordinação jurídica, mas existir dependência económica;

 

- Um contrato basicamente sujeito ao regime do contrato civil de empreitada, se não se puder afirmar a existência nem de subordinação jurídica nem de dependência económica.

Assinala-se a propósito, quanto à noção de dependência económica, que se deve considerar ultrapassada a formulação de Cuche, segundo a qual: “há dependência económica quando aquele que fornece o trabalho retira dele o seu único ou, pelo menos, principal meio de subsistência e quando, por outro lado, aquele que paga o trabalho utiliza inteira e regularmente a actividade de quem o fornece” (1)

Hoje em dia, como refere José Barros Moura (2) o que caracteriza a dependência económica não é, necessariamente, a dependência exclusiva ou predominante do salário para a subsistência do trabalhador. Muito menos a existência, ou não, de dependência económica está ligada ao menor, ou maior montante do salário que o trabalhador recebe.

Dependência económica significativa, mas fundamentalmente, devido à inserção num processo produtivo dominado por outrem.

É teoricamente possível que bordadeiras de casa da Madeira se encontrem em qualquer uma das três situações enunciadas. A resposta definitiva a dar a cada caso depende da análise da concreta situação de facto.

No entanto, os elementos disponíveis permitem afirmar que, na sua generalidade, as situações são qualificáveis como trabalho subordinado em sentido estrito, ou, no mínimo, como trabalho a ele equiparado.

As bordadeiras estão sujeitas à execução de uma actividade – intermédia no processo de produção em causa – que têm de executar segundo as directivas e instruções que lhes são transmitidas pelo industrial ou por um seu representante (a agente). O trabalho a executar é acompanhado de um bilhete onde se especificam as características do desenho e o prazo para a sua execução. A remuneração do trabalho é feita pelo número de pontos executados, isto é, é directamente proporcional à quantidade do trabalho produzido, e não tendo em conta apenas o resultado final.

 

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(1) Cuche, “Le rapport de dépendence constitutif du contrat de travail”, Revue critique de législation et jurisprudence » (1913), pág. 342.

(2) Ob. Cit., pág. 38.

 

 

O elemento eventualmente perturbador que resultava do sistema de serem as bordadeiras a pagar as linhas (embora por preço inferior ao custo) irá desaparecer em 1 de Janeiro de 1987, já que o n.º 2 da Portaria n.º 8/86 (1) suprimiu, a partir dessa data, tais preços, o que demonstra bem que o mesmo não constituía um elemento essencial (mas simplesmente conjuntural) da relação jurídica em causa.

Mas mesmo que se repudie a moderna concepção de subordinação jurídica que, como vimos, permite inserir no seu âmbito muitos casos de trabalho domiciliário, sempre se verificará, na esmagadora maioria dos casos, a subordinação económica.

Ora, esta basta, como a seguir se demonstrará para afirmar o direito das bordadeiras de casa à sindicalização e, por via desta, à contratação colectiva.

Não se ignora que, entre os elementos remetidos, consta um parecer de Monteiro Fernandes (2), no qual apegando-se ao conceito tradicional de trabalho domiciliário (3), exclui do seu âmbito as bordadeiras de casa, e, sustentando que a sindicalização só é possível para os trabalhadores juridicamente subordinados, não reconhece essa possibilidade àquelas trabalhadoras, o que acarreta a inviabilização da contratação colectiva.

Dispõe, com efeito, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril:

“Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

a) Trabalhador – aquele que, mediante retribuição presta a sua actividade a outra pessoa sob direcção desta;

b) Sindicato – associação permanente de trabalhadores para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais;

 

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(1) Publicada no “Jornal Oficial”, I Série, n.º 4, de 6 de Fevereiro, O n.º 1 actualizou os preços a pagar aos trabalhadores das bordadeiras de casa.

(2) Reproduzido, em parte, sob o título “A situação jurídica do trabalho domiciliário”, na já citada obra “Temas Laborais”, págs. 51-58.

(3) E não tendo em conta a evolução desse conceito analisada na obra citada na nota anterior, págs. 34-37.

 

 É, porém, de extremo conceitualismo pretender restringir o direito de sindicalização aos trabalhadores juridicamente subordinados pelo facto de a alínea a) deste preceito usar a expressão “sob direcção”. Desde logo, há que notar, comparando-a com a definição do artigo 1.º do R.J.C.I.T., que foi omitida a referência à sujeição à “autoridade” da entidade patronal, o que pode querer significar um abrandamento da concepção clássica da subordinação jurídica.

Mas sobretudo há que atender na legislação subsequente, nomeadamente a Constituição de 1976 e a Convenção n.º 87 da O.I.T., aprovada pela Lei n.º 45/77, de 7 de Julho.

A Constituição garante a liberdade de constituição de associações sindicais “aos trabalhadores, sem qualquer discriminação” (artigo 56.º, n.º 2, alínea a)).

O que são “trabalhadores” para a Constituição?

Para J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (1) são os que “ocupam determinada posição no processo produtivo, a saber, o lugar de trabalhador por conta de outrem (sendo este indubitavelmente o conceito de trabalhador da Constituição, aliás, coincidente com o que é utilizado no direito do trabalho)”.

Jorge Miranda (2), após indicar as divergências surgidas na Assembleia Constituinte sobre o conceito de trabalhador, e de repudiar as concepções que o reduzem à “Classe operária” ou a “operários e camponeses”, e bem assim as que o alargam indiscriminadamente a “todos aqueles que trabalham”, conclui que:

            “Trabalhadores só podem ser os trabalhadores subordinados – englobando quer os que trabalham por conta de empresários privados quer os trabalhadores dos sectores colectivo, cooperativo e comunitário – e, por extensão, também, os trabalhadores independentes”.

 

 

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(1) Ob. Cit., págs 120-121.

(2) “A Constituição de 1976”, Lisboa, 1978, págs 520 a 522.

 

 Embora com formulação algo diferente, cremos ser substancialmente idêntica a posição de João Caupers (1), quando conclui que “o conceito constitucional de trabalhador, enquanto titular de direitos, corresponde à noção de trabalhador subordinado”. É que este autor, páginas antes (pags. 75/76), identificaria “trabalhador subordinado” a “trabalhador por conta de outrem”, e o que no fundo rejeita é que se incluam no conceito constitucional de trabalhador “trabalhadores autónomos” que actuam como se fossem os seus próprios patrões (pág. 79). Não se afigura, pois, que este autor afaste do conceito constitucional de trabalhador os trabalhadores domiciliários “por conta de outrem”, isto é, economicamente dependentes e substancialmente equiparáveis e equiparados aos trabalhadores subordinados em sentido estrito.

Há, pois, que concluir que, mesmo que a Lei Sindical (Decreto-Lei n.º 215-B/75) tivesse restringido a estes últimos o direito à sindicalização, a Constituição alargou-o a outras categorias de trabalhadores, designadamente aos trabalhadores domiciliários equiparados a subordinados.

À mesma conclusão se chega através do artigo 2.º da Convenção n.º 87 da O.I.T., segundo o entendimento que tem sido dado a essa norma, do seguinte teor:

“Os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas”.

Lê-se, a propósito, no estudo de conjunto da “Comissão de peritos para a aplicação das convenções e recomendações” (2) que a comissão se preocupou com o direito de organização sindical do pessoal doméstico, dos trabalhadores no domicílio e em estabelecimentos familiares, dos trabalhadores das instituições caritativas, dos marítimos, do pessoal dirigente e dos quadros, etc. (3), acrescentando (n.º 92):

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(1) “Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição”, Coimbra, 1985, pág. 80.

(2) Relatório apresentado à 69.ª Sessão (1983) da O.I.T. e publicado sob o título “Liberte Syndicale et Négociation Collective”, B.I.T., Genéve, 1983, n.ºs 90 e 91.

 

 

(3) A Comissão questionou diversos países por negarem o direito sindical a diferentes categorias de trabalhadores: dirigentes e “quadros” (Bangladesh); trabalhadores no domicílio, pessoal doméstico e pessoas prestando serviços descontínuos (Bolívia); marítimos (Grécia e Madagáscar); trabalhadores em estabelecimentos familiares e trabalhadores independentes dos sectores urbano e rural (Nicarágua); trab. de instituições de beneficência, hospitais e similares (Peru).

“Du fait qu’ils ne sont pás exclus spécifiquement de la convention n.º 87, toutes ces catégories des garanties de la convention et, en particulier, du droit de constituer des organisations et de s’y affllier“

Conclui-se, pois, que os trabalhadores no domicílio, mesmo que não estejam juridicamente subordinados, podem constituir ou filiar-se em associações sindicais (17).

Com esta resposta dá-se simultaneamente solução à última questão posta.

Na verdade, a tese da impossibilidade de recurso à contratação colectiva radicava no pressuposto da inadmissibilidade de sindicalização das bordadeiras de casa, já que o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 519-C/79, de 29 de Dezembro – à semelhança, aliás, do que estipulava o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, e na esteira do disposto no artigo 57.º, n.º 3, da constituição – atribui em exclusivo às associações sindicais o poder de celebrar convenções colectivas de trabalho por parte dos trabalhadores (18).

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(17) Que, em Portugal, o reconhecimento legal de associações sindicais ultrapassa o sector dos trabalhadores subordinados demonstra-o as referências legislativas às organizações sindicais dos magistrados (artigos 18.º, n.º 1, e 82.º, n.º 4, da Lei n.º 39/78, de 5 de Julho, e 10.º, n.º 4, e 141.º, n.º 1 da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho). Sobre o sindicalismo em geral, ver J. M. Verdier, “Syndicats”, 5.º vol. do “Traité du Droit du Travail”, de G.H. Camerlynck, Dalloz, Paris, 1966.

(18) Cfr., sobre a matéria, Emílio Ricon Peres, “Relações Colectivas de Trabalho”, Lisboa, 1979; João Caupers e Pedro Magalhães, “Relações Colectivas de Trabalho”, Porto, 1978; Carlos Alberto Amorim, “Da Convenção Colectiva de Trabalho”, Coimbra, 1978; Monteiro Fernandes, “Noções Fundamentais de Direito do Trabalho”, 2.º Vol., 2.ª edição, Coimbra, 1983, págs. 103 e segs.; e José Barros Moura, “A Convenção Colectiva entre as fontes de direito do trabalho: contributo para a teoria da convenção colectiva de trabalho no direito português”, Coimbra, 1984.

 

 

 

Aliás, tem sido tradicional entre nós a regulamentação colectiva do trabalho domiciliário. Assim, por exemplo, por Despachos Normativos de 19 de Setembro de 1966 e 16 de Maio de 1967 (Boletim do INTP, n.º 19/66, pág. 1049; e n.º 9/67, pág. 374 foram fixados os salários mínimos para as bordadeiras e costureiras da indústria de bordados da Madeira e dos Açores.

 

Em algumas convenções colectivas de trabalho foi mesmo regulado o trabalho no domicílio. É o caso do “Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Federação Nacional da Indústria do Vestuário e Calçado e o Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Lisboa, Lanifícios e Vestuário do Sul e outros” (“Boletim do Ministério do Trabalho”, n.º 28/75, pág. 1252), que dedica as cláusulas 183.º a 192.º ao “trabalho externo”, como tal considerado “o efectuado fora do local de trabalho da entidade patronal ou no domicílio do trabalhador, com matéria-prima fornecida pela entidade patronal ou pelo próprio trabalhador” (cláusula 183.ª) (19)

 

A sindicalização e o recurso à contratação colectiva surgem como direitos que a natureza específica do trabalho domiciliário não rejeita, antes justifica (20).

 

 

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(19) A PRT para a indústria de fabrico de calçado publicada no “Boletim do Trabalho e Emprego”, I Série, n.º 45, pág. 2771, também contemplou o trabalho domiciliário, embora proibindo a constituição de novas relações desse tipo para o futuro (base XVII). O mesmo já havia feito a cláusula 32.ª do CCT vertical publicado no “Boletim do Ministério do Trabalho”, n.º 23/76, pág. 2490.

(20) Vd. Maria da Conceição Tavares da Silva. “Trabalho no Domicílio”, em “Estudos Sociais e Corporativos”, ano I, n.º 4, Outubro 1962, pág. 13; e Manuela Aguiar, “A Regulamentação do Trabalho Domiciliário”, na mesma revista, II Série, n.º 35, Março, 1973, pág. 59.

 

 Em face do exposto, conclui-se:

 

1.º Os trabalhadores no domicílio em geral, e em especial as bordadeiras de casa da Madeira, podem encontrar-se vinculadas ao (s) respectivo (s) dador (es) do trabalho através de:

 

a) Um contrato de trabalho subordinado em sentido estrito, quando possa afirmar-se a existência de subordinação jurídica;

b) Um contrato equiparado a contrato de trabalho, quando, não existindo subordinação jurídica, se verifique dependência económica;

c) Um contrato civil de prestação de serviços, próximo do contrato de empreitada, quando não exista nem subordinação jurídica nem dependência económica;

 

2.º A subordinação jurídica no trabalho domiciliário, atenta a própria natureza deste, não exige uma fiscalização contínua e directa do dador de trabalho sobre o trabalhador, bastando à sua verificação que aquele tenha o poder de dar a este, directamente ou por interposta pessoa; ordens, directivas e instruções sobre o trabalho a executar, e de controlar a correspondência do trabalho acabado com as instruções dadas;

 

3.º Por seu turno, a dependência económica não consiste necessariamente no carácter exclusivo ou predominante do salário para a subsistência do trabalhador, mas na sua perda de independência como produtor, isto é, na sua inserção num processo produtivo dominado por outrem;

 

4.º Quando se verifiquem as situações referidas nas alíneas a) e b) da conclusão 1.ª as bordadeiras de casa têm o direito de constituírem ou de se filiarem em sindicatos e de, através deles, exercitarem o direito de contratação colectiva.

 

Número de Bordadeiras de Casa/ número de empresa

Ao longo do tempo o número de bordadeiras de casa foi se alterando, face à redução das empresas dadoras de trabalho, pois que o Bordado madeira, depois de períodos de grande expansão, sofreu várias crises, face à concorrência e aos desafios do mercado, ao que a indústria nem sempre soube adaptar-se.

Dos estudos existentes aponta-se que em 1924 existiriam cerca de 60 mil bordadeiras, pois sendo a Madeira uma Região pobre, esta actividade permitia algum ganho adicional em complemento da vida doméstica, mesmo que de pouca expressão. Em 1975 constavam cerca de 20 mil bordadeiras, pese embora muitas estarem inscritas para usufruirem de beneficios da segurança social. Os dados mais recentes apontam os seguintes números de bordadeiras , que exercem a actividade com produção anual registada:

2004 -  6036  bordadeiras

2005 - 5.205      "

2006 - 4.492      "

2007 - 4.319      "

2008 - 3.784      "

2009 - 3.194      "

2010 - 2.605      "

2011 -  2.261      "

2012 - 1.964      " 

2013 -  1.749      "  

Nota : o número anual se reportado a bordadeiras inscritas na segurança social tem valores mais elevados ( p.e em  2013 era de 3.376).

Quanto ao número de empresas, estas têm diminuído ao longo do tempo, conforme se pode constatar pelos seguintes indicadores :

1980 :  80 empresas de bordados

1995 :  64              "

2000 :  50               "

2003 : -37               "

2007 : 29               "

2009 : 24               "

2011 :  21               "

2016 : 15               "

                                                                                                            Nota : dados IVBAM

CONCLUSÃO

 

 

Fica aqui feita uma breve inventariação de alguns dados dispersos, estudos e apontamentos sobre a situação jurídica das bordadeiras de casa da Indústria de bordados da Madeira, representando de algum modo, um repositório de elementos, que embora elaborados, em momentos diferenciados no tempo, serão contributos para a avaliação da situação jurídica das bordadeiras de casa e da própria evolução desta temática.

 Este trabalho pretende evidenciar este percurso, feito de vários contributos, na concretização da definição do estatuto laboral das bordadeiras de casa, na dignificação destas e na valorização da actividade e do bordado, registando os avanços e as medidas adoptadas nesses objectivos, algumas com sentido de inovação e precursoras no que viria a ser o quadro legal do trabalho domiciliário no País.

 Este nosso contributo, neste esboço, neste repositório, complementa de certo modo, o empenho e o trabalho que pessoalmente dedicámos a esta temática, nos vários momentos deste processo, ao longo dos anos, nas funções exercidas, enquanto responsável e jurista e interessado nas questões laborais e que por isso acompanhou de perto todo este processo, associando-se  aos que de forma inovadora e com sentido de justiça social, se empenharam, no que ia sendo possível,  na dignificação desta actividade e deste trabalho.

 A situação jurídica das bordadeiras de casa, entretanto normalizou-se, face ao enquadramento específico decorrente da legislação nacional e regional  que foi sendo  publicada,bem com ao regime especifico da segurança social, sendo que  a legislação mais actual - nomeadamente o Código do Trabalho, quer na versão de 2003 quer na de 2009 - mantém regime próprio para os contratos equiparados, nos quais continua a incluir-se o regime das bordadeiras de casa da Madeira.

Contudo refira-se que para além das questões no plano jurídico -  que amplamente abordámos - torna-se necessário prosseguir na adopção de medidas de apoio e de dignificação do bordado da Madeira e particularmente da remuneração das suas bordadeiras, criando condições para o aumento mais significativo do pagamento dos pontos ( eventualmente com a sua reformulação) de modo a que este trabalho seja mais justamente remunerado e assim se incentive novas bordadeiras para a actividade, partindo do princípio inegável, que o Bordado da Madeira é  expressão de pura e genuína arte e como tal deve ser considerado, reconhecido e valorizado, com realce para o  importante contributo das suas obreiras.

 

* Rui Gonçalves da Silva