* DURAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO: Direito à desconexão e disponibilidade permanente

Duração do tempo de  trabalho:  O direito à desconexão e a definição do regime da disponibilidade permanente - enquadramento legal


introdução

As relações laborais acompanham o desenvolvimento da sociedade e das inovações tecnológicas e assim sendo, no que se refere à disponibilidade do trabalhador, cada vez mais, os compromissos e exigências do trabalho, ampliam-se, tornando a duração do tempo de trabalho mais prolongada, de forma mais subtil, por força dos meios disponíveis (teletrabalho, internet, sms, e-mail´s), o que possibilita situações de pleno contacto entre a empresa e o trabalhador e um conceito novo de disponibilidade, em limites e contextos, que suscitam dúvidas de legalidade.

A duração do tempo de trabalho assume particular importância, pois é um dos elementos essenciais da relação de trabalho, definindo e estabelecendo o limite temporal da subordinação jurídica do trabalhador, decorrente do contrato de trabalho outorgado com o empregador (expressa o número de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar), definindo o “quantum” temporal dessa obrigação.

Na análise histórica do direito do trabalho e das reivindicações dos trabalhadores, a delimitação da duração do trabalho, sempre constituí um dos alicerces e das matérias mais estruturantes, pelo que  a duração do tempo de trabalho começou a ser regulamentada em Portugal pela Lei de 23 de março de 1891, fixando o período de trabalho para os manipuladores de tabaco em 8 horas diárias e 48 semanais, sendo que a Convenção nº 1 da OIT (1919), duração do trabalho na indústria,  consagrou este direito laboral (8 horas dia e 48 semanal)  (ratificada por Portugal em 1928), o que denota a relevância desta temática.

As novas relações laborais, as novas modalidades de contratação  e formas de prestação do trabalho (plataformas, call center´s, on-call, teletrabalho) que implicam processos de trabalho, com recurso às novas tecnologias da comunicação e informação, e as situações que implicam disponibilidade do trabalhador, de forma mais ampla e abrangente, devem subordinar-se ao direito do trabalho vigente, inexistindo regimes específicos,  e aos limites e condicionantes que salvaguardam a dignidade do trabalho e das condições da  sua prestação. 


I. Princípios legais da duração do trabalho


Por isso, vejamos o essencial do  enquadramento legal, no atual Código do Trabalho, que evidencia as preocupações restritivas e limitadoras, para impedir abusos e transgressões dos direitos fundamentais, sobretudo face às inovações e tendências atuais com que se confronta a relação laboral, particularmente no domínio da duração do trabalho e das conceções muito flexíveis das obrigações de disponibilidade do trabalhador decorrentes das novas tecnologias (conexão permanente).

A avaliação do regime da duração e da organização do tempo de trabalho, (artºs. 197 e sgs. do CT) determina ter presente, entre outros, a aspetos inerentes a: tempo de trabalho (artº 197º),período normal de trabalho (artº 198º),período de descanso (artº 199º), horário de trabalho (artº 200º), limites máximos de período de trabalho (artº 203º), elaboração de horários de trabalho (artº212º),intervalos de descanso (artº 213º), descanso diário (artº 214º),isenção de horários de trabalho (artºs. 218º e 219º),trabalho suplementar (artº266º),descanso semanal (artº 232º), Teletrabalho (artºs.165º e sgs).

Como referimos, o Código do Trabalho dedicou especial atenção à regulação da organização do tempo de trabalho e à sua duração, assim importa salientar, o caráter imperativo das normas relativas aos limites da duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal, bem como à duração mínima dos períodos de repouso. 

Estabelece o artigo 3º do CT que aquelas disposições só podem ser afastadas por IRCT ou contrato individual de trabalho, quando estes disponham em sentido mais favorável para o trabalhador. Atualmente, o CT vai ao encontro do disposto na nossa CRP, designadamente no n.º 1 do artigo 203º, consagrando  por norma que “o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana.”´

Quanto ao direito internacional, expresso nas  convenções da OIT, que Portugal tem ratificado,  muitas abordam vários instrumentos de controlo da duração do tempo de trabalho : Convenção nº1 de 1919(duração de trabalho na indústria);Convenção nº 4 de 1919 ( trabalho noturno de mulheres), Convenção nº 14de 1921 (descanso semanal na indústria), Convenção nº30 de 1930 (duração do trabalho no comércio e escritórios),convenção n.º 155, de 1981, relativa à segurança e à saúde dos trabalhadores e ambiente de trabalho, referindo a necessidade de o tempo de trabalho ser adaptado às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores. 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948,  um marco histórico dos Direitos Humanos, no artigo 24º  consagra a limitação da duração do tempo de trabalho, estabelecendo que “toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas.”


A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 31º, estipula os princípios básicos da regulamentação do tempo de trabalho, garantindo que “todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas.” 

A Diretiva 93/104/CE estabeleceu as prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho aplicáveis a todos os Estados-Membros, nomeadamente no que respeita à duração do período normal de trabalho, aos períodos de descanso diário/semanal, ao tempo máximo de trabalho semanal, às férias anuais e, bem assim, ao trabalho noturno. Assim, conforme o disposto no artigo 2º desta Diretiva,  tempo de trabalho “qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções”, considerando no  n.º 2, o período de descanso, como “qualquer período que não seja tempo de trabalho.” 

Este artigo esclarece o conceito de período normal de trabalho, ultrapassando algumas questões de interpretação do sistema laboral português, surgidas na sequência da Lei n.º 21/96, ao clarificar que o tempo de trabalho não se limita apenas  ao trabalho efetivo, questão que ainda subsiste. 


O conceito de tempo de trabalho decorre do artº 197º do CT:

“1 - Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte. 

2 - Consideram-se compreendidos no tempo de trabalho: a) A interrupção de trabalho como tal considerada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, em regulamento interno de empresa ou resultante de uso da empresa; b) A interrupção ocasional do período de trabalho diário inerente à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador ou resultante de consentimento do empregador; c) A interrupção de trabalho por motivos técnicos, nomeadamente limpeza, manutenção ou afinação de equipamento, mudança de programa de produção, carga ou descarga de mercadorias, falta de matéria-prima ou energia, ou por fator climatérico que afete a atividade da empresa, ou por motivos económicos, designadamente quebra de encomendas; d) O intervalo para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade; e) A interrupção ou pausa no período de trabalho imposta por normas de segurança e saúde no trabalho.

 3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.”


Sabemos que inerente ao contrato de trabalho está a disponibilidade do trabalhador, quantificada no duração do tempo de trabalho, concretizado no seu horário de trabalho, com limitação diária e semanal ( por norma, no limite máximo legal, de 8 horas e 40 horas respetivamente, salvo regimes mais favoráveis previstos na contratação coletiva de trabalho, aplicável ao sector de atividade em causa), conforme previsto no artº 203º do Código do Trabalho, “ o período normal de trabalho não pode exceder por dia oito horas e quarenta horas por semana”  e “ os limites máximos do período normal de trabalho, podem ser reduzidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, não podendo resultar diminuição da retribuição dos trabalhadores”.

Estes limites podem ser ultrapassados em situações de exceção previstas na lei, nomeadamente nos termos previstos no artº 210º do CT:

“1 - Os limites do período normal de trabalho constantes do artigo 203.º só podem ser ultrapassados nos casos expressamente previstos neste Código, ou quando instrumento de regulamentação coletiva de trabalho o permita nas seguintes situações: a) Em relação a trabalhador de entidade sem fim lucrativo ou estreitamente ligada ao interesse público, desde que a sujeição do período normal de trabalho a esses limites seja incomportável; b) Em relação a trabalhador cujo trabalho seja acentuadamente intermitente ou de simples presença. 

2 - Sempre que entidade referida na alínea a) do número anterior prossiga atividade industrial, o período normal de trabalho não deve ultrapassar quarenta horas por semana, na média do período de referência aplicável.”


Para além do período normal de trabalho normal, estabelecido no artº 198º do CT “ O tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana”,  este é concretizado no horário de trabalho , conforme artº 200º do CT:

 “1 - Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal.

       2 - O horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal.

       3 - O início e o termo do período normal de trabalho diário podem ocorrer em dias consecutivos.”.


Na elaboração do horário de trabalho, a lei impõe condições,  conforme dispõe o artº 212º do CT:


“1 - Compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável.

2 - Na elaboração do horário de trabalho, o empregador deve:

a) Ter em consideração prioritariamente as exigências de proteção da segurança e saúde do trabalhador;

b) Facilitar ao trabalhador a conciliação da atividade profissional com a vida familiar;

c) Facilitar ao trabalhador a frequência de curso escolar, bem como de formação técnica ou profissional.

3 - A comissão de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais devem ser consultados previamente sobre a definição e a organização dos horários de trabalho.

4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 2 ou 3.”


Do mesmo modo, é salvaguardado o direito ao intervalo de descanso (artº 213º do CT), “O período de trabalho diário deve ser interrompido por um intervalo de descanso, de duração não inferior a uma hora nem superior a duas, de modo a que o trabalhador não preste mais de cinco horas de trabalho consecutivo, ou seis horas de trabalho consecutivo caso aquele período seja superior a 10 horas.”, o descanso diário ( artº214º do CT) “O trabalhador tem direito a um período de descanso de, pelo menos, onze horas seguidas entre dois períodos diários de trabalho consecutivos.”,  e o descanso semanal ( artº 232º do CT) “O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana.”


Contudo, para além do horário normal de trabalho, o trabalhador pode prestar trabalho suplementar, nas condições estabelecidas, nos limites previstos no artº 228º do CT:


“1 - O trabalho suplementar previsto no n.º 1 do artigo anterior está sujeito, por trabalhador, aos seguintes limites:

a) No caso de microempresa ou pequena empresa, cento e setenta e cinco horas por ano;

b) No caso de média ou grande empresa, cento e cinquenta horas por ano;

c) No caso de trabalhador a tempo parcial, oitenta horas por ano ou o número de horas correspondente à proporção entre o respectivo período normal de trabalho e o de trabalhador a tempo completo em situação comparável, quando superior;

d) Em dia normal de trabalho, duas horas;

e) Em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou feriado, um número de horas igual ao período normal de trabalho diário;

f) Em meio dia de descanso complementar, um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário.

2 - O limite a que se refere a alínea a) ou b) do número anterior pode ser aumentado até duzentas horas por ano, por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

3 - O limite a que se refere a alínea c) do n.º 1 pode ser aumentado, mediante acordo escrito entre o trabalhador e o empregador, até cento e trinta horas por ano ou, por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, até duzentas horas por ano.

4 - O trabalho suplementar previsto no n.º 2 do artigo anterior apenas está sujeito ao limite do período de trabalho semanal constante do n.º 1 do artigo 211.º

5 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 2.”


O regime de duração de trabalho, na sua amplitude e no enquadramento de outras situações, prevê ainda a isenção de horário de trabalho (artº 218º do CT) :


“1 - Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações: a) Exercício de cargo de administração ou direção, ou de funções de confiança, fiscalização ou apoio a titular desses cargos; b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efetuados fora dos limites do horário de trabalho; c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de atividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico. 

2 - O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho pode prever outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho.”

O regime de isenção pode assumir as seguintes modalidades ( artº219º do CT):


“1 - As partes podem acordar numa das seguintes modalidades de isenção de horário de trabalho: a) Não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho; b) Possibilidade de determinado aumento do período normal de trabalho, por dia ou por semana; c) Observância do período normal de trabalho acordado. 

2 - Na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior. 

3 - A isenção não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, a feriado ou a descanso diário. 4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.”


Fica assim patente que o regime da duração de trabalho, no Código do Trabalho vigente, tem um enquadramento jurídico amplo e objetivo, no qual devem ser subsumidas as situações da realidade laboral e incluindo as novas tendências de elaboração de regimes de trabalho e de disponibilidade do trabalhador, que devem ser cumpridas, sem o que, não serão legais tais inovações.

Todas as relações de trabalho, nas modalidades que possam ser adotadas, incluindo as que implicam o recurso às novas tecnologias e trabalho no domicílio (teletrabalho) devem cumprir as determinações legais, nomeadamente quanto ao regime da duração do tempo de trabalho, nos seus limites e condicionantes.

Nesta lógica, abordaremos o designado direito à desconexão -  direito que assegura ao trabalhador a salvaguardada dos limites da sua disponibilidade e o gozo do seu descanso - bem como do regime da disponibilidade permanente (que não pode implicar o desrespeito pelos princípios estruturantes da duração do tempo de trabalho), pelo que avaliamos estas realidades, no contexto do direito vigente, tendo em conta que se tratam de realidades presentes nas novas relações laborais, que suscitam dúvidas e posições divergentes,  na doutrina e na jurisprudência, face à inexistência de regimes legais específicos.


II. Direito à desconexão


Não existe uma definição legal expressa  do direito à desconexão, todavia está implícito que se reporta à possibilidade (direito) do trabalhador  “desligar-se” da sua atividade profissional, do seu trabalho, dos seus compromissos laborais, ou seja, após o fim da jornada diária/semanal de trabalho, dispor do seu tempo pós-laboral (descanso diário e semanal) para a sua vida pessoal e familiar, sem ter que desempenhar tarefas para o empregador.

No regime jurídico português não existe expressamente consagrado, o direito do trabalhador à desconexão, mas  o Código do Trabalho (CT) impõe o dever do empregador se abster de contactar o trabalhador no período de descanso deste, salvaguardadas as situações de força maior (artigo 199º-A, do CT), o que significa, que o empregador não deve contactar o trabalhador, nesse período,  para incumbência/realização de qualquer tarefa.

Para avaliação do sentido da disposição legal referida (dever de abstenção/direito de desconexão) temos de considerar e diferenciar, tempo de trabalho e tempo de descanso, sendo que o impedimento do empregador, refere-se ao que se considera tempo de descanso.

Estes conceitos são exclusivos e mutuamente excludentes, o que significa que o tempo que não se enquadre na noção de tempo de trabalho, enunciada no art. 197.º, ( Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos...)  é considerado tempo de descanso, conceito que é assim definido pela negativa no artº. 199.º do CT (o dever de abstenção do empregador assegura ao trabalhador o direito a não ser importunado).

A expressão “direito de desconexão”, surgiu pela primeira vez referida num diploma legal, no artigo 55º da Lei El Khomri ou “Loi Travail” (aprovada na Assembleia Nacional Francesa a 21/07/2016, publicada no Jornal Oficial em 09/08/2016), que procedeu a  reforma profunda do Código do Trabalho francês, designadamente em matérias inerentes à organização do tempo de trabalho e, em especial, à sua adaptação à era do digital (a menção ao direito à desconexão está inserida em capítulo intitulado “Adaptação do Direito do Trabalho à Era do Digital”) 

A Lei deve a sua designação a Myriam El Khomri, Ministra do Trabalho 

à época no Governo de Manuel Valls (sob a Presidência de François 

Hollande) .


Embora não expresso na lei, de forma direta, vigora  também em Portugal, o direito à desconexão, decorrente da conjugação de vários normativos que estruturam de forma implícita tal direito e essencialmente no artº 199-A do CT (dever de abstenção de contacto).

Enquadramento 

Artigo 59.º n.º 1 alíneas b) e d) da CRP: “todos os trabalhadores (…) têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas”

- artº 203º nº 1 do CT “o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana”.  

Artº. 199.º CT: “Entende-se por período de descanso o que não seja período de trabalho “.

- art. 214º do CT - “o trabalhador tem direito a um período de descanso de pelo menos  11 horas”.

Artº. 213.º n.º 1 CT: “O período de trabalho diário deve ser interrompido por um intervalo de descanso, de duração não inferior a uma hora nem superior a duas, de modo que o trabalhador não presta mais de 5 horas de trabalho consecutivo, ou 6 horas de trabalho consecutivo caso aquele período de trabalho seja superior a 6 horas”.

- artº. 232º nº 1 - “o trabalhador tem direito a pelo menos um dia de descanso por semana”.


O direito ao descanso do trabalhado, tem implícita a possibilidade de o trabalhador se desligar do ambiente de trabalho – com tudo o que isso implica, até mesmo permanecer offline – fora dos limites do seu período de trabalho (nos períodos de descanso intercorrentes, nos dias de descanso semanal, nos períodos de férias).

Contudo estão previstos na lei mecanismos excecionais para garantir que o trabalhador se mantém disponível, mesmo fora do seu período normal de trabalho (p.e. trabalho suplementar).


De igual modo, não se antevê que o trabalhador possa justificar o não cumprimento de regime de prevenção ou “on hold” ou  “on call” (fora dos limites do tempo de trabalho) previsto em IRCT ou que o empregador com ele tenha contratualizado, mediante o pagamento de suplemento remuneratório que o compense dessa disponibilidade acrescida (situação frequente em atividades que se traduzam na prestação de serviços de emergência, de saúde ou assistência) e que não obstará a que, concretizando-se a necessidade de prestação de trabalho suplementar, o trabalhador seja por ela remunerado.

Outras situações de alargamento dos limites tidos como “normais” do tempo de trabalho, como a isenção de horário de trabalho ou o banco de horas (as quais, no entanto, excluem desde logo a possibilidade de aplicação aos dias de descanso semanal ou a períodos de férias). 


Parecendo evidente que o direito à desconexão está garantido na lei, uma conclusão parece ressaltar das suas dificuldades práticas de implementação: a forma mais eficaz de o garantir efetivamente é de o converter numa obrigação de desconexão das empresas, proibindo-as, em condições a regular (preferencialmente, por via convencional ou regulamentar), de utilizar tecnologias de informação e comunicação à distância durante os períodos de descanso do trabalhador – ou seja, de enviar e-mails, sms ou whatsapps ou realizar chamadas telefónicas durante esse período.


As Tecnologias de informação e Comunicação ( NTIC) vieram contribuir para a intensificação de novas situações, ao permitir e incentivar que o trabalhador permaneça, ainda que em diferentes níveis de disponibilidade, “adstrito à realização da prestação”, nomeadamente através de uma conectividade digital total e permanente aos instrumentos de trabalho, ao empregador, aos fornecedores e aos clientes. este conjunto de fatores suscitou e tem vindo a suscitar a discussão em torno do direito à desconexão, que é um corolário do direito ao descanso, por isso, será necessário garantir a possibilidade do trabalhador se desconectar do trabalho, para que possa, efetivamente, usufruir do seu tempo de descanso e se evite jornadas de trabalho excessivas e para além dos limites legais.


Apesar de todos os princípios jurídico laborais, incluindo o direito constitucional ao descanso, não permitirem interpretações  divergentes quanto existência de um direito desconexão e sem o qual não se pode cumprir verdadeiramente o direito ao descanso, será conveniente regulamentar a forma como se deva operar a desconexão do trabalhador, evitando a intrusão do empregador na vida familiar e privada do trabalhador, assegurando o direito efetivo ao descanso e no que possa ser garantido ao trabalhador, o direito a desconectar/interromper/suspender  para além do tempo normal de trabalho e consequentemente o empregador  for impedido de perturbar o descanso do trabalhador – não poderá ser garantido o equilíbrio físico e psíquico do trabalhador .


Alguns juslaboralistas (p.e.Maria do Rosário Palma Ramalho e Sónia Carvalho) defendem que a “consagração expressa no nosso ordenamento jurídico do direito à desconexão é desnecessária”,  com os argumentos de que o regime jurídico laboral vigente  desde que cumprido,é  suficiente para assegurar ao trabalhador o direito a desconectar-se  “limitando-se a subordinação (e a inerente disponibilidade do trabalhador) ao horário de trabalho acordado no seu contrato de trabalho ou determinado pelo seu empregador, o direito ao repouso e o direito à conciliação entre a vida profissional e a vida privada e familiar (ambos consagrados na Constituição e na Lei) são, por si sós, fundamento bastante para que seja lícito ao trabalhador não atender o telefone ao empregador, nem responder a um email fora do seu tempo de trabalho”. 

Outros defendem a necessidade de elaboração de regulamentação específica (p.e.Catarina de Oliveira Carvalho) uma vez que que a previsão legal autónoma de um direito à desconexão não é supérflua, podendo ter “um papel importante em várias frentes”. Desde logo, sustentando que, tendo em conta a dicotomia assumida entre tempo de trabalho e período de descanso – que, como vimos, leva à qualificação pela maioria da jurisprudência nacional como período de descanso, de longos períodos de disponibilidade –, “a regulação de um “direito de desligar” pode revelar-se um instrumento jurídico muito útil para fortalecer o alcance do direito ao repouso”. 

 O jurista Pedro Afonso,  defende que o direito à desconexão é uma necessidade dos tempos atuais e que “a aprovação de legislação específica sobre esta matéria é inevitável e desejável”, realçando como um dos motivos para essa necessidade a proteção “da saúde física e psíquica dos trabalhadores”.   

 A lei ao atribuir ao trabalhador o direito ao descanso, este direito pressupõe o direito a desconectar-se, para dar conteúdo pleno  e efetivo ao repouso.

“A desconexão, cremos, não é verdadeiramente um direito. O direito aqui em causa é, tal como se consagra na CRP, o direito ao repouso e aos lazeres, ao descanso semanal, a férias periódicas, à limitação da jornada de trabalho, mais do que como direito, a desconexão surge, assim, como o efeito natural da limitação da jornada de trabalho, isto é, do balizamento do tempo de trabalho através da definição do horário de trabalho de cada trabalhador”

Das posições assumidas, pode concluir-se que Direito do Trabalho deverá dar forma expressa ao dever de não conexão do empregador, ou seja, de desconexão do trabalhador, para assegurar este direito e disciplinar o comportamento intrusivo do empregador, reforçando que este deve abster-se de perturbar o trabalhador no seu período de descanso, designadamente através das NTIC, com sancionamento do seu desrespeito. 


Assim, importa consagrar expressamente, no nosso ordenamento jurídico, em complemento do dever do empregador de se abster de perturbar, o trabalhador, independentemente do meio adotado,  com solicitações profissionais no seu período de descanso, dotando-se o sistema laboral de uma solução inequívoca e da consagração expressa do direito à desconexão e das situações de exceção, nos casos de força maior e de outros fundamentos admissíveis para tal, com regime compensatório adequado em função do tempo dispendido.


O modelo de um trabalhador conectado e disponível 24 sobre 24 horas, pois a tecnologia permite a conexão por tempo integral (hiperconexão), potenciando situações de quase submissão do trabalhador, do ”homo connectus”, de quem se exige, num modelo desregulado,  a dedicação permanente e ilimitada, não é compatível com os direitos fundamentais do trabalho e com a evolução qualitativa deste.

 A ideia de desconexão profissional tem de ser garantida, o direito do trabalhador a desconectar, no seu período de descanso, no sentido amplo, ou seja, fora do seu período normal de trabalho, tem de ser por norma inviolável, como decorre, apesar de eventuais lacunas, no direito laboral vigente.

A questão, para a maioria dos trabalhadores, é como exercer,  o “direito à desconexão”, num tempo de concorrência global e desenfreada, como  desligar e desconectar-se, sem enfrentar incompreensão,  num tempo de crise de  emprego/desemprego. Neste contexto, ousar desconectar-se pode implicar, a curto ou médio prazo, ser prejudicado na avaliação do seu empenho profissional, não obstante a salvaguarda estabelecida no nº2 do artº. 199-A do CT “constitui ação de discriminação para efeitos do artº 25º, designadamente em matéria de condições de trabalho e de progressão na carreira, pelo facto de exercer o direito ao período de descanso..”.


Esta matéria teve acolhimento do legislador recentemente, através da Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro, diploma que se visou, sobretudo, modificar o regime jurídico do teletrabalho. O aditamento de um novo artigo ao CT, o art. 199.º-A, norma de alcance geral, que não se cinge apenas  ao   teletrabalho, pois está incluída no CT no regime de Duração e Organização do tempo de trabalho,  cujo n.º 1 estabelece: «O empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, ressalvadas as situações de força maior»., pelo que podemos considerar esta norma, de certa forma, com expressão do direito `desconexão.

Apesar, como se referiu, de em Portugal não existir menção expressa no Código do Trabalho ao direito à desconexão, tem sido, no entanto, entendido pela doutrina, que é assegurada aos trabalhadores a faculdade de se manterem “desligados” do meio de trabalho fora do período normal de trabalho, não atendendo chamadas telefónicas, não respondendo a mensagens de texto (sms), e-mails profissionais ou a qualquer outro estímulo digital (e analógico) relacionado com trabalho.

Embora não esteja expressamente previsto na lei, existem vários preceitos na nossa legislação que nos levam a concluir pela existência deste direito. 

Vejamos:

-o artigo 59.º n.º 1 alíneas b) e d) da CRP visa uma conciliação entre a vida pessoal e profissional; 

-o artigo 203.º n.º 1 CT prevê os limites impostos ao tempo de trabalho (máximo de 8 horas diárias e 40 horas semanais) no sentido de que fora deles o trabalhador não está, nem tem de estar à disponibilidade do empregador; 

-os artigos  199.º, 214.º, 213.º n.º 1, 232.º n.º1  do CT dizem respeito ao período de descanso a que o trabalhador tem direito, impondo-lhe períodos mínimos de descanso.

Nestes termos, parece-nos que muito embora o legislador português não tenha consagrado expressamente um direito à desconexão, não obstante ter assegurado o dever de abstenção do empregador de contactar o trabalhador, (artº 199-A),obrigação que dá garantias a este do seu direito ao descanso,  a que acresce, implicitamente, através das várias normas supra mencionadas, que tal direito é salvaguardado.


A existência de um direito à desconexão não impede o empregador de obstar à indisponibilidade do trabalhador, pois este tem a possibilidade de recorrer a mecanismos excecionais, como o trabalho suplementar, isenção de horário ou banco de horas, dos quais pode recorrer  de modo a garantir que o trabalhador se encontra disponível, mesmo fora do seu período normal de trabalho.


Assim, relativamente ao direito à desconexão, será defensável o entendimento,  que este se encontra consagrado na legislação laboral vigente (Código do Trabalho), de forma indireta, pelo conjunto de normas que consagram direitos laborais em termos de regime da duração de trabalho, e de forma expressa no termos do nº 1 do artº 199-A do CT, não invalidando a vantagem na criação de  regime específico deste direito.

Mesmo que a nossa lei não consagre, um “direito de desconexão” do trabalhador de forma absoluta – pois este pode  ser contactado por razões de força maior, o empregador está impedido de o contactar nas situações normais, sendo sancionado pelo seu incumprimento, contudo  o trabalhador não tem o direito de se opor a tal contacto, nos casos de força maior, podendo eventualmente ser  sancionado disciplinarmente por incumprimento desta exigência.


Constatamos que  Código do Trabalho dedicou especial atenção à codificação da organização do tempo de trabalho e à sua duração, deste modo, importa salientar o caráter imperativo das normas relativas aos limites da duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal, bem como à duração mínima dos períodos de repouso. 

Resulta do artigo 3º do CT que aquelas normas,  só podem ser afastadas por IRCT ou contrato individual de trabalho, quando estes disponham em sentido mais favorável para o trabalhador. O CT assume o disposto na CRP, designadamente no n.º 1 do artigo 203º, consagrando que “o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana.”.

O artigo 31º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, estipula os princípios básicos da regulamentação do tempo de trabalho, garantindo que “todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas”. 

A Diretiva 2003/88/CE, que revogou a Diretiva 93/104/CE, codifica matérias relativas à organização do tempo de trabalho,estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho aplicáveis a todos os Estados-Membros, nomeadamente no que respeita à duração do período normal de trabalho, aos períodos de descanso diário/semanal, ao tempo máximo de trabalho semanal, às férias anuais e, bem assim, ao trabalho noturno. 

A Diretiva define tempo de trabalho “qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções”, o período de descanso é determinado pela negativa, ou seja,  “qualquer período que não seja tempo de trabalho.”  esclarecendo o conceito de período normal de trabalho, ultrapassando algumas incertezas de interpretação,  ao clarificar que o tempo de trabalho não é apenas o tempo de prestação de trabalho efetivo.

O Livro Verde   - O Futuro do Trabalho: Tempos de trabalho, conciliação entre a vida profissional e a vida Familiar e direito à desconexão , definiu como objetivos da política laboral:

- Efetivar e regular o direito à desconexão ou desligamento profissional, criando mecanismos para prevenir o prolongamento dos tempos efetivos de 

laboração e proteger os trabalhadores face às consequências negativas da conectividade permanente e de uma cultura de trabalho "sempre ativa", assegurando assim um direito ao desligamento e à desconexão nos tempos de descanso, em articulação com o dever do empregador de, por regra, assegurar que não é estabelecida conexão com o trabalhador após a conclusão da jornada de trabalho;

-Promover uma cultura, forma e tempos de organização do trabalho que 

favoreçam o equilíbrio entre a atividade profissional e a vida familiar e 

pessoal, articulando a reflexão sobre a mudança dos conceitos de local de 

trabalho, tempo de trabalho e tempo de descanso (diminuindo a fluidez entre ambos), entre outros, no quadro da emergência de novos formas de trabalho, com a necessidade de assegurar condições de conciliação favoráveis e que não acentuem desigualdades, nomeadamente de género;


Assim, o direito à desconexão significa que o trabalhador das TIC deixa de estar obrigado a permanecer ligado ou disponível durante os seus períodos de descanso, para responder às ordens ou solicitações de serviço que lhe sejam solicitadas através dos meios electrónicos, seja pelo empregador ou superiores hierárquicos (desconexão vertical), seja pelos colegas de trabalho, clientes, fornecedores ou subcontratantes (desconexão horizontal). 

Em suma, conforme enunciámos de forma detalhada,  e na conjugação das normas referenciadas, podemos afirmar que existe, no direito laboral nacional,  o direito à desconexão, que deve ser exercido, de forma fundamentada e  nas situações em que contenda com os direitos laborais, nomeadamente quanto à duração do tempo de trabalho.


III. Teletrabalho : duração da jornada de trabalho


Considera-se teletrabalho a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, através do recurso a tecnologias de informação e comunicação.

O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos/deveres dos demais trabalhadores da empresa, o que implica, plena igualdade em termos de regime de duração de trabalho, em todas as suas vertentes.

Eis as principais disposições legais sobre a matéria:

Acordo para prestação de teletrabalho  - Artigo 166.º

O acordo deve conter e definir, nomeadamente:

(...)

c) O período normal do trabalho diário e semanal;

d) O horário de trabalho;

Igualdade de direitos e deveres -  Artigo 169.º

1 - O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores da empresa com a mesma categoria ou com função idêntica, nomeadamente no que se refere a formação, promoção na carreira, limites da duração do trabalho, períodos de descanso, incluindo férias pagas, proteção da saúde e segurança no trabalho, reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, e acesso a informação das estruturas representativas dos trabalhadores, incluindo o direito a:

(...)

Organização, direção e controlo do trabalho  - Artigo 169.º-A 

 (....)

 5 - O controlo da prestação de trabalho, por parte do empregador, deve respeitar os princípios da proporcionalidade e da transparência, sendo proibido impor a conexão permanente, durante a jornada de trabalho, por meio de imagem ou som.

Deveres especiais -  Artigo 169.º-B

1 - Sem prejuízo dos deveres gerais consagrados neste Código, o regime de teletrabalho implica, para o empregador, os seguintes deveres especiais:

b) Abster-se de contactar o trabalhador no período de descanso nos termos a que se refere o artigo 199.º-A;

Privacidade do trabalhador - Artigo 170.º

1 - O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador, o horário de trabalho e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico.

[...]

Dever de abstenção de contacto  - Artigo 199.º-A

1 - O empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, ressalvadas as situações de força maior.

2 - Constitui ação discriminatória, para os efeitos do artigo 25.º, qualquer tratamento menos favorável dado a trabalhador, designadamente em matéria de condições de trabalho e de progressão na carreira, pelo facto de exercer o direito ao período de descanso, nos termos do número anterior.

3 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1.»

Nota: Fica demonstrado que ao trabalhador em regime de teletrabalho aplicam-se as mesmas normas, nomeadamente, no que respeita ao regime da duração do tempo de trabalho.


IV. Regime da designada Disponibilidade Permanente


Em termos conceituais, o regime da disponibilidade permanente consiste no compromisso/obrigatoriedade  do trabalhador prestar serviço, sempre que seja solicitado,  mesmo que ocorra fora do período normal de trabalho.

Este regime, suscita dúvidas de legalidade e contenderá,  com direitos fundamentais do trabalhador - limite à jornada de trabalho, descanso diário e semanal - e não fará sentido este recurso, quando a legislação (Código do Trabalho) prevê  opções de recurso a trabalho, mesmo para além da jornada normal ( trabalho suplementar, isenção de horário, horários flexíveis, banco de horas, adaptabilidade, trabalho por turnos), para fazer face a situações de trabalho que ocorram, previsíveis ou não, para além do horário de trabalho.

A disponibilidade, será em princípio um factor inerente ao contrato de trabalho e à subordinação jurídica, mas esta predisposição se entendida, como obrigação para a todo o tempo exercer a sua actividade, não tem acolhimento legal pois esta não é em si um valor absoluto, significará a faculdade de se disponibilizar a trabalhar, dentro de limites razoáveis e compatíveis com a vida pessoal e familiar, trabalho esse que deverá ser remunerado, além de que essa disponibilidade ( estar às ordens para) deverá ser compensada ( O trabalhador auferirá pela disponibilidade e pelo trabalho que preste).

Admitir que a disponibilidade possa significar, de algum modo,  que o trabalhador deva estar disponível 24 horas/dia, todos os dias da semana, incluindo dias de descanso,  seria subverter todo o acervo normativo laboral, que impõe limites ( incluindo o trabalho suplementar a duração média será de 48 horas - cf. nº 1 do artº 210 do CT).

Deste modo, a nosso entender, atendendo a que o Código do Trabalho vigente,  não prevê regime específico da disponibilidade, todas as situações que ocorram, são questionáveis, se não respeitarem os direitos estabelecidos em termos de duração do tempo de trabalho, as exceções aos limites máximos do período normal de trabalho (cf.artº 210ºCT), suscitam fundadas dúvidas de legalidade.

Quando um empregador exige a disponibilidade permanente do trabalhador é suposto que a empresa funcione/labore em período alargado ( mesmo ininterrupto), o que implicaria a adoção de período de funcionamento adequado (cf. Artº 201º CT) e como tal deveria organizar trabalho por turnos ( cf. 221º do CT) e não recorrer a subterfúgios para evitar tal opção, como o recurso à designada “disponibilidade permanente”, conceito que não tem base legal, pelo menos no Código do Trabalho.


Deste modo, uma das matérias mais controversas, no contexto da temática do regime da duração de trabalho, tem a ver com o evocado regime da Disponibilidade Permanente do trabalhador, sobretudo face aos limites legais existentes que determinam valores máximos da jornada de trabalho (por norma e em termos gerais, de  8 horas dia e 40 semanal) -  salvo as situações mais favoráveis ao trabalhador, previstas na Contratação coletiva aplicável, no sector em causa, que prevalecem nos termos do artº 3º do CT ( Relações entre fontes de regulação).

Parece ser incongruente admitir-se regime de disponibilidade permanente, quando existem limites máximos à jornada de trabalho, quando se discute o direito à desconexão do trabalhador, quando se evidencia o respeito do direito ao descanso, quando se impõe ao empregador o dever de abstenção de contactar o trabalho nos períodos de descanso e surgir um regime que poderá supor, uma ampla disponibilidade, que na sua essência contrariaria as condicionantes legais referidas.

Por isso, urge o enquadramento legal desta realidade e as suas especificidades, que possam permitir, de forma muito restrita, esta opção, contudo em situações especiais e justificadas, particularmente em sectores da saúde, da assistência, de socorro, da emergência, não obstante, na prática,  verificarem-se situações descontextualizadas (p.e. em algumas áreas da administração pública em algumas funções técnicas que não implicam na prática tal disponibilidade,constituindo antes uma forma dissimulada de acrescer remuneração).

Por isso e como primeira nota, a nosso entender, deve evidenciar-se que o recurso a esta opção, não tem enquadramento legal específico, e a sua aplicação poderá ser de legalidade duvidosa, quanto muito deve ser limitado, ocorrendo em casos específicos e excecionais, que pressupõe enquadramento legal próprio - pela inexistência de regulação desta matéria, salvo referenciais residuais e escassos no sector público ( p.e na tabela remuneratória de suplementos) -  sendo que no âmbito do sector privado, as situações devem ser objecto de Acordo, devidamente justificado, em áreas e sectores  com exigências próprias e acautelando os direitos e limitações do regime da duração do tempo de trabalho, para não ser questionada a sua legalidade, pois estamos perante direitos indisponíveis (duração do trabalho).


A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e a Tabela Única de Suplementos estabelece:


Artigo 2.º

Fundamentos de atribuição de suplementos remuneratórios

1 - A atribuição de suplementos remuneratórios só é devida quando as condições específicas ou mais exigentes não tenham sido consideradas, expressamente, na fixação da remuneração base da carreira ou cargo, e enquanto perdurem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição e haja exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei.

2 - Constituem fundamento para a atribuição de suplemento remuneratório com carácter permanente, as obrigações ou condições específicas seguintes:

a) Disponibilidade permanente para a prestação de trabalho a qualquer hora e em qualquer dia, sempre que solicitada pela entidade empregadora pública;

b) Prevenção ou piquete para assegurar o funcionamento ininterrupto do órgão ou serviço.


Os casos conhecidos, de recurso a esta opção, verificam-se na área da saúde e particularmente em casos de crise  ( p.e o COVID 19), foi reconhecido, através de disposição legal, que alguns profissionais, tivessem regime de disponibilidade permanente, de forma temporária, contudo, com regras,salvaguardando os direitos dos visados, quanto a compensações de descanso e remuneratórias.


Enquadramento legal da disponibilidade


Para melhor entendermos os efeitos da disponibilidade na relação laboral e na jornada de trabalho, na definição desta e na sua integração jurídica, teremos de analisar o conceito, na dicotomia, tempo de trabalho ou tempo de descanso .

O conceito de tempo de trabalho decorre do artº 197º do CT:

“1 - Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte”. 


O legislador adota um conceito amplo de “tempo de trabalho”,incluindo neste outras situações, que não sendo trabalho efetivo,como sejam várias interrupções de trabalho, intervalo para refeições nos horários seguidos, equiparando  tal a tempo de trabalho, o que evidencia que se trata de um conceito jurídico, que integra todas as situações que não sejam, descanso.


2 - Consideram-se compreendidos no tempo de trabalho: 

a)A interrupção de trabalho como tal considerada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, em regulamento interno de empresa ou resultante de uso da empresa; 

b) A interrupção ocasional do período de trabalho diário inerente à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador ou resultante de consentimento do empregador; 

c) A interrupção de trabalho por motivos técnicos, nomeadamente limpeza, manutenção ou afinação de equipamento, mudança de programa de produção, carga ou descarga de mercadorias, falta de matéria-prima ou energia, ou por fator climatérico que afete a atividade da empresa, ou por motivos económicos, designadamente quebra de encomendas; 

d)O intervalo para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade; 

e) A interrupção ou pausa no período de trabalho imposta por normas de segurança e saúde no trabalho. 

3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.


Para avaliarmos da amplitude da noção de tempo de trabalho, verifiquemos ausências equiparadas a tempo trabalho: 

- Dispensa do trabalhador-estudante para frequência das aulas (art. 90º, n.ºs 2 e 3).

- Crédito de horas do trabalhador no âmbito da formação profissional realizada dentro ou fora do horário de trabalho (arts. 131º, n.º 2, e 132º). 

- Tempo de formação profissional realizada fora do horário de trabalho para além do crédito referido anteriormente (art. 226º, n.º 4, alínea d).

 - Tempo gasto pelo trabalhador para receber a retribuição, quando tenha sido convencionado um lugar de pagamento diverso do local de trabalho (art. 277º, n.º 2). Esta situação verifica-se nos casos em que o pagamento é feito através de depósito à ordem do trabalhador, por vale postal ou por cheque (art. 8.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque), salvo quando, neste último caso, o sacado seja a própria entidade patronal. Dado o desenvolvimento tecnológico existente a nível dos meios de pagamento, parece-nos que, no silêncio das partes, o tempo gasto para receber a retribuição apenas será imputável no período de trabalho nas situações em que o levantamento do salário fora do horário de trabalho constitua um ónus considerável para o trabalhador. O art. 277º, n.º 2, impede que a entidade patronal desafete unilateralmente do período normal de trabalho o tempo despendido pelo trabalhador para receber o seu salário. 

-Tempo conferido ao trabalhador para procurar outro emprego em caso de despedimento coletivo, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação (arts. 364º, n.º 1, 372º e 379º, respetivamente). 

- Crédito de horas dos membros das comissões de trabalhadores (art. 422º). 

- Período despendido pelos trabalhadores em reuniões no local de trabalho durante o horário de trabalho (art. 461º, n.º 1, alínea b)). 

- Crédito de horas dos delegados sindicais (art. 467º). 

- Crédito de horas dos membros de direção de associação sindical (art. 468º). 

- Dispensa para formação do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (Portaria n.º 345/2008, de 30-4). 

- Licença sabática do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (Portaria n.º 350/2008, de 5-5). 

- Créditos de horas para os trabalhadores que sejam membros dos órgãos de administração e gestão dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário para participação em reuniões de órgãos para as quais tenham sido convocados (DL n.º 372/90. de 27- 11, que aprova o regime das associações de pais e encarregados de educação, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 80/99, de 16-3, e pelas Leis n.º 29/2006, de 4-7, e n.º 40/207, de 24-8).

 - Crédito de horas atribuído ao trabalhador que exerça voluntariado, em situações especiais inadiáveis em que a sua participação seja considerada imprescindível para a prossecução dos objetivos do programa de voluntariado (art. 13º do DL n.º 389/99, de 30-9, que regulamenta a lei do voluntariado). 

- Crédito de horas atribuídas ao trabalhador que seja presidente de associação de voluntariado, por motivos relacionados com a actividade da respetiva associação (art. 4º da L. n.º 20/2004, de 5-6, que estabelece o estatuto do dirigente associativo voluntário). 

- O art. 65º, n.º 1, do CT considera como prestação efetiva de trabalho (embora com perda do direito à retribuição correspondente) as seguintes interrupções de trabalho (genericamente qualificadas como licenças, faltas, dispensas ou regime de trabalho especial): a) licença em situação de risco clínico durante a gravidez (arts. 37º e 62º); b) licença por interrupção de gravidez (art. 38º); c) licença parental em qualquer das modalidades admitidas (arts. 39º a 43º); d) licença por motivo de adoção (arts. 44º); e) dispensa para avaliação em caso de adoção (art. 45º); f) falta para assistência a filho (art. 49º); g) falta para assistência a neto (art. 50º); h) licença parental complementar (art. 51º); i) dispensa de prestação de trabalho noturno para trabalhadora grávida, puérpera ou lactante (art. 60º). 

- As dispensas para consulta pré-natal (art. 46º) e para amamentação ou aleitação (arts. 47º e 48º) não determinam a perda de qualquer direito, designadamente da retribuição (art. 65º, n.º 2). A contrario, dever-se-á entender que as interrupções do trabalho relativas à parentalidade não previstas no art. 65º, n.º 1, não são equiparadas a tempo de trabalho efetivo, pelo que suspendem todos os direitos e deveres contratuais que pressuponham a prestação efetiva de trabalho. Os direitos atribuídos aos progenitores são extensíveis ao adotante, tutor, a quem for deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, bem como ao cônjuge ou ao parceiro em união de facto com aquelas pessoas ou com o progenitor, desde que vivam em comunhão de mesa e habitação com o menor (art. 64.º do CT). 

- Para os trabalhadores que sejam dirigentes de organizações não governamentais das pessoas com deficiência (ONGPD), o Decreto-Lei n.º 106/2013, de 30 de Julho, que define o estatuto destas organizações bem como os apoios a conceder pelo Estado a tais organizações, estabelece no seu art. 23.º (dispensa de dirigentes para participação em reuniões): 


Em termos gerais, na definição legal do tempo de trabalho, integra duas realidades: 

a)Qualquer  período durante o qual o trabalhador exerce a atividade

ou

b)o tempo em que o trabalhador permanece adstrito à realização da prestação 


O conceito de Tempo de Trabalho conforme o art. 197º/1: é uma noção jurídica, por oposição uma noção naturalística, ou seja, não diz respeito a um tempo físico mas  à articulação de três parâmetros:  

- tempo em que ocorre a efetiva prestação da atividade; 

- período em que, não havendo atividade, trabalhador está disponível para a prestar o seu trabalho; 

- espaços temporais nos quais ocorrem interrupções e intervalos que a lei assimila a tempos de trabalho. 


Período de descanso: dispõe o artº 199º do CT “ Entende-se por período de descanso o que não seja tempo de trabalho”.


Do que resulta, que a disponibilidade corresponderá, neste contexto,  “ao tempo em que o trabalhador permanece adstrito à realização da prestação”, e nos  termos legais, deve ser considerado como tempo de trabalho.


A integração da designada “disponibilidade” no tempo de trabalho - com todos os efeitos legais decorrentes - apesar de estar claramente enunciada no Código do Trabalho -  tem suscitado várias interpretações, quer na doutrina, quer na jurisprudência, seja no sentido de não atribuir a esta tal qualificação (tempo de trabalho), mas imputando-a ao período de descanso, seja no sentido, que parece mais óbvio e inequívoco, desta constituir de facto e de direito “tempo de trabalho”.

Não sendo o artº. 199º um preceito meramente declarativo, a oposição entre tempo de descanso e tempo de trabalho significa que o primeiro é entendido como um período livre de trabalho. Daqui decorre, por um lado, a impossibilidade de ser convencionada uma situação de disponibilidade permanente para o trabalho, e, por outro, que o empregador só pode interferir no gozo do período de descanso do trabalhador nos casos admitidos pela lei. Acresce que, para além da noção de tempo de trabalho, o CT contém igualmente múltiplas normas (horário de trabalho, descanso diário e semanal, férias, etc.) que visam garantir a efetividade de um tempo livre ou de não trabalho.



A Diretiva nº2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Novembro de 2003 - relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (transposta para o direito interno pela alínea n) do  artº 2º da Lei nº7/2009 de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho) dispõe:


Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende-se por: 

1.Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional. 

2.Período de descanso: qualquer período que não seja tempo de trabalho.


Por outro lado, a Convenção n.º 1 da OIT, não contém qualquer definição de tempo de trabalho, essa noção apenas foi adotada na Convenção n.º 30, de 1930, cujo artº. 2º estabelece:

“a duração do trabalho consiste no tempo durante o qual o trabalhador está à disposição do empregador, dele se excluindo os descansos em que essa disponibilidade não se verifica.” 

O recurso ao critério “estar à disposição do empregador” para definir o tempo de trabalho, não se mostrava apto para resolver o problema de saber se deveriam ou não ser consideradas como tal as situações em que os trabalhadores permaneciam no local de trabalho sem realizar qualquer atividade, ainda que se reconhecesse que semelhante situação não era incompatível com a admissibilidade do trabalhador poder realizar atividades pessoais. 

Neste aspeto tem sido admitido no âmbito da OIT, que o “estar à disposição do empregador” abrange tanto as situações em que, ao longo de determinado período, os trabalhadores estão adstritos à realização de uma obrigação laboral, como aquelas em que o trabalhador permanece à disposição do empregador até que lhe seja indicada a actividade a realizar.


C.Nº 30 da OIT/artigo 6º. - Duração máxima do trabalho semanal 

Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores:

a)A duração semanal do trabalho seja limitado através de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas ou de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais;

 b) A duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda 48 horas, incluindo as horas extraordinárias, em cada período de sete dias.


O legislador português, na linha do direito da UE, mais especificamente da Diretiva 2003/88/CE, adotou um sistema dito binário, no qual o tempo  é de trabalho ou de descanso, sem “tertium genus”, sem categorias intermédias.

De acordo com o entendimento de Francisco Liberal  Fernandes “há disponibilidade para o trabalho quando subsiste na íntegra o dever de trabalhar e, portanto, sempre que se mantém a obrigação de o trabalhador se conformar com as ordens emanadas da entidade patronal, como sucede, por exemplo, nos regimes de prevenção ou à chamada (on call ou on standby) é tempo de trabalho”.


Partindo da posição adotada de que o período de disponibilidade permanente do trabalhador fora do seu horário e local de trabalho,  é considerado na íntegra como tempo de trabalho, mesmo que não haja prestação efetiva da atividade laboral, suscita-se a questão no que concerne à remuneração devida do período de disponibilidade, assim sendo,  a remuneração deste período tem de ser, pelo menos, de forma idêntica à remuneração do período de trabalho efetivo. Como esse período constitui tempo de trabalho, tem de ser considerado para o cômputo dos respetivos limites, com tudo o que isso implica, e como tal deve ser remunerado. Quando o trabalho for prestado fora do horário de trabalho terá de ser considerado, para todos os efeitos legais, que dependem de tal qualificação, como trabalho suplementar.


Quanto à integração da disponibilidade no conceito jurídico de tempo de trabalho, não tem sido esta a posição maioritária da nossa jurisprudência, uma vez que tem expresso uma interpretação restritiva, que, a nosso entender, não tem fundamento legal, dando  um sentido controverso do preceito, excluindo do conceito de disponibilidade, os períodos de chamada/localização, pese embora qualifique os períodos de prevenção com presença no local de trabalho, como tempo de trabalho, excluindo deste, as situações de disponibilidade fora da empresa (contudo no teletrabalho o local de trabalho será no domicílio do trabalhador).

Parece-nos que na interpretação em causa, não estão cumpridas as regras de interpretação definidas no Código civil, a saber:

Artigo 9.º - (Interpretação da lei)


       1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

       2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

       3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.


Vejamos o teor de alguns desses  Acordãos:


O Acórdão do TRE de 30 de agosto de 2012,  decidiu que: “Se o trabalhador permanece no local de trabalho e está disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho, mas já se o trabalhador permanece fora do seu local de trabalho, por exemplo em casa, em que pode ainda que de uma forma limitada gerir os seus próprios interesses e desenvolver, até, atividades à margem da relação laboral que mantém com a entidade empregadora, apesar de se encontrar disponível para trabalhar para esta, como regra, esse período de tempo, não pode considerar-se tempo de trabalho.”

Nota: a diferenciação para a integração ou não no conceito de tempo de trabalho da disponibilidade, dependerá do local de trabalho do trabalhador (se for na empresa sim, ser for em casa não) ou seja, é um critério que valoriza o fator espacial em detrimento do reconhecimento do fator Trabalho, inerente ao trabalhador, independentemente da sua localização.


O Acórdão do STJ de 9 de janeiro de 2019, determinou “Não estando o trabalhador, obrigado a permanecer nas instalações da empregadora, mas apenas contactável 24 horas por dia e disponível para efetuar os serviços de  sempre que fosse necessário, apenas os períodos em que efetivamente realizou estes serviços devem ser considerados tempo de trabalho.”

Nota: valoriza na disponibilidade apenas o trabalho que seja realizado e não a disponibilidade em si. É um critério formal e não substancial, pois o trabalho exerce-se independentemente do local.


O Acórdão do STJ de 19 de novembro de 2008, conclui que : “Se o trabalhador permanece no seu local de trabalho e se encontra disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece disponível ou acessível para trabalhar, mas fora do seu local de trabalho ou do local controlado pelo empregador (por exemplo, no seu domicílio), esse período de tempo deve considerar-se como tempo de repouso.” 


Nota: Formula um outro critério, valorizando como tempo de trabalho a disponibilidade se o trabalhador estiver na empresa e considerando como repouso (descanso) quando a disponibilidade se exerce no domicilio. Expressa um critério formal (espacial) e viola o conceito de tempo de descanso.


Contudo vários juslaboralistas, supra citados, defendem posição contrária - ou seja, a disponibilidade é tempo de trabalho, independentemente do local de prestação -  como já enunciámos de forma fundamentada.

Destacamos  na obra “Trabalho e o tempo: comentários ao Código do Trabalho” de Francisco Liberal Fernandes”, nomeadamente, o essencial da sua argumentação, subscrevendo posição da generalidade da doutrina:

“Se a determinação do tempo de trabalho efetivo não apresenta dificuldades do ponto de vista jurídico, dada a correspondência que se verifica entre o conceito legal e a realidade empírica, o critério da disponibilidade para trabalhar compreende diferentes situações em que a distinção entre tempo de trabalho e tempo de descanso nem sempre se afigura inequívoca. O trabalhador permanece adstrito ao exercício da sua atividade quando, durante o período de trabalho (normal ou suplementar), está juridicamente obrigado a obedecer às instruções do empregador, não beneficiando por esse motivo de autonomia (ou de um grau de autonomia relevante) para gerir o seu próprio tempo, isto é, para poder ocupar-se de modo pleno da sua vida pessoal (como sucede durante os períodos de descanso). Não obstante verificar-se uma situação de inatividade efetiva por facto não imputável ao trabalhador, há disponibilidade para o trabalho quando subsiste na íntegra o dever de trabalhar e, portanto, sempre que se mantém a obrigação de o trabalhador se conformar com as ordens emanadas da entidade patronal, como sucede, por exemplo, nos regimes de prevenção ou à chamada (on call ou on standby). Por outro lado, enquanto a noção de tempo de trabalho (efetivo) compreende o período em que o trabalhador tem o dever de estar presente no local de trabalho fixado pelo empregador e à disposição deste para realizar a sua prestação laboral, o conceito de disponibilidade para trabalhar não supõe necessariamente a presença física do trabalhador no local de trabalho — em sentido diferente, veja-se o acórdão do TRE, de 30-8-2012 (p. 115/11.9)”. 

Com efeito, nos termos do artº. 197º, n.º 1, a noção de tempo de trabalho tem por referência apenas a obrigação do trabalhador permanecer às ordens do empregador e de iniciar, de imediato ou dentro de um determinado intervalo de tempo conforme o estipulado, a sua atividade laboral quando lhe for exigido.

Assim, no atual quadro normativo e sem prejuízo de regimes especiais (por exemplo, o consagrado no DL n.º 237/2007, de 19-6) considera-se tempo de trabalho o período em que o trabalhador se mantém à disposição do empregador, seja no seu posto de trabalho ou noutro local indicado pela entidade patronal (ou escolhido pelo trabalhador, se tal lhe for facultado). Com a dicotomia tempo de trabalho/ tempo de descanso, o legislador nacional excluiu, em princípio, qualquer outra qualificação intermédia ou específica (tertium non datur), pelo que, no atual ordenamento laboral, não se afigura possível qualificar como período de descanso o tempo de disponibilidade no sentido anteriormente delimitado. 

 A noção contida no artº. 2º da Convenção n.º 30 da OIT (duração do trabalho no comércio e serviços) expressa que “para os fins da presente convenção, é considerada como duração do trabalho o tempo durante o qual o pessoal está à disposição do empregador; serão excluídos os descansos durante os quais o pessoal não está à disposição do empregador”— é recorrente definir tempo de trabalho com base na situação de disponibilidade do trabalhador perante a entidade patronal, em substituição  do critério da atividade efetiva. Trata-se de uma formulação mais abrangente — de certa forma compreendida na ideia de obrigatoriedade inerente à noção de período normal de trabalho — uma vez que permite compreender aqueles períodos em que subsiste o direito de o empregador exigir o cumprimento da atividade laboral, ainda que o trabalhador não se encontre no local de trabalho, assim como os períodos em que a ausência de prestação decorre de situações que se enquadram no âmbito do risco da atividade empresarial (p.e. falta de matéria--prima, de energia, de clientes). Segundo o critério da disponibilidade, são considerados tempo de trabalho os períodos despendidos pelo trabalhador entre o local de trabalho e o posto de trabalho (e o correspondente regresso), os períodos que sejam particularmente indispensáveis à preparação do exercício efetivo da atividade laboral ou o tempo gasto com os especiais cuidados de saúde, segurança e higiene exigidos pela própria natureza do trabalho ou pelas normas legais ou convencionais aplicáveis. 


O direito comunitário não impede que a lei portuguesa qualifique como tempo de trabalho apenas os períodos de prestação efetiva trabalho e os períodos de prevenção assegurados em regime de presença no local de trabalho, incluindo, eventualmente, o tempo gasto nas deslocações do domicílio para o local de trabalho (active on call time), mas não as horas de simples prevenção ou de localização (inactive on call time). Porém,  não foi essa a opção do legislador nacional - o que não deixa de trazer dificuldades de organização do tempo de trabalho nas atividades que funcionam ininterruptamente -  pelo que, em face do estatuído no artº. 197º (que é uma norma imperativa mínima), julgamos não haver diferenças de qualificação entre aquelas duas situações, ou seja, entre a prestação efetiva trabalho e os períodos de prevenção em regime de presença no local de trabalho, por um lado, e o regime de localização ou de chamada em que o trabalhador não permanece no local de trabalho, por outro. Em sentido diferente, veja-se o TRL de 12-7-2014 (p. n.º 715/13.3).


O conceito de tempo de trabalho do CT compreende assim as situações em que o trabalhador está obrigado a permanecer acessível ou disponível para responder a eventuais necessidades de laboração, ainda que não possa ausentar-se das proximidades do local de atividade (embora as novas tecnologias permitam o contacto) porém este fica obrigado a interromper qualquer tarefa que esteja a realizar a fim de cumprir a ordem do empregador. Durante o período de prevenção ou de disponibilidade, o trabalhador tem a possibilidade ainda que limitada (em maior ou menor grau, de acordo com as circunstâncias concretas) de gerir com autonomia o seu tempo e dedicar-se aos seus interesses ou ocupações pessoais, o que significa que desfruta de uma liberdade maior do que aquele que, embora em situação de inatividade, está presente no local de trabalho. Apesar disso, aquela disponibilidade não é equiparável à liberdade que o trabalhador pode desfrutar, durante os períodos de descanso em que dispõe de autonomia plena para gerir o seu tempo.



Em termos conclusivos, do que temos referenciado, fundamentado quer nos termos da legislação internacional, comunitária e nacional, quanto à qualificação da disponibilidade do trabalhador, como tempo de trabalho, resulta, de forma que consideramos inequívoca, ser defensável esta posição, pois de outra forma, a exclusão da disponibilidade, nesse conceito, seria admitir a desregulação total da duração do tempo de trabalho, o exercício ilimitado da prestação  de trabalho, a ausência de descanso, pois teríamos um trabalhador a cumprir os limites máximos da duração do tempo de trabalho a que acresceria um outro tempo (de disponibilidade) que redundaria numa hiperconexão à empresa (24/24 horas) sem períodos de descanso, sem feriados, o que violaria os direitos fundamentais do trabalho.


Conclusão


Dos temas abordados neste apontamento - direito à desconexão e regime da disponibilidade permanente - temos de admitir, quanto ao primeiro,  o direito do trabalhador a usufruir do seu tempo de descanso diário e semanal e como tal, por norma, poder “desligar-se” do trabalho e das suas funções, no exercício do  designado “direito à desconexão”, consagrado no Código do Trabalho, de forma implícita no artº199 -A e explícita nos demais direitos laborais decorrentes do regime da duração do tempo de trabalho (p.e. direito ao descanso, diário e semanal,  limites máximo da duração do tempo de trabalho) e por outro lado, no que se refere à designada “disponibilidade permanente”, sublinhar a evidência do questionamento da legalidade desta opção, muito menos como “permanente”, sobretudo na interpretação que valide a permissão plena disponibilidade do trabalho, de forma ilimitada e contrariando os direitos fundamentais, no que se refere à duração do tempo de trabalho, admitindo a necessidade da sua regulamentação legal e/ou convencional, para circunscrever este regime a situações específicas e delimitadas, em áreas específicas mas só realizáveis com Acordo dos interessados, cumprindo os preceitos legais e os limites decorrentes, no justo equilíbrio entre as necessidades da empresa, as exigências decorrentes das inovações tecnológicas e os direitos indisponíveis e fundamentais dos trabalhadores, compensando essa disponibilidade,  com suplemento remuneratório substancial,  para desincentivar este recurso e circunscrevê-lo às reais situações bem definida, temporárias e limitadas.

Resumindo este apontamento, diríamos, em nosso entender, de forma objetiva e concisa,  que a desconexão é um direito do trabalhador  e como tal deve ser concretizado e quanto à dita disponibilidade (nunca permanente)  deverá ser admitida de forma condicionada e integrando o conceito de tempo de trabalho, com as consequências advenientes ( ex vi os limites da duração do tempo de trabalho, o direito ao descanso), não deixando de evidenciar que suscita sérias dúvidas de legalidade, nos contornos e forma como ocorrem tais situações, na prática, sobretudo no sector privado, não raro impostas e não contratualizadas,.

No sector público, na generalidade, a disponibilidade assenta em situações especiais e fundamentais no interesse público e na sua emergência social, enquadradas em normas legais, pese embora, se verificarem aplicações práticas, de disponibilidade formal, que apenas possibilitam acréscimos remuneratórios (30%).

Em termos práticos, para obviar lacunas, omissões, controvérsias, divergências e excessos, a nosso entender, seria desejável e  clarificador, com vantagens evidentes, a elaboração de legislação própria alusiva a estes regimes, inserida no Código do Trabalho (CT) e no Regime jurídico do contrato de trabalho em funções públicas (RJCTFP).

As novas tecnologias da comunicação e informação, que permitem desenvolvimento, progresso, proximidade e pleno contacto entre todos, a qualquer hora, num mundo global, que determinam novas formas de prestação do trabalho, mais funcionais e operativas, mas às vezes intrusivas,   devem ser meios de valorização e melhoria da Sociedade e das pessoas, mas salvaguardando sempre a dignidade do Trabalho e a conciliação da vida pessoal, profissional e familiar. 


1 de agosto de 2024


*Rui Gonçalves da Silva/jurista/assuntos laborais