* Da legalidade de exigência de prova de vacinação contra o COVID-19 em contexto laboral

DA LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DE PROVA/CERTIFICAÇÂO, DA VACINAÇÃO CONTRA A COVID 19, NO CONTEXTO LABORAL

 

introdução

Face à situação pandémica provocada pelo COVID 19, que se tem prolongado no tempo (em julho de 2021 prefaz mais de 16 meses e não se vislumbra ainda  o seu término) e ao constante aumento dos casos positivos a que acresce  o surgimento de novas estirpes, mais gravosas e infetantes, muitas  instituições e empresas, sobretudo  de grande dimensão e em sectores de risco, estão  a impor a obrigatoriedade de vacinação dos seus colaboradores/trabalhadores, como condição de acesso e de desempenho das suas funções, em defesa da saúde dos mesmos, dos demais trabalhadores e utentes/clientes da empresa/instituição, numa lógica de prevenção, contudo esta medida tem suscitado dúvidas da sua legalidade.

Embora a vacinação contra o Covid 19, não seja obrigatória na generalidade dos países, a OMS e os serviços de saúde, recomendam vivamente a adesão à vacina, pela óbvias vantagens  de proteção e de estanque da propagação da pandemia, além de criar alguma imunidade individual e grupal, o que tem motivado forte empenho na campanha de vacinação, o mais abrangente possível, instando a que todos se vacinem, criando facilidades de mobilidade, através do certificação dos vacinados com a dosagem completa.

Verifica-se que existem países ( p.e. Itália e França ) que  têm imposto a obrigatoriedade da vacinação a grupos profissionais específicos ( saúde, apoio social, educação), em defesa da saúde dos utentes dessas atividades, pelo que podemos encontrar apoio legal, pelo menos, na obrigatoriedade,em profissões e atividades que comportem risco acrescido, o que pode incluir empresas e instituições que se enquadrem nestas especificidades.

O recomendável será a elaboração de enquadramento legal, para que essa obrigatoriedade - mais restrita ou alargada, ou mesmo geral - seja prevista, pelo menos de forma transitória, enquanto perdurar o surto pandémico e os epidemiologistas aconselhem tal prática, contudo entendemos que no quadro jurídico vigente - Constituição, Código do trabalho e legislação alusiva à situação de combate à pandemia - poder-se-à fundamentar o recurso à adoção de tal obrigatoriedade, em contexto laboral, de prevenção da segurança e saúde no trabalho, através de regulamento interno e plano de contingência, se não de forma genérica, pelo menos em situações de evidente risco e prejuízos evidentes,  para a empresa/instituição, para os demais trabalhadores e utentes.

A solicitação da prova de vacinação pelas empresas aos seus trabalhadores, constitui uma medida de incentivo à vacinação - exigência que é objeto de algum questionamento quanto à sua legalidade,com opiniões  distintas e divergentes dos juslaboralistas - pelo que o evocado direito de recusa, como expressão de direito individual, pode colidir com interesses mais amplos e superiores, de saúde pública e de interesse nacional, num contexto problemático e gravosos de pandemia, com consequências tão trágicas, com elevado número de infetados, de doentes em cuidados intensivos e de óbitos, factores que implicam medidas drásticas em termos de economia, com recursos a confinamento e de limitação de actividades.

Por isso é dito que a questão é mais profunda do que o simples direito de recusa à vacinação por parte do cidadão/trabalhador, envolve a ponderação de outros valores que se sobrepõem aos direitos individuais, ou seja, a vida humana, o bem comum, a saúde pública, a economia de cada País e de forma global, do mundo, pois o vírus e a pandemia não conhece fronteiras.

Quanto à legalidade da exigência da prova de vacinação (certificado digital) pelos empregadores, entendem alguns juristas que “  para que a vacina possa ser considerada obrigatória nas empresas, terá de ser aprovada lei na assembleia da república - ou em alternativa, diploma do governo mediante autorização da assembleia, que preveja tal dever e os critérios da obrigatoriedade, bem como as consequências da sua recusa pelo trabalhador”. Esta posição é reforçada, segundo aqueles, pelo facto  desta não ser matéria da competência do empregador.

Outro juristas de forma mais moderada, entendem ser legitima a posição dos empregadores, que exijam a prova da vacinação, como medida preventiva em defesa da saúde pública,e dos interesses de segurança e saúde em cada local de trabalho, considerando não ser aceitável, nem legal, a recusa, pois está em causa valores superiores,ou seja, a vida das pessoas ( O direito à vida está previsto no artº 24º da CRP) o que pode implicar, em última instância despedimento com justa causa  por desobediência de ordem legitima do empregador.

Sabemos que a vacina contra a COVID-19 é voluntária, ou seja, apenas é vacinado quem o desejar, contudo, as autoridades de saúde recomendam fortemente a vacinação contra a COVID-19 como meio para controlar a pandemia, pela defesa e proteção de cada cidadão e visando a designada imunidade de grupo.

Em Portugal, apenas as vacinas contra a difteria e o tétano são obrigatórias, pois que o cumprimento da toma das vacinas do Programa Nacional de Vacinação, na generalidade inserem-se em campanhas preventivas.As  exceções quanto à sua obrigatoriedade da vacina contra a difteria e o tétano, q aplica-se nos seguintes casos:

-Para a matrícula num estabelecimento de ensino é exigido as vacinas atualizadas contra a difteria e o tétano.

-Para realizar um exame num estabelecimento de ensino também é necessário  ter as vacinas atualizadas contra a difteria e o tétano.

 

 

 

Dispõe o Decreto-Lei n.º 44198 de 1962-02-20 :

 

Artigo 1.º

É obrigatória a vacinação antidiftérica e antitetânica de todos os indivíduos domiciliados no País, dos 3 aos 6 meses de idade, com administração de doses de reforço, pela primeira vez, entre os 18 e os 24 meses e, pela segunda vez, entre os 5 e os 7 anos de idade.

Art. 2.º

Nenhum indivíduo com menos de 10 anos poderá frequentar ou fazer exame em qualquer estabelecimento de ensino sem que, por certificado médico ou atestado da respectiva autoridade sanitária, prove que se encontra devidamente vacinado contra a difteria.

Art. 3.º

Para além dos 7 anos de idade e sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, a vacinação antitetânica é obrigatória de cinco em cinco anos para os indivíduos que exerçam qualquer das actividades constantes de lista a publicar por portaria do Ministro da Saúde e Assistência.

Art. 4.º

Nenhum indivíduo poderá frequentar ou fazer exame em qualquer estabelecimento de ensino ou ser admitido em quaisquer funções públicas, dos corpos administrativos, dos organismos corporativos e de coordenação económica ou das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa sem que, por certificado médico ou atestado da respectiva autoridade sanitária, prove que se encontra devidamente vacinado contra o tétano. A prova desta vacinação será também exigida para o exercício das actividades que vierem a ser incluídas na lista a que se refere o artigo 3.º

Desde sempre a difteria e o tétano têm constituído séria preocupação para os serviços de saúde. E o exame das taxas de morbilidade e de mortalidade relativas a estas doenças demonstra que elas mantêm ainda hoje um nível elevado, em relação ao que seria para desejar. Assim, registaram-se 206 óbitos por difteria e 334 por tétano em 1955 e, apesar das intensas campanhas de imunização realizadas nos últimos anos, houve 150 óbitos por difteria e 264 por tétano em 1960.

 

 

 

 

 

Obrigatoriedade da vacina contra o COVID 19

 

Quanto à determinação expressa da obrigação da vacinação contra a COVID-19, tal não se verifica, pois a situação é recente e decorre da própria dinâmica do combate à pandemia, mediante os recursos que vão surgindo (como é o caso das vacinas) e por isso, as entidades responsáveis da Saúde, em termos nacionais e internacionais, acentuam a via da sensibilização/informação para obter a adesão voluntária mais ampla à vacinação e como tal não existem normas impondo tal obrigação.

 

Entretanto, a Itália foi o primeiro país da União Europeia a decretar a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19, mas apenas para os profissionais de saúde, estando previstas sanções para quem se recusar.

Recentemente a França anunciou a obrigatoriedade da vacinação para determinadas profissões, admitindo a sua extensão progressiva a outros sectores e atividades.

O Governo britânico anunciou que  a vacina contra a covid-19 será obrigatória para todos os funcionários de lares de idosos em Inglaterra.

 

“A vacina tem em vista proteger o próprio, mas, sobretudo, tem em vista proteger a sociedade”, ou seja, “há um benefício para os outros”.

Se por um lado está em causa a proteção da saúde pública (bem maior)do outro lado está o direito à liberdade e à integridade física individual,  também consagrados na Constituição.

A toma de qualquer medicamento necessita, à luz do Direito da Saúde, do consentimento do paciente,  e o cidadão pode recusar – à exceção dos casos de saúde mental, “quando se está a pôr em perigo bens jurídicos”.  A vacinação obrigatória será, nesta perspetiva, de facto, “uma restrição à liberdade da pessoa e por isso só numa situação muito excecional é que pode ser imposta”. Mas não duvida que “para proteger a vida e a saúde das pessoas, como ocorre num surto pandémico, com tantos óbitos e constrangimentos, poderá ser um caso em que se justificaria tal imposição.

 

O princípio da proporcionalidade, que está consagrado na Constituição: determina:

Art. 18.ºnº2 - “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”

 

 

Alguns especialistas defendem que a vacinação, por princípio,  dever ser voluntária e nesta perspetiva seria um enorme erro torná-la obrigatória, relativizando as estimativas de pessoas que não querem ser vacinadas: "Quem recusar receber a vacina deve ser respeitado”. Os relatórios revelam  que menos de 10% da população recusa  a vacina.

"Temos de ganhar a confiança das pessoas para aderirem ao processo de vacinação. Se não a ganharmos, as vacinas vão servir de pouco. Temos de ser capazes de gerir a incerteza, garantindo que a vacina é segura, que os portugueses devem aderir e que o plano está a ser preparado com toda a cautela".

Refira-se que a legislação portuguesa permite que em situação de epidemia e para defesa da saúde pública uma vacina possa ser obrigatória .

 

 

A exigência da  vacinação das empresas aos seus colaboradores

Em termos gerais, nesta luta e combate contra a pandemia do COVID-19, surgiram num tempo recorde várias vacinas e estas surgem como  meio eficaz de debelar o flagelo, o que levou ao inicio de campanhas de vacinação em massa com a adesão  significativa, como dever cívico e contributo de cada um e de todos em prol da saúde pública.

A meta é alcançar o número máximo de vacinados, de acordo com a disponibilização possível de vacinas, para obter a imunidade geral, o que implica a adesão de todos ou de muitos  - o que representa uma obrigação cívica de todos.

A par da vacinação, está a realização de  testes à Covid-19 no regresso ao trabalho e nas situações de risco, que constitui também um meio de prevenção que as empresas devem adotar.

Nesse sentido, o MTSSS alerta que “as empresas podem exigir aos trabalhadores a apresentação de teste negativo, desde que se trate de uma decisão do médico do trabalho e no âmbito da saúde e segurança no trabalho”, com a condição  “desde que o teste não tenha custos para o trabalhador”.

O setor das viagens e eventos, bem como países dependentes do turismo e universidades, rapidamente adotaram a exigência de prova de vacinação para o acesso às demais atividades, enquanto vários governos testam os “passaportes de vacinas”. Garantir um local de trabalho seguro e que ao mesmo tempo respeite as opções dos seus trabalhadores apresenta-se como um novo desafio para a liderança das empresas, levantando um conjunto difícil de questões práticas e de estratégia de negócios que vai muito além da distribuição e eficácia das próprias vacinas.

 

David Rodin, Filósofo e Fundador da Principia, uma empresa de consultoria em ética empresarial, reafirma que “todas as sociedades aceitam alguns riscos porque os benefícios superam o dano potencial. Ao mesmo tempo, a justificação das suas decisões sobre os riscos que aceitam assumir requer uma conversa aberta e a criação de um consentimento baseado nas melhores informações. Um dos princípios básicos do consentimento é que ele deve ser devidamente informado e, portanto, se as pessoas não perceberem a natureza do risco, o consentimento não faz sentido”.

 

“Embora entender a natureza de um risco seja crucial para tomar uma decisão ética, é igualmente importante perceber o que pensam os colaboradores acerca da possibilidade de vir a ser vacinados e quais as suas motivações. Deve ser tomado como um sinal de alerta quem se recusa a ser vacinado por simplesmente não querer fazer esse esforço, ou decide, de forma egoísta, continuar exposto ao vírus enquanto outros estão a contribuir para o alcance de uma imunidade de grupo. Contudo, há pessoas que sentem receio pelo facto de a vacina ter sido aprovada muito rapidamente, enquanto outros apresentam razões médicas ou religiosas”.

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Consequência da recusa do trabalhador  da vacina contra covid-19

 

No caso da vacina contra a covid-19 convém referir que apesar de até ao momento , não existir nenhuma determinação geral expressa,  estabelecendo sua obrigatoriedade, isso não condicionará nem impede a legitimidade de  outras opções, no sentido de assegurar  tal exigência,como evidenciaremos.

 

 Recomendação da DGS

A  Orientação nesta matéria da DGS, descreve as principais etapas que as empresas devem considerar para estabelecer e atualizar o Plano de Contingência para a COVID-19, designadamente os procedimentos  a adotar perante um caso possível (trabalhador com sintomas) e um caso confirmado, assim como para a deteção ativa e precoce de casos de infeção por SARS-CoV-2 nas empresas. As situações não previstas nesta Orientação devem ser avaliadas caso a caso. As Normas e as Orientações da DGS, citadas na presente Orientação, devem ser sempre consideradas pelas empresas na sua versão atual.

Os Serviços de SST das empresas devem assumir um papel relevante na elaboração e aplicação do Plano de Contingência para a COVID-19, visando, em particular: a. Prevenir e controlar a transmissão da infeção por SARS-CoV-2 nos locais de trabalho; b. Prevenir e controlar outros riscos profissionais que, direta ou indiretamente, estão associados à COVID-19 ou são agravados por esta; c. Minimizar o impacte da infeção por SARS-CoV-2 nos trabalhadores mais vulneráveis;Proceder à monitorização da evolução epidemiológica da COVID-19 na população trabalhadora da empresa.

A vacinação contra a SARS-CoV-2 não tem, em Portugal, cariz obrigatório expresso em disposição legal,pelo que e salvo futura alteração legislativa, não podem os empregadores exigir aos candidatos a emprego e/ou aos seus trabalhadores, prova de tal vacinação como requisito de acesso às suas instalações ou mesmo de acesso a determinado posto de trabalho.

Igual solução se impõe em relação à realização de testes à doença Covid-19 – sem prejuízo das especificidades inerentes a atividades cujos riscos poderão comportar um outro tipo de entendimento.

Em suma, a necessidade de proteção contra o contágio por SARS-CoV-2 não legitima a adoção de medidas de rastreamento da presença do vírus.

Com efeito, as alterações profundas que a pandemia impôs no contexto laboral obrigam o empregador a um acompanhamento por perto das mais recentes orientações da Direção Geral de Saúde e da Comissão Nacional de Proteção de Dados e a analisar, caso a caso, as melhores soluções para um regresso progressivo ao regime de trabalho presencial, o que acarretará, designadamente, o reforço de cuidados de higiene no local de trabalho e a adoção de novas medidas organizativas.

 

A COVID-19 -  doença causada pelo Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave  (de forma abreviada «SARS-CoV-2» - , ocasionou uma disrupção, sem precedentes, do trabalho e da sociedade em geral , desencadeando profundas e rápidas mudanças laborais, com sérias implicações na atividade, organização e condições de trabalho, para além de impor exigentes e complexos desafios ao nível da saúde e segurança dos trabalhadores. A pandemia da COVID-19 realçou que uma adequada prevenção e controlo da infeção por SARS-CoV-2 nos locais de trabalho pode “salvar vidas” (dos trabalhadores e, consequentemente, de familiares e da comunidade que integram), destacando a importância dos Serviços de Saúde e Segurança do Trabalho1 - SST (também denominados por Serviços de Saúde Ocupacional), organizados pelo empregador ao abrigo do “Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho” – RJPSST (Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, na sua atual redação).

 A pandemia colocou ainda em evidência que, para se limitar o impacte negativo que a COVID-19 ocasionou a nível económico e social e assegurar um desenvolvimento sustentável, é fundamental alicerçar a responsabilidade social das empresas à proteção e promoção da saúde e bem-estar dos trabalhadores . Atribuir prioridade à SST criará confiança e segurança indispensáveis ao funcionamento, produtividade e progresso de qualquer empresa. No âmbito ocupacional o SARS-CoV-2 integra a lista de agentes biológicos reconhecidamente infeciosos para os seres humanos e está classificado como agente biológico do grupo 3 (Decreto Lei n.º 102-A/2020, de 9 de dezembro, que altera o Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de abril). Assim, visando alcançar ambientes de trabalho seguros e saudáveis, importa garantir uma prevenção adequada tendo em conta os princípios gerais de prevenção (artigo 15.º do RJPSST).

 

A questão da obrigatoriedade em geral ou  limitada da vacinação

 

Vivemos num  tempo de exceção, com as condicionantes e medidas que a pandemia impõe, situações inovadoras, determinam soluções ajustadas, com a prevalência do bem comum e da salvaguarda da vida das pessoas.

Neste tempo e  ao longo desta pandemia, surgiram centenas de disposições legais, enquadradas pelo estado de emergência e de calamidade, e apesar de até à data não ter sido adotada disposição legal que determine a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID 19, não obstante ser considerado a extrema importância a vacinação, como recurso e medida para conter e debelar a pandemia, criando alguma imunidade geral.

Como em todas as questões, a opção da vacinação não tem acolhimento absoluto, pois surgem sempre movimentos negacionistas e que não reconhecem eficácia das vacinas, pelo que existem teses contra e a favor da sua administração e da sua obrigatoriedade.

É alegado que "Apesar do argumento da preservação da saúde da coletividade, enquanto não houver lei prevendo como requisito para manutenção ou admissão no emprego a vacinação contra o coronavírus, é inviável a iniciativa do empregador de romper o vínculo, com ou sem justa causa. Com justa causa não seria possível, pois não haveria falta grave do empregado; sem justa causa não seria praticável, pois a dispensa poderia ser considerada discriminatória e, portanto, abusiva". 

"Se a empresa inseriu no seu regulamento interno regras sobre adesão à campanha de vacinação da Covid-19, cabe aos trabalhadores observarem as normas de segurança e medicina do trabalho. Caso o trabalhador se recuse a tomar a vacina, poderá ser impedido de entrar na empresa. Além disso, poderá ser advertido ou suspenso do trabalho. Caso ele insista na recusa, após a aplicação das penas disciplinares, poderá ser demitido com justa causa".

 

“A Vacinação para a covid-19 só pode ser obrigatória se for  aprovada  lei , nesse sentido, embora no atual quadro legal a vacinação contra a covid-19 já pode ser obrigatória”, porém vários especialistas discordam. Alguns constitucionalistas admitem “tensão” com direitos constitucionais, mas defendem que a saúde pública pode e deve prevalecer.

 

 

 

 

Regime da falta ao trabalho para efeitos de vacinação

 

A situação não está especificamente prevista no Código do Trabalho, mas existe o entendimento geral que faltar ao trabalho para a toma da vacina contra a Covid-19, não pode implicar cortes salariais.

Faltar ao trabalho para  a vacinação contra a Covid-19 não deve implicar qualquer perda de remuneração, pois as faltas em questão devem ser consideradas justificadas, sem perda salarial, já que resultam de uma impossibilidade para a prestação de trabalho que não é da responsabilidade do trabalhador. Além disso, apesar de não ser obrigatória, a vacinação tem sido fortemente recomendada, como forma mitigada de obrigação cívica de contribuir para a imunidade de grupo.

“A questão não está especificamente regulada, mas  a presença num centro de vacinação é equiparável a uma consulta, por regra, essas são faltas justificadas e as empresas não deixam de pagar a retribuição“. Além disso, embora a vacina contra a Covid-19 não seja obrigatória, “mas quase que existe um dever cívico de sermos vacinados para o bem comum“, o que reforça a interpretação de que da falta ao trabalho por esse motivo não deve resultar perda de remuneração do trabalhador.

A falta  para a vacinação contra a Covid-19 não está prevista de forma directa, mas é defensável, que seja enquadrada nas faltas justificadas sem perda de retribuição “motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador” (conf. alínea d ) do nº2 do artº 249º do CT).

 

Quadro legal vigente:avaliação do enquadramento da vacinação/exigência ou recusa

 

Para uma apreciação jurídica da questão da legalidade da exigência de vacinação ou da legitimidade da recusa, atentemos nas principais disposições legais aplicáveis:

 

Regime previsto no Código do trabalho - Lei nº7/2204 de 12 de fevereiro

1. Artigo 16.º- Reserva da intimidade da vida privada

1 - O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.

2 - O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.

2. Artigo 17.º - Proteção de dados pessoais

1 - O empregador não pode exigir a candidato a emprego ou a trabalhador que preste informações relativas:

a) À sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias e relevantes para avaliar da respetiva aptidão no que respeita à execução do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação;

b) À sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação.

2 - As informações previstas na alínea b) do número anterior são prestadas a médico, que só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto a desempenhar a atividade.

 

3.Artigo 19.º- Testes e exames médicos

1 - Para além das situações previstas em legislação relativa a segurança e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação.

2 - O empregador não pode, em circunstância alguma, exigir a candidata a emprego ou a trabalhadora a realização ou apresentação de testes ou exames de gravidez.

3 - O médico responsável pelos testes e exames médicos só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto para desempenhar a actividade.

 

4.Artigo 99.º - Regulamento interno de empresa

1 - O empregador pode elaborar regulamento interno de empresa sobre organização e disciplina do trabalho.

Nota: seria recomendável, para além do Plano de Contingência que a legislação COVID-19 exige, que a empresa elabore regulamento/orientação sobre as medidas a adotar no contexto da pandemia, no qual seja explicitado o regime a adotar quanto à testagem e à vacinação, nomeadamente da sua obrigatoriedade ou não.

5.Artigo 128.º -Deveres do trabalhador

nº1

e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;

 

6.Artigo 281.º-Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho

1 - O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.

 

7.Artigo 328.º - Poder disciplinar

Sanções disciplinares

1 - No exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções:

a) Repreensão;

b) Repreensão registada;

c) Sanção pecuniária;

d) Perda de dias de férias;

e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade;

f) Despedimento sem indemnização ou compensação.

 

8.Artigo 351.º - Noção de justa causa de despedimento

2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:

a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;

 

9.Lei n.º 102/2009 de 10 de Setembro - Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho

Artigo 5.º - Princípios gerais

1 - O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou colectiva, que detenha a gestão das instalações em que a actividade é desenvolvida.

10.Artigo 15.º - Obrigações gerais do empregador

1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.

d) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos factores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;

 

11.Artigo 17.º- Obrigações do trabalhador

1 - Constituem obrigações do trabalhador:

a) Cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador;

b) Zelar pela sua segurança e pela sua saúde, bem como pela segurança e pela saúde das outras pessoas que possam ser afectadas pelas suas acções ou omissões no trabalho, sobretudo quando exerça funções de chefia ou coordenação, em relação aos serviços sob o seu enquadramento hierárquico e técnico;

12.Artigo 44.º - Vigilância da saúde

1 - Sem prejuízo das obrigações gerais em matéria de saúde no trabalho, o empregador deve assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores em relação aos quais o resultado da avaliação revele a existência de riscos para o património genético, através de exames de saúde, devendo ser realizado um exame antes da primeira exposição.

2 - A vigilância da saúde referida no número anterior deve permitir a aplicação dos conhecimentos de medicina do trabalho mais recentes, ser baseada nas condições ou circunstâncias em que cada trabalhador tenha sido ou possa ser sujeito à exposição a agentes ou factores de risco e incluir, no mínimo, os seguintes procedimentos:

a) Registo da história clínica e profissional de cada trabalhador;

b) Entrevista pessoal com o trabalhador;

c) Avaliação individual do seu estado de saúde;

d) Vigilância biológica sempre que necessária;

e) Rastreio de efeitos precoces e reversíveis.

 

 

 

13.Artigo 98.º - Atividades principais do serviço de segurança e de saúde no trabalho

1 - O serviço de segurança e de saúde no trabalho deve tomar as medidas necessárias para prevenir os riscos profissionais e promover a segurança e a saúde dos trabalhadores, nomeadamente:

a) Planear a prevenção, integrando a todos os níveis e, para o conjunto das actividades da empresa, a avaliação dos riscos e as respectivas medidas de prevenção;

 

Nota: A enunciação das várias disposições aplicáveis, no contexto laboral, fundamentam o enquadramento legal da tese que subscrevemos, nesta dicotomia, em relação à legalidade ou não da exigência do empregador, do comprovativo de vacinação contra a COVID-19, como condição para prestar trabalho.

 

 

 

 

Concluindo

 

Depois da apresentação genérica dos vários entendimentos e perspetivas quanto à legitimidade ou não da obrigatoriedade da vacinação,em termos gerais e numa avaliação no contexto da Sociedade, circunscrevendo a questão à sua dimensão laboral e ao universo de cada instituição/empresa, e da exigência pelo empregador de comprovativo,da vacinação completa contra o COVID-19, como elemento/requisito para prestar trabalho, temos a referir o seguinte, como fundamento para a posição que apresentamos:

1. Importa ter presente que estamos num contexto de pandemia (desde março de 2020 e que subsiste ainda em Julho de  2021, em plena 4ª vaga e sem previsão do seu términus) que implicou a declaração de estado de emergência e de calamidade e a consequente adoção/imposição de medidas restritivas dos direitos, liberdades e garantias, face à dimensão humana, económica e social do problema;

2. Em termos de relação laboral, implicou medidas a nível sectorial e de cada instituição/empresa, no sentido da contenção da pandemia, com recurso a medidas extremas, como limitação/redução/cessação de funcionamento, recurso ao teletrabalho obrigatório;

3. A exigência das empresas elaborarem Planos de Contingência para combate à pandemia e defesa da segurança e da saúde dos trabalhadores e utentes/clientes;

4. Da obrigatoriedade do confinamento e do   isolamento profilático dos trabalhadores com COVID 19  ou conviventes;

5. Com a implementação  da vacinação, não obstante não ter sido decretada a sua obrigatoriedade, esta surge como recurso aconselhável para a obtenção de imunidade e proteção, na doença e na sua propagação, sendo recomendável, como dever social e cívico a sua toma;

6. Existem instituições e empresas, cuja actividade implica redobrados esforços e cuidados na obtenção de padrões de imunidade, em defesa dos seus clientes/utentes, obstando e evitando surtos internos de contaminação, com consequências negativas em termos sociais, pessoais e económicos;

7. Os interesses colectivos e gerais de cada empresa, em termos de saúde e de viabilidade económica e de manutenção dos restantes postos de trabalho, suplantam os eventuais interesses e objeções individuais

8. Existe a obrigatoriedade geral de cumprimento das determinações de confinamento e de regras de segurança e saúde, impondo comportamento individuais de segurança, proteção e distanciamento social e uso de máscara, para evitar contaminação e propagação do vírus, sob pena de sancionamento;

9. Refira-se que a obrigatoriedade da vacinação já é exigível, pois que a partir de julho de 2021, para a estadia em hotéis em todo o País e no interior de restaurantes de 60 concelhos de risco elevado e muito elevado, durante o fim de semana, passa a ser obrigatório a apresentação de certificado digital (vacinação completa)  ou um teste negativo ao COVID-19.

10. Não existe norma expressa quanto à obrigatoriedade da vacinação, contudo o quadro legal vigente geral e laboral, contém disposições e princípios em defesa da segurança e da saúde, que consentem a adoção de medidas preventivas, como seja a exigência da vacinação, que numa aferição/ponderação dos argumentos das teses em confronto e dos interesses em presença, prevalecerá a sensatez, a defesa da vida e da saúde pública, como valores supremos;

11. Do que decorre, a nosso entender, em termos conclusivos,  tendo presente o quadro legislativo vigente e o regime de exceção inerente à pandemia do COVID-19,  acima enunciado  - em termos de segurança e saúde no trabalho - que o empregador poderá, desde que fundamentado,nomeadamente em  sectores de risco ( p.e. lares, serviços sociais, saúde) recomendar a cada trabalhador a adesão ao plano de vacinação, nos termos estabelecidos face à saúde, idade de cada trabalhador e admitindo que este possa legitimamente, no momento oportuno,  exigir a cada trabalhador,como condição para trabalhar, pelo menos a quem exerça funções em termos presenciais, a prova/certificação da vacinação completa (certificado digital),admitindo uma advertência prévia e prazo para cumprimento do determinado,  sob pena de  verificando-se o incumprimento ilegítimo desta ordem legítima, dar aso às consequências legais aplicáveis, no elenco das sanções disciplinares previstas no Código do Trabalho.

 

 

Funchal, 12 de Julho de 2021

 

Rui Gonçalves da Silva/jurista/assuntos laborais