* Teletrabalho: custos inerentes a energia e internet

Teletrabalho: responsabilidade dos custos acrescidos relativos a despesas de consumos de energia, telecomunicações e internet

A realidade do teletrabalho, sobretudo no contexto atual de pandemia, implicou maior e generalizado recurso a este tipo de prestação do trabalho, sendo mesmo obrigatório, nos casos possíveis e aplicáveis, nos concelhos de risco, por determinação das medidas inerentes ao estado de emergência, resultou deste modo, o surgimento de novas questões, sobretudo quando este tipo de trabalho não está enquadrado em contrato específico, no qual devem constar as condições, os direitos e deveres de tal prestação.

A legislação elaborada durante a pandemia da doença do COVID-19, aborda e determina a realização do trabalho em regime de teletrabalho – como condição de confinamento e de obstar a deslocações e contágios – em várias situações, mas não detalha o regime, para além do que o Código do trabalho já estabelece, e assim sendo, fica aquém das questões práticas que se colocam, essencialmente quanto à responsabilidade de todas as despesas que podem ser inerentes à prestação do trabalho no domicílio do trabalhador.

Mais recentemente, na sequência da nova declaração do estado de emergência, o Decreto - lei nº94-A/2020 de 3 de novembro, dispõe, no seu artigo 5º, quanto ao recurso ao teletrabalho:

“É obrigatória a adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer, sem necessidade de acordo escrito entre o empregador e o trabalhador.”

“O empregador deve disponibilizar os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários à prestação de trabalho em regime de teletrabalho”.

Assim para abordar de forma mais ampla o regime do teletrabalho e obter solução para as questões que possam ser suscitadas, nomeadamente da responsabilidade do pagamento das despesas inerentes a consumos de energia e de internet do domicílio do trabalhador, teremos de nos apoiar no disposto no Código do trabalho (seção V/teletrabalho, artº 165º a 191º).

Assim:

O nº 4 do artº 166 do Código do trabalho estabelece quanto ao teletrabalho:

- O contrato está sujeito a forma escrita e deve conter:

a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;

b) Indicação da atividade a prestar pelo trabalhador, com menção expressa do regime de teletrabalho, e correspondente retribuição;

c) Indicação do período normal de trabalho;

d) Se o período previsto para a prestação de trabalho em regime de teletrabalho for inferior à duração previsível do contrato de trabalho, a atividade a exercer após o termo daquele período;

e) Propriedade dos instrumentos de trabalho bem como o responsável pela respetiva instalação e manutenção e pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização;

Do que resulta que em condições normais, sendo o teletrabalho objeto de acordo e plasmado em contrato escrito, neste deve ficar explícito quanto às responsabilidades no que se refere a “Propriedade dos instrumentos de trabalho bem como o responsável pela respetiva instalação e manutenção e pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização”.

Dispõe por seu turno, o artigo 168.º do Código do Trabalho, quanto aos Instrumentos de trabalho em prestação subordinada de teletrabalho, o seguinte:

1 - Na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar a respetiva instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas.

2 - O trabalhador deve observar as regras de utilização e funcionamento dos instrumentos de trabalho que lhe forem disponibilizados.

3 - Salvo acordo em contrário, o trabalhador não pode dar aos instrumentos de trabalho disponibilizados pelo empregador uso diverso do inerente ao cumprimento da sua prestação de trabalho.

Ou seja, na falta de estipulação contratual - como será legítimo entender, no caso do recurso ao teletrabalho obrigatório por determinação legal - como ocorre no contexto da pandemia - existe a presunção legal, que os instrumentos de trabalho pertencem ao empregador e que como tal este deve assegurar a respetiva instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas de consumo e utilização.

Não fica contudo claramente definido o conceito de “despesas inerentes”, o que consentirá vários entendimentos, na prática e em casos normais, solucionado no teor do contrato de teletrabalho que a lei exige nas situações acordadas, o que não é o caso, do teletrabalho obrigatório, caso em que deve ser aplicada a referida presunção legal, imputando ao empregador tais encargos.

Assim sendo, por aplicação analógica do regime legal do Código do trabalho, podemos entender que as despesas no domicílio do trabalhador, quando em prestação de teletrabalho (mesmo obrigatório) inerentes a tal prestação e ao uso dos equipamentos afetos a tal prestação – p.e computadores, telecomunicações, internet – como seja, concretamente, o consumo acrescido de energia elétrica, ou despesas adicionais de internet, ou consumos de telecomunicações, diretamente imputáveis ao exercício da atividade profissional, deverão ser imputadas ao empregador, através da apresentação de provas documentais (faturas de consumos) respeitantes ao período de tais acréscimos (diferencial entre o consumo normal e usual do trabalhador antes e durante a situação de teletrabalho), pagos a titulo de abono para compensação de tais despesas (não sendo, como tal, a nosso entender, considerada retribuição, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 260º do Código do trabalho).

Princípio da igualdade de tratamento do trabalhador em regime de teletrabalho

Nos termos do artº 169º do Código do trabalho, está consagrado o princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores em teletrabalho (em relação aos demais trabalhadores da empresa, os que laboram no local habitual):

“ O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional.”

Do que decorre que o trabalhador na situação de teletrabalho não deve ter custos acrescidos na sua prestação, o que equivalerá a perda de rendimentos, comparativamente com os demais, em trabalho na empresa, como acontecerá se tiver que suportar custos inerentes ao consumo acrescido de energia, internet e telecomunicações, constituindo mais um argumento legal em favor da tese, de que tais custos devem ser da responsabilidade do empregador

Regime contributivo e fiscal aplicável: Sendo esta matéria uma questão nova, sobretudo da realização de teletrabalho, sobretudo quando obrigatório, uma vez apurado o valor dos custos acrescidos nas despesas do domicílio do trabalhador imputáveis diretamente ao exercício da sua atividade profissional – energia, telecomunicações, internet – pago como abono compensatório, seria aconselhável consultar a Segurança Social e as Finanças, para obter o entendimento destas entidades, quanto ao enquadramento desta verba no contexto das obrigações contributivas e fiscais inerentes, ou seja, se objeto de isenção ou de pagamento.

Conclusão

As despesas que decorram diretamente da prestação do trabalho em regime de teletrabalho, incluindo nestas o consumo de energia, telecomunicações, Internet – e que objetiva e comprovadamente impliquem acréscimos ao normal e usual dos consumos do domicílio do trabalhador (mediante apresentação de justificativos, com faturas das entidades fornecedoras, das despesas antes e durante o exercício de teletrabalho), devem, a nosso entender, ser suportadas, no montante desse acréscimo, pelo respetivo empregador, por aplicação do disposto no artº 165º e seguintes Código do trabalho (regime do teletrabalho) e do princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores em regime de teletrabalho (cf.artº169 do CT), comparativamente aos demais trabalhadores em atividade na empresa.

20 de novembro de 2020

Rui Gonçalves da Silva/jurista/assuntos laborais