*Crise do Estado Social

Contributos para uma reflexão sobre a Crise do Estado Social

O trabalho em causa, aborda esta temática, tão actual e presente, sobretudo no contexto português, da crise económica e financeira, que determinou a intervenção da TROIKA, de modo a que o País pudesse encontar soluções para os seus desequilíbrios financeiros, o seu endividamento e a regularização das suas contas.

Neste quadro de redução de custos, de aumento de impostos, é colocado em causa a intervenção social e coloca-se em causa o papel e a dimensão do Estado Social.

Contributos para a reflexão sobre a crise do Estado Social

O Estado, constitui uma entidade pública complexa, com caracterização, conteúdo, competências e atribuições, diferenciados no tempo, em função dos modelos ideológicos dominantes. Pode ser mais ou menos interventivo no plano da sociedade, o que distingue os vários tipos de Estado, acentuando mais ou menos uma ou outra das atribuições e das funções clássicas que assume – as atribuições genéricas do Estado exercitam-se no plano da soberania, da economia, do social, da educação, da cultura, do trabalho e do emprego.

Quando se referencia o Estado Social, evidencia-se um tipo de Estado e de regime inerente, nas democracias, onde este assume uma função dominante na definição e rumo da sociedade, com acentuada acção no plano social, na defesa dos cidadãos e do bem comum, garantindo a estes, em geral, e particularmente aos mais desfavorecidos e carenciados, um conjunto de direitos sociais – na Saúde, na Segurança Social, na Educação, no Trabalho, no Desemprego, na Habitação - numa lógica de repartição social, justa, equitativa e solidária, dos rendimentos colectivos disponíveis, o que pressupõe meios económicos e financeiros adequados para redistribuir e assumir os encargos advenientes dessa política, numa lógica de prioridade pela função social.

Hoje, nas sociedades modernas ocidentais, a intervenção social do Estado, na concretização das garantias inerentes aos direitos sociais de todos os cidadãos, (na segurança social, na doença, na velhice, na invalidez, na educação, na infância, na parentalidade, na habitação, no desemprego, na pobreza, na exclusão, na inclusão, na reinserção social), muitas vezes de carácter universal, particularmente em apoio aos mais desfavorecidos, constitui um paradigma social destas sociedades, sendo que tais benefícios são assumidos como direitos adquiridos e inquestionáveis, pelo menos no plano dos princípios, uma vez que ao longo das ultimas décadas, consolidou-se a ideia de tais direitos, num crescendo de institucionalização, como inerentes à cidadania, decorrentes dos anos de ouro do desenvolvimento económico, com abundância de meios suficientes, para garantir os encargos da despesa pública com tais concessões.

O Estado Social, o Estado do Bem-Estar (Welfare State), o Estado Providência, o Estado Assistencial – nas designações mais comuns deste tipo de intervenção estadual – atingia assim uma dimensão significativa, consagrava-se como modelo e garante de uma sociedade protectora, desenvolvendo-se tal, sobretudo nos anos após a 2ª Guerra Mundial, da Grande Depressão dos anos 30, na aplicação Plano Marshall na Europa, até à década de 70, onde o cidadão, do nascimento até ao fim da vida, tinha esse conjunto de garantias sociais asseguradas.

O Estado Social, como Estado interventor, proteccionista do bem comum, garante ao cidadão, um conjunto de direitos sociais assistenciais, com maior destaque nos países nórdicos, com réplicas conducentes nos demais países da Europa, o que permitiu obter índices de desenvolvimento humano significativos.

A ideia do Estado Social, assenta no princípio de que existem direitos sociais indissociáveis da pessoa humana e que competirá ao Estado satisfazê-los, através da disponibilização de uma rede de apoios e de subsidiação, que assegurem a satisfação de tais necessidades, para o que terá de existir o respectivo suporte financeiro, com afectação de verbas, que em contextos de crise e de escassez de rendimento nacional disponível, implicará maior esforço.

Historicamente o conceito de Estado Social e a sua concretização, tem as suas raízes, ainda incipientes e de forma subsidiária, com Otto Von Bismarck, que introduziu as primeiras medidas de preocupação social, na Alemanha.

Todavia, nas primeiras formas do capitalismo, e para minimizar as situações mais extremas de penúria e de carências sociais, o Estado, na sua estrutura inicial, começa a intervir nesse domínio, com objectivos sociais do bem comum, obstando a situações limite, que o individualismo liberal evidenciava, que a não serem contidas e amenizadas, com alguns apoios sociais, poderiam potenciar crises sociais, pondo em risco a estabilidade dos regimes vigentes.

Na segunda metade do século XVIII, Adam Smith, um dos pensadores mais proeminentes do liberalismo, na sua obra “ Riqueza das Nações” defendia a liberdade individual e do mercado, como suficientes para garantir o normal funcionamento da sociedade, e nessa linha de raciocínio, defendia o princípio do trabalho como “mercadoria” (sujeito às condições da oferta e da procura) entendendo que competiria ao próprio mercado, no livre exercício da concorrência, sem intervenção estatal, estabelecer as regras e que as necessidades seriam assumidas pela iniciativa empreendedora individual e pelo funcionamento normal do livre mercado, num equilíbrio assegurado naturalmente pela designada “mão invisível”, compondo-se assim os equilíbrios necessários. Teorias e teses, que o tempo e a história, em vários momentos, provou não serem eficazes, pelo contrário, geraram desigualdades e crises

Nesta linha de pensamento, os liberais entendiam que a regulação das relações económicas e sociais, deveriam apenas sujeitar-se ao livre mercado, que trataria por si do bem comum, obviando qualquer intervenção reguladora do Estado, para além dos mínimos necessários nas áreas restritas de acção (Estado minímo), o que excluiria o

papel do Estado, na regulação, na intervenção e logo na redistribuição de apoios e benefícios sociais. Para estes o Estado Social, seria “antieconómico, desvia investimentos, provoca improdutividade, conduz à ineficiência”.

Por efeitos da Grande Depressão dos anos 30, surgiu na Suécia o conceito de “políticas sociais produtivas”, decorrentes da intervenção do Estado para colmatar a crise social, decorrentes dos excessos do livre mercado, que com a disponibilização de apoios alargados, assegurando aos cidadãos os direitos sociais nos vários domínios ( na doença, na velhice, no apoio à família, no desemprego, na saúde, na habitação), de modo a que por via de tais apoios, melhorassem as condições de vida e de rendimentos, possibilitando o próprio desenvolvimento económico e social da Sociedade, tornando assim “produtivos” os apoios concedidos no plano dos direitos sociais.

O sociólogo sueco Gunnar Myrdal (1932) defendeu a introdução de políticas sociais, (Estado social), onde o Estado intervinha no apoio aos cidadãos em geral e particularmente aos mais desfavorecidos e vulneráveis, como forma de redistribuir os rendimentos disponíveis, face aos padrões de rentabilidade da economia sueca, pelo que tais concessões eram tidas como “investimento” social (nas pessoas e nas suas condições) e económico ( propiciando elevação dos seus níveis de rendimento e de conforto de todos) , e não como “custo”, pelos efeitos potenciadores no individuo, na pessoa e na família, aumentando assim as capacidade produtivas gerais, elas próprias geradoras também de riqueza, ou seja, de maior capacidade de redistribuição.

Este sistema funciona bem nas sociedades nórdicas, culturalmente aptas a esta percepção dos apoios e à sua utilização criteriosa, do lado dos beneficiários, e por outro lado, de parte dos contribuintes, de um espírito de participação, através dos encargos tributários necessários, sem recurso aos sistemas de fraude e de evasão fiscal, comuns noutras sociedades.

Assim a eficácia deste modelo, de Estado Social, depende do contexto cultural de cada País, não sendo decalcável de “per si”, para outras sociedades, numa aplicação apenas das medidas, onde não se verifiquem os mesmos pressupostos cívicos, sociais, culturais e económicos, pois para a plenitude da existência sustentada de um Estado Social, com a garantias de todos os direitos sociais inerentes e tão amplos e generalizados, terão de existir meios financeiros, na sua maioria decorrentes da tributação fiscal (impostos) e sobretudo de uma correcta, ponderada e justa aplicação/utilização de tais direitos.

Este modelo de Estado Social, ou seja, de um Estado interventor, que avoca a si a capacidade de dinamização da sociedade, agindo como mobilizador da economia, para equilibrar as relações sociais, suprindo as desigualdades, criando condições para o desenvolvimento, distinto do Estado liberal, teve nas teorias económicas e sociais de John Keynes, um importante impulso, pois que para a superação da crise e da estagnação económica existente ao tempo, nos Estados Unidos e na Europa, defendia a intervenção do Estado, através de grandes investimentos infraestruturais, impulsionadores da economia e do desenvolvimento, fomentando a criação de empregos, a dinamização empresarial, o que implicaria, consequentemente, ganhos financeiros, criando assim, condições para a elevação dos padrões de vida de todos.

Assim viveu-se nos Estados Unidos e na Europa, dos anos 30 até aos anos 70, um período de crescimento económico e social (os designados anos de ouro), a plena consolidação do Estado do Bem - Estar Social, com a evidente melhoria da qualidade de vida, com estabilidade no emprego, com a expansão dos gastos sociais, embora com padrões diferenciados em função dos países e das economias destes, com destaque para o elevado nível obtido nos países nórdicos e da Europa Central e com menor índice nos países da Europa do Sul, entre os quais Portugal.

A realidade nacional do Estado Social

Quanto à situação de Portugal, neste contexto, podemos destacar também a gradual implantação do Estado Social, em ritmo próprio e à medida das suas capacidades económicas.

As primeira medidas na instituição do Estado Social em Portugal (do Estado Providência) assumiram-se no plano dos Seguros sociais obrigatórios e posteriormente no domínio mutualista, com o fomento da criação de instituições de cariz social, no âmbito dos seguros sociais obrigatórios, na doença, nos acidentes de trabalho, nas pensões de invalidez, velhice e de sobrevivência.

Nesse sentido foram gradualmente criadas as instituições enquadradoras deste modelo, de que se destaca, entre outros: O Ministério do Trabalho (Lei nº 494, de 16 de Março de 1916); O seguro social obrigatório na doença (Decreto-Lei nº 5636 de 1919); O seguro social obrigatório nos desastres de trabalho (Decreto-Lei nº 5637 de 1919); O seguro social obrigatório na invalidez, velhice e sobrevivência (Decreto-Lei nº 5638 de 1919); A criação do Instituto de seguros Sociais obrigatórios e da Previdência Social (Decreto-Lei nº 5640); O Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (Decreto-Lei nº23035 de 1933); E o regime das associações de socorros mútuos (Decreto nº19281 de 1931).

Mas será no período do Estado Novo, que são criados os fundamentos da Previdência Social, na linha do que se anuncia como primórdios do Estado Social ( intervenção do Estado no domínio social), com a aprovação da Constituição de 1933 e do Estatuto do Trabalho Nacional ( Decreto nº 23048), a que se segue a aprovação das Bases da Organização de Previdência (Lei nº 1884 de 1935) que instituiu um sistema de previdência que não era financiado pelo Estado, mas pelas contribuições dos empregadores e dos trabalhadores.

E deste modo, de forma ainda incipiente, o Estado ia assumindo algumas medidas de apoio social, destacando-se a criação do abono de família, como importante medida de apoio familiar, criado pelo Decreto-Lei nº 32192 de 13 de Agosto de 1942.

Nos anos 60 decorreu importante reforma da Previdência Social, alargando o seu âmbito de acção e cobertura, na perspectiva da institucionalização de um regime Geral de Segurança Social, a que se seguia a criação da Caixa Nacional de Pensões e da Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais, visando a extensão do sistema de cobertura pessoal e na melhoria dos riscos sociais cobertos (introdução de prestações sociais complementares, subsídio de casamento, nascimento, aleitação, funeral e outros).

Na área da Saúde, foram criados os Serviços Médico-Sociais, assegurando o acesso gratuito aos cuidados de saúde.

Com a revolução do 25 de Abril de 1974 e as grandes transformações políticas, económicas e sociais decorrentes, com a instauração de regime democrático, de pendor igualitário e social, com os movimentos reivindicativos, com a acção dos partidos políticos e movimentos cívicos, bem como da pressão sindical, procedeu-se a um alargamento significativo dos direitos sociais, consolidando-se um Estado Social na sua ampla dimensão, com o consequente aumento das despesas sociais públicas.

Os direitos sociais, passaram a ter consagração Constitucional, de forma ampla e diversificada, em vários domínios (segurança social e solidariedade, saúde, habitação e urbanismo, ambiente e qualidade de vida, na família, paternidade e maternidade, infância, juventude, cidadãos portadores de deficiência, 3ª idade, educação e cultura, e no trabalho e emprego).

Na Constituição Portuguesa, nas tarefas fundamentais do Estado, (art.º 9º) entre outras consta: “Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais “, e quanto aos Direitos e deveres Sociais( artº63º) é consagrado que :

“Todos têm direito à segurança social”; “O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”;”Todos têm direito à protecção na saúde … através de um serviço nacional de saúde universal e geral, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.”.

Nas incumbências prioritárias do Estado (artº 81º) consta “ Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável” e “Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”.

Com a integração de Portugal na CEE/UE em Janeiro de 1986, os direitos sociais assumem uma dimensão europeia, uma vez que no contexto das normas e princípios comunitários, é notória a preocupação e o fomento de prática e iniciativas legislativas em defesa do concretização dos direitos sociais, na defesa do bem-estar, da qualidade e melhoria dos padrões de vida dos cidadãos comunitários, ocorrendo assim, o que tem sido designado por alguns, com a “europeização” do Estado-Providência, pois embora o projecto comunitário tenha sido marcado inicialmente, pela sua dimensão económica, evoluiu para o domínio social, na perspectiva da valorização da coesão, para o que é importante a concretização dos princípios inerentes aos direitos sociais.

No contexto comunitário existe o modelo Social Europeu (MSE) que visa assegurar a todos os cidadãos dos Estados-membros, garantias e direitos, reforçando a dimensão social da Europa, em ordem ao bem-estar social e económico.

Estado Social na Região

Não obstante a Região Autónoma da Madeira ter competências próprias, decorrentes da sua autonomia, sobretudo em aspectos inerentes às especificidades regionais, todavia tais competências não permitem, na sua amplitude, a adopção de políticas próprias, que a diferenciem, substancialmente, do modelo nacional, além de outras limitações que restringem a sua capacidade, jurídica e financeira, para implementar opções de política económica e social próprias.

O Estado social, no modelo nacional, nas suas opções estruturantes e orientadoras, reflecte-se na ordem jurídica regional, pois os programas de âmbito geral, as leis quadro da política do País, adoptadas pelos governos centrais, determinam também e de forma incontrolável, a política e as opções regionais, por uma questão de direito, de princípios, de valores e de meios.

Porém, mesmo neste contexto, no domínio do que são as orientações e programas da política regional, existe espaço para a inclusão de linhas dominantes, que podem expressar e enfatizar opções sociais, que podem evidenciar preocupações de cariz social, no que caracteriza um modelo de Estado social, de governo e acção que acentue tais objectivos.

E isso, a nosso entender, tem acontecido, ao longo destes anos do processo autonómico, sendo patente, nas linhas programáticas dos programas de governo, nos limites das suas capacidades económicas e financeiras, o assumir da vertente social, no apoio à pessoa, à família, ao trabalhador, aos mais desfavorecidos, criando condições para a eliminação das desigualdades, do combate à pobreza, à exclusão social, particularmente numa Região, insular e débil, que herdou um passado de atraso, de dificuldades, de carências estruturais.

Estes objectivos sociais, expressam-se em programas regionais nesses domínios, seja na Segurança social, (combate à pobreza, à exclusão social, apoio à acção social das Instituições particulares de solidariedade social), no Trabalho (salário mínimo com acréscimos, intervenção administrativa na fixação de remunerações convencionais, plano de igualdade de oportunidades), no Emprego (programas regionais de fomento à criação de emprego, colocação e apoio), na Habitação (programas de construção de habitação social), na Educação (programas regionais de acção social escolar e apoios sociais), na área dos Assuntos Sociais (apoio às famílias carenciadas, aos idosos), para referenciar apenas alguns aspectos gerais, que dão conta dessa vertente social, que a Região acresce, em muitos aspectos, às medidas nacionais, para evidenciar o que representa o Estado Social na sua dimensão regional.

A crise do Estado Social

A existência de um Estado Social, pressupõe, uma opção pelos valores sociais, pelo assumir do papel interventivo do Estado, em defesa do bem-estar e das garantias dos cidadãos, obviando a que seja o mercado, a livre concorrência, a definir a redistribuição e os equilíbrios, como ocorre nos sistemas liberais ou neo-liberais, com resultados nefastos. Contudo a eficácia da manutenção do Estado Social, com o elenco mais ou menos alargado de garantias e direitos, dependerá dos meios financeiros adequados à manutenção desse regime de concessões, garantias e direitos, no plano do apoio e da protecção social.

Depois dos anos de crescimento económico, assistiu-se ao surgimento de ciclos de crise, com particular evidência a partir dos anos 90, com os efeitos negativos da mundialização, com o forte crescimento do desemprego, da pobreza, da exclusão social, as pressões migratórias, com a feroz concorrência comercial das potências emergentes, particularmente da China, com os conflitos bélicos na Europa (ex-Jugoslávia), com a queda dos regimes socialistas, com os fundamentalismos islâmicos, com o agravar dos conflitos no Médio Oriente, de que é expressão a guerra do Iraque e do Afeganistão, culminando, na fase mais recente, com a crise energética, e sobretudo com a crise financeira de 2008, que provocou, neste mundo cada vez mais global e interdependente, uma crise económica e financeira à escala mundial.

Estas situações implicaram, na generalidade dos Estados, o recurso a endividamentos descontrolados, défices orçamentais acentuados, o que determinou políticas financeiras de austeridade e contenção, pondo em causa, de algum modo, a sustentabilidade do Estado Social, pelo menos, com a dimensão que alcançara.

No caso Portugal, a situação enquadra-se neste contexto: um excesso de endividamento, público e privado, o colapso de algumas unidades do sistema financeiro, a perda de competitividade interna e externa, a crise empresarial em sectores importantes de forte componente de mão-de-obra (têxtil, vestuário), o aumento expressivo do desemprego, da pobreza e da exclusão, o aumento do número de aposentados e pensionistas, o acentuado desequilíbrio orçamental, factores que fazem aumentar a factura social, com o contraponto do decréscimo da disponibilidade financeira pública, o que afecta a manutenção de alguns direitos sociais.

Assiste-se assim, a cortes salariais, à redução de prestação sociais, algumas com grande impacto no orçamento familiar (p.e. do abono de família), redução do subsidio de desemprego, o aumento da carga fiscal directa ou indirecta (IRS, IVA), redução de benefícios fiscais (despesas de saúde e outras deduções), agravamento de taxas e contribuições da segurança social, supressão de benefícios na área da saúde, na educação, ou seja, uma redução expressiva em várias áreas de apoio, diminuindo o conteúdo proteccionista e assistencial do Estado Social.

Nestas circunstâncias, em contextos conjunturais de crise e debilidades económicas, surgem os factores que colocam em risco (ameaças) à dimensão e qualidade dos direitos sociais, não obstante o facto da própria crise em si gerar desigualdades e constrangimentos nos mais desfavorecidos, pelo aumento do desemprego, da pobreza e da exclusão social, o que pressuporia, o reforço da protecção social que o Estado social, por natureza assegura.

Os factores agravantes, decorrem da conjugação de vários dados: o envelhecimento das populações (o aumento considerável da população idosa), o declínio da natalidade, não permitindo a necessária renovação de gerações, o crescente aumento do desemprego, implicando redução dos activos, o aumento dos pensionistas/reformados, reduzindo a proporção entre Activos/inactivos, essencial à sustentabilidade do sistema financeiro da segurança social. Estas circunstâncias e estes factores conjugados, implicam o agravamento da despesa social no combate mais imediato a estes constrangimentos conjunturais, com afectação substancial de verbas, determinando opções e prioridades.

Com a crise financeira e económica, a problemática da divida pública e com o crescente endividamento das principais economias, e a consequente perda de receitas, questiona-se a dimensão actual do Estado Social e a crise deste, sendo suscitada a necessidade da sua reformulação e redimensionamento, numa lógica que pretende racionalizar as concessões e apoios sociais actuais, face aos meios financeiros disponíveis, cada vez mais reduzidos, perante os encargos da dívida, reformulação que deverá ter presente os seguintes pressupostos:

- promoção de política de rendimentos que contribua para a redução das desigualdades

- melhorar a eficiência da despesa social, assegurando protecção aos que mais precisem

- melhorar a eficiência contributiva do sistema de segurança social

- maior exigência e rigor na concessão dos apoios sociais

- hierarquia das prioridades sociais

- garantia de minímos de protecção social

- limites máximos de protecção social

- combate à pobreza

- combate à exclusão social

- controlo da evasão fiscal

- redução do peso da economia informal

- incentivo ao empreendedorismo,

- fomento à manutenção e criação de empresas/emprego

- estímulo ao valor social do trabalho digno

- combate ao recurso fraudulento aos apoios sociais

O Estado Social, é uma opção estruturante dos Estados democráticos, pois garante o equilíbrio na Sociedade, ao assegurar direitos essenciais aos seus cidadãos, apoiando, em vários domínios, os mais vulneráveis e desfavorecidos, em defesa da igualdade e dignidade de todos.

A dimensão do Estado Social – no conjunto das garantias, direitos, apoios e concessões que assegura – varia e dependerá das opções estratégicas sociais, da situação económica e financeira dos Estados, pois para fazer face à despesa social decorrente, terão de existir os correspondentes meios financeiros.

No contexto actual, de crise generalizada das economias, de forte contenção orçamental, de elevados níveis da dívida pública soberana e privada, carências de liquidez, restrições e custos acrescidos do crédito bancário, desemprego crescente, surge o desafio da adopção de novo paradigma de intervenção social, utilizando de forma mais parcimoniosa e racional os meios financeiros disponíveis, no apoio aos mais carenciados.

Esta realidade gerará um paradoxo, mais aparente do que real: com menos receitas, haverá a tendência menos Estado Social, mas com menos Estado Social, existirão mais desigualdades sociais, o que em si provoca maior necessidade de repor equilíbrios, evidenciando, da importância e a imprescindibilidade da manutenção do Estado Social, eventualmente com outras características, com alguma reformulação de opções e conteúdos, mas nunca com a exclusão deste modelo de intervenção social, no que define e identifica um Estado moderno, com valores assentes na dignidade da pessoa humana.

Os meios financeiros utilizados na acção social, no conjunto vasto de apoios que estruturam o Estado Social, representam dinheiros públicos, oriundos dos contributos dos cidadãos que pagam impostos, logo deverão ser usados/concedidos, com rigor, parcimónia e critério, particularmente em contextos de crise, como o actual, onde não abundam meios e recursos, e os que existem terão de ser canalizados para funções essenciais e o apoio inequívoco aos carenciados.

A crise actual do Estado Social, não é uma crise de legitimidade deste, não será uma crise de identidade do modelo em si, é o resultado de outras contingências económicas e financeiras, assim sendo será um desafio contextual a este, no sentido da sua reformulação e adaptação aos novos tempos e desafios, sem questionar o valor intrínseco e a necessidade da sua existência, da sua validade e mérito, da importância da sua manutenção e da sua consolidação, numa perspectiva de acção complementar e subsidiária, para minimizar e apoiar os casos evidentes de carência, necessidade e justificação social, acentuando quer a vertente assistencial, quer a produtiva, para além da mera subsidiação generalista e universal, garantindo a protecção social de forma criteriosa, equitativa e justa, particularmente num contexto de crise, onde abundam situações de exclusão, de carência, de pobreza, de dificuldades a todos os níveis, o que implica apoios sociais, ou seja: a manutenção e o reforço do Estado Social, por uma questão de justiça, humanidade e solidariedade social.

E assim sendo, o Estado Social terá de começar, na situação europeia em que nos integramos, por uma verdadeira Europa Social, solidária entre si, de modo a que os Estados mais prósperos e mais ricos, apoiem os Estados mais pobres, para que estes possam também, por sua vez, apoiar, os seus cidadãos mais carenciados, o que significa construir a Europa solidária e equitativa que todos sonhamos.

Rui Gonçalves da Silva /Madeira/2014