* Regime geral de prevenção da corrupção e da proteção de denunciantes (Whistleblowers)

Regime geral de prevenção da corrupção e da proteção de denunciantes de infrações (Whistleblowers) - Obrigações das entidades públicas e das empresas privadas.

I - introdução

Na linha das preocupações de transparência e combate às ações de corrupção, estabelecidas em disposições legais, quer internacionais, quer nacionais, entram em vigor este mês de junho (2022) um conjunto de disposições, que visam criar mecanismos preventivos e dissuasores, impondo às instituições públicas e aos privados (empresas com mais de 50 trabalhadores) novas obrigações nessa matéria, nomeadamente na criação de canais de denúncia.

A existência e a defesa deste princípio de criação de canais que possibilitem/favoreçam e de algum modo incentivem, no contexto da instituição e da empresa, a denúncia de situações irregulares (ilícitas) que consubstanciem comportamentos de corrupção, pode suscitar questões de ética e pode configurar uma metodologia que inspire dúvida, falta de confiança, quando seria exigível, relações de plena confiança e de credibilização das relações, assente em valores de idoneidade e crença.

Mas a ideia subjacente a este instituto, será de sentido inverso. Criar canais de denúncia, para inspirar transparência e demonstrar que a gestão é aberta, que assegura a sua credibilidade, sujeitando-se ao escrutínio de todos, em defesa dos negócios legais, do pleno respeito pela lisura dos procedimentos, que por isso consente a fiscalização, fomenta e admite a sinalização de eventuais atos menos corretos, e sobretudo os que indiciem corrupção.

Alguns argumentarão que já existirão canais, nas entidades externas competentes, para acolherem denúncias de atos ilegais e de regras de conduta e disposições legais que sancionam as ilegalidade, sendo por isso redundante, a existência no seio das instituições e nas empresas de mecanismos com tais funções, contudo as normais internacionais, tendem para outras opções, como forma de obviar e reduzir os elevados índices de corrupção existentes no mundo.

É neste sentido e nesta ordem de valores que a criação de canais de denúncia se inscreve, certamente numa lógica inovadora, de uma gestão moderna e impermeável ao abuso e ilegalidade, em defesa dos interesses de todos.

Os normativos legais mais recentes, neste domínio, alusivos a esta questão e que importam ter presente, para o seu adequado cumprimento, são:

- Diretiva comunitária (UE) 2019/1937 de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União ( conhecida como diretiva Whistleblower);

- Resolução do Conselho de Ministros nº 37/2021 de 6 de abril que aprova a Estratégia Nacional Anti-corrupção 2020-2024;

- Decreto-lei nº109-E/2021 de 9 de dezembro que cria o Mecanismo Nacional Anti-corrupção (MENAC) e o Regime Geral da Prevenção da Corrupção (RGPC);

- Lei nº93/2021 de 20 de dezembro, estabelece o regime geral de proteção de denunciantes de infrações, transpondo a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União;

Tendo em conta, as novas obrigações legais, decorrentes da legislação que entrará em vigor a 18 de junho - fundamentalmente o disposto na Lei nº 93/2021 ( regime geral da proteção de denunciantes) - e que o regime geral da prevenção da corrupção (DL nº 109-E/2021 entra em vigor desde logo (2022)para o sector público e apenas em 2023 para as empresas com mais de 50 trabalhadores e a partir de 2024 para as empresas até 250 trabalhadores), contudo, vamos referenciar, com mais detalhe o regime da Lei nº93/2021 e o essencial das obrigações decorrentes.

A legislação relativa à proteção das pessoas que denunciam violações referenciadas na lei, implica que as entidades públicas e as empresas com mais de 50 trabalhadores, tenham que criar desde logo, canais de denúncia (eficazes, confidenciais e seguros, garantindo a adequada proteção aos denunciantes), canais internos e /ou externos, designando estrutura ou pessoa para esse efeito, que tratará de toda a tramitação das denúncias (apresentadas por escrito ou verbalmente, identificadas ou anónimas) e todo o seguimento do processo, até à sua decisão ( participação às autoridades competentes ou arquivo).

O não cumprimento do conjunto destas novas exigências previstas na legislação implicam, sancionamento, que pode atingir valores significativos.

(contraordenações muito graves puníveis com coimas de 1 000 € a 25 000 € ou de 10 000 € a 250 000 € consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva e coimas por infrações graves, de 500 € a 12 500 € ou de 1 000 € a 125 000 €, consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva).

Denúncia ou whistleblowing

Estamos neste regime legal, a abordar a denúncia de situações indiciadoras de violações da lei, em termos de atos ilícitos praticados, que consubstanciam atos de corrupção, cujos denunciantes, correspondem, em termos internacionais aos designados “whistleblowers”.

Whistleblowing é um termo americano que significa “soprar o apito”, ou seja, ao saber da prática de algum delito, o sujeito denuncia a prática delituosa, sinalizando essa infração.

A definição de Whistleblower, nada mais é do que um anglicismo, que numa tradução literal, pode ser descrito como a pessoa que “denuncia”, ou seja, que dá a voz (sinaliza) como sinal de advertência, perante uma irregularidade, sendo ele o delator.

O Whistleblowing é instituto distinto da colaboração premiada, pois não há envolvimento do denunciante na conduta criminosa denunciada. O whistleblower é um mero terceiro “desinteressado”, que detém conhecimento de informações relevantes, decorrente do exercício de seu trabalho ou mesmo de outros fatores acidentais, sendo a sua motivação de natureza essencialmente cívica, ética e moral, em defesa de princípios de defesa do interesse comum.

O whistleblower pode direcionar as suas denúncias tanto contra organizações privadas, quanto instituições públicas, o objetivo é sempre “soar o apito”, alertando práticas irregulares, na procura de eventuais providências por parte das autoridades competentes.

Montar canais internos, detetar e investigar infrações, e proteger os denunciantes, são os três eixos fundamentais do chamado whistleblowing – um novo mecanismo de prevenção de corrupção, abusos e outros ilícitos que as entidades privadas e públicas passam a estar obrigadas a criar a partir de 18 de junho próximo, nas instituições públicas e nas empresas com mais de 50 trabalhadores.

A figura do whistleblowing remonta ao False Claims Act, uma lei aprovada no ano 1863, no período da Guerra Civil norte-americana, como forma de reagir às fraudes sofridas pelo Governo Federal dos EUA na contratação de meios para o esforço de guerra. Nesse contexto, foi instituído um procedimento para que os particulares pudessem agir em prol dos interesses patrimoniais das entidades públicas defraudadas, intentando ações, mesmo em seu próprio nome, no interesse da instituição lesada.

A consagração deste instituto na esfera internacional processou-se com a Lei Sarbanes–Oxley (SOX), de 2002, na qual foi estabelecido um regime de proteção dos trabalhadores de sociedades cotadas em bolsa que agissem como denunciantes (whistleblowers), proibindo retaliações sobre os trabalhadores que prestassem colaboração em investigações, internas ou externas, relativas a determinadas infrações cometidas no quadro da empresa a que estavam ligados, e impondo a obrigação de introdução de canais internos de denúncia que possibilitassem aos trabalhadores alertar o órgão de auditoria para suspeitas de práticas contabilísticas e de auditoria questionáveis.

Um movimento que no espaço da União Europeia, culminou na publicação da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União.

Denúncia/queixa

A denúncia, ou whistleblowing, distingue-se da queixa na medida que esta última é feita, normalmente, para exercer um direito, ou seja, no interesse próprio. A denúncia, por outro lado, é a execução de um dever cívico, em princípio sem qualquer tipo de recompensa (a não ser que a lei preveja disposições que estabeleçam a recompensa de denunciantes como meio de promoção) e para benefício de interesses de terceiros ou do interesse público.

A definição da denúncia como um direito ou um dever é complexa: por um lado, poderá classificar-se como um claro dever profissional (como aquele que vem previsto no artº 242.º CPP para órgãos de polícia criminal e funcionários públicos), também poderá afirmar-se que é um dever cívico de todos os cidadãos reportar às autoridades competentes quaisquer situações ilícitas que vão contra interesses públicos ou coletivos, por outro lado, poderá configurar-se como um direito: o direito a denunciar (conforme previsto no art. 244.º CPP que prevê a “denúncia facultativa” feita por qualquer cidadão).

A Lei 19/2008, de 21 de abril (medidas de combate à corrupção) no que se refere especificamente à proteção de denunciantes, no art. 4.º, vem estabelecer um princípio genérico de proteção dos trabalhadores da Administração Pública e do setor empresarial do Estado face a eventuais represálias em consequência de uma denúncia de crime que tenham realizado. Para este efeito, estabelece:

“Artigo 4.º - Garantias dos denunciantes

1 - Os trabalhadores da Administração Pública e de empresas do setor empresarial do Estado que denunciem o cometimento de infrações de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas não podem, sob qualquer forma, incluindo a transferência não voluntária, ser prejudicados.

A Lei 25/2008, de 5 de junho - Medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo - no artº20.º estabelece, relativamente a vários tipos de pessoas individuais e coletivas, o dever de reportar qualquer atividade que possa constituir branqueamento de capitais ou financiamento de terrorismo, sendo tal informação dirigida ao Procurador-Geral da República ou à Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária.

Em termos gerais, qualquer pessoa que tenha conhecimento de um crime pode denunciá-lo ao Ministério Público (artigo 244.º do CPP), o que abrange as denúncias externas feitas por um trabalhador de uma empresa sobre práticas criminais que nela decorram. No caso dos funcionários públicos, a denúncia é mesmo obrigatória em relação aos crimes conhecidos no exercício das funções e por causa delas (artigo 242.º, n.º 1, alínea b), do CPP). O CPP admite a denúncia anónima dirigida ao Ministério Público ou à polícia (artigo 245.º, n.º 6, do CPP).

No sector bancário, as instituições de crédito têm o dever de organizar canais de denúncia internos que garantam a confidencialidade do denunciante. As normas em questão têm em vista as infrações aos deveres de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo e aos deveres previstos no Regime Geral relativo à sua atividade.

A proteção do denunciante (whistleblower) na relação jurídico-laboral

O direito laboral português protege os trabalhadores contra tratamento injustificado por parte dos seus empregadores, particularmente se estes trabalhadores estiverem no exercício dos seus direitos, o que também inclui o direito/dever de reportar crimes.

Para salvaguardar a denuncia e proteger o denunciante/trabalhador, várias disposições do Código do trabalho e da lei específica (Lei nº93/20221), asseguram a sua proteção contra atos retaliatórios.

O artº. 129.º do Código do Trabalho estabelece que não é permitido ao empregador obstar ao exercício de direitos pelos trabalhadores, nem despedi-los, sancioná-los ou tratá-los injustificadamente devido a esse mesmo exercício.

São proibidos os atos de retaliação contra o trabalhador denunciante (artigo 21.º -Proibição de retaliação);

Considera-se ato de retaliação o ato ou omissão que, direta ou indiretamente, ocorrendo em contexto profissional e motivado por uma denúncia interna, externa ou divulgação pública, cause ou possa causar ao denunciante, de modo injustificado, danos patrimoniais ou não patrimoniais.

Presumem-se motivados por denúncia interna, externa ou divulgação pública, até prova em contrário, os seguintes atos, quando praticados até dois anos após a denúncia ou divulgação pública:

a) Alterações das condições de trabalho, tais como funções, horário, local de trabalho ou retribuição, não promoção do trabalhador ou incumprimento de deveres laborais;

b) Suspensão de contrato de trabalho;

c) Avaliação negativa de desempenho ou referência negativa para fins de emprego;

d) Não conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato sem termo, sempre que o trabalhador tivesse expectativas legítimas nessa conversão;

e) Não renovação de um contrato de trabalho a termo;

f) Despedimento;

g) Inclusão numa lista, com base em acordo à escala setorial, que possa levar à impossibilidade de, no futuro, o denunciante encontrar emprego no setor ou indústria em causa;

h) Revogação de ato ou resolução de contrato administrativo, conforme definidos nos termos do Código do Procedimento Administrativo.

A sanção disciplinar aplicada ao denunciante até dois anos após a denúncia ou divulgação pública presume-se abusiva.

Denúncia Interna e externa

Existe a possibilidade de o trabalhador denunciar a conduta quer no seio da empresa (denúncia interna) quer para terceiros (denúncia externa). O problema suscita-se considerando que ao realizar denúncias sobre a entidade empregadora o trabalhador pode incorrer na violação do dever de lealdade e dever de sigilo, podendo ainda colocar também em sério risco a imagem da entidade empregadora.

Assim, com esta atuação de carácter injustificada e desproporcional viola os deveres de lealdade, respeito e defesa do bom nome da entidade empregadora a que se encontra adstrito fruto da relação jurídico-laboral. Subsequentemente, e considerando a índole pessoal do contrato de trabalho e a importância da confiança consignada no trabalhador

Canal de Denúncias (em conformidade com a nova Lei n° 93/2021)

As Empresas com 50 ou mais trabalhadores terão de adotar, a partir de 18 de junho de 2022, um sistema de whistleblower (canal de denúncia) que garanta:

- cumprimento legal da nova legislação

-identificação de más-condutas

-Sigilo e tramitação das denúncias apresentadas

- proteção de colaboradores e clientes

-proteção dos valores da empresa e gestão de riscos

Criação e gestão do canal de denúncias

Ao implementar e administrar um canal de denúncias, o empregador, pode optar por:

- Ser responsável pelo canal internamente.

- Designar estrutura ou pessoa para tais funções

Neste caso, deve ser selecionada uma pessoa/trabalhador da empresa (ou departamento) que recebe os alertas/denúncias e se encarrega do contacto com o denunciante e toda a tramitação processual prevista;

Ou

-Garantir que uma entidade externa, devidamente habilitada, seja responsável pelo canal;

Os canais internos de denúncia têm de conter as seguintes características: a) têm de garantir a apresentação e o seguimento seguros de denúncias, a fim de garantir a exaustividade, integridade e conservação da denúncia;

- têm de assegurar a confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia;

-têm de impedir o acesso à denúncia, de pessoas não autorizadas. Estas denúncias poder-se-ão fazer por escrito, verbalmente ou de ambas as formas.Podem ser anónimas ou identificadas.

A utilização de canais de denúncias externos, deve ter em conta:

- não exista canal de denúncia interna;

- o canal de denúncia interna admita apenas a apresentação de denúncias por trabalhadores, não o sendo o denunciante;

- Exista motivos razoáveis para crer que a infração não possa ser eficazmente conhecida ou resolvida, a nível interno.

Quanto às medidas de proteção do denunciante, a lei estabelece, as seguintes garantias:

a) Confidencialidade da identidade do denunciante, que só poderá ser revelada por força de uma obrigação legal ou decisão judicial;

b) Proteção contra atos de retaliação contra o denunciante, incluindo, para o efeito, a inversão do ónus da prova e a presunção de que determinados atos, como sejam alterações de condições de trabalho ou a aplicação de uma sanção disciplinar, quando praticados até dois anos após a denúncia ou a divulgação pública, são motivados pela denúncia ou divulgação pública;

c) Proteção jurídica nos termos gerais, como a proteção para testemunhas em processo penal;

d)Não aplicação de responsabilidade disciplinar, civil, contra-ordenacional ou criminal nos casos de denúncia ou divulgação pública de infrações feitas de acordo com os requisitos impostos pela lei.

Comparativamente à Diretiva de Whistleblowing, o regime da nova lei é bastante mais abrangente, tendo em conta que a própria Diretiva determina que o seu conteúdo apenas estabelece requisitos mínimos para o Estados-Membros.

Este regime é aplicável às denúncias em matéria de contratação pública; mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo; segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal;saúde pública; proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação; criminalidade violenta e organizada, entre outras.

Contudo, este regime não inclui as situações de assédio moral ou sexual.

Quanto aos beneficiários da proteção, a lei apenas considera como ‘’denunciante’’ as pessoas singulares que denunciem ou divulguem publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional independentemente da natureza da atividade e do setor em que é exercida.

A atividade profissional não fica limitada às relações laborais em vigor, incluindo relações que já cessaram, negociações pré-contratuais ou processos de recrutamento, ou outras situações como titulares de participações sociais e membros de órgãos sociais de pessoas coletivas, voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados.

Para beneficiar da proteção, o denunciante deve agir/denunciar, de boa-fé e exista fundamento sério quanto à veracidade das informações e da denúncia ou da divulgação pública.

Para além do denunciante, a proteção da lei estende-se àqueles que se relacionam com este, estando abrangidas as pessoas singulares que auxiliem, de forma confidencial, o denunciante no procedimento de denúncia, nomeadamente, os representantes sindicais, o terceiro que esteja ligado ao denunciante que possa ser alvo de retaliação num contexto profissional e as pessoas coletivas ou entidades equiparadas que sejam detidas ou controladas pelo denunciante, para as quais este trabalhe ou com as quais esteja de alguma forma ligado num contexto profissional.

Para efetuar a denúncia, a lei prevê a existência de:

- Canais internos;

- Canais externos (geridos pelas entidades habilitadas/ competentes);

- Divulgação pública.

Os canais internos de denúncia são obrigatórios para as entidades do setor privado e do setor público que empreguem 50 ou mais trabalhadores e ainda para as pessoas coletivas que desenvolvam a sua atividade nos domínios dos serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (‘’entidades obrigadas’’). Ficam, porém, excluídas desta obrigação as autarquias locais que, não obstante empregarem 50 ou mais trabalhadores, tenham menos de 10.000 habitantes.

Os canais de denúncia interna têm de obedecer a determinados requisitos: têm de garantir a apresentação e o seguimento seguros de denúncias, a fim de garantir a exaustividade, integridade e conservação da denúncia; têm de assegurar a confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia; e têm de impedir o acesso de pessoas não autorizadas.

Os canais de denúncia interna podem ser operados: internamente, para efeitos de receção e seguimento de denúncias, por pessoas ou serviços designados para o efeito, ou externamente, para efeitos de receção de denúncias. Em qualquer dos casos, a lei prevê que deve ser garantida a independência, a imparcialidade, a confidencialidade, a proteção de dados, o sigilo e a ausência de conflitos de interesses.

A apresentação das denúncias poderá fazer-se por escrito, verbalmente ou de ambas as formas. Neste contexto, admite-se enquanto denúncia verbal, aquela que seja efetuada através de mensagem de voz, ou, a pedido do denunciante, em reunião presencial.

O denunciante só pode recorrer a canais de denúncia externa quando: não exista canal de denúncia interna; o canal de denúncia interna admita apenas a apresentação de denúncias por trabalhadores, não o sendo o denunciante; tenha motivos razoáveis para crer que a infração não pode ser eficazmente conhecida ou resolvida a nível interno ou que existe risco de retaliação; quando, embora o denunciante tenha inicialmente apresentado a denúncia internamente, não sejam comunicadas, nos termos legalmente previstos, as medidas previstas ou adotadas na sequência da denúncia; ou a infração constitua crime ou contraordenação punível com coima superior a 50 000 euros.

Por sua vez, a divulgação pública só poderá ocorrer em circunstâncias muito excecionais, nomeadamente quando o denunciante tenha motivos para crer que a infração pode constituir um perigo iminente ou manifesto para o interesse público; que a infração não possa ser eficazmente conhecida ou resolvida pelas autoridades competentes, atendendo às circunstâncias específicas do caso, ou que existe um risco de retaliação inclusivamente em caso de denúncia externa; ou tenha apresentado uma denúncia interna e/ou uma denúncia externa, sem que tenham sido adotadas medidas adequadas nos prazos previstos para o efeito.

Quanto ao procedimento a adotar, as entidades obrigadas devem, no prazo de sete dias após a receção da denúncia, notificar o denunciante da receção e dos requisitos para apresentação de denúncia através de canais externos geridos pelas autoridades competentes e no prazo máximo de três meses comunicar as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à denúncia. Mediante solicitação do denunciante, as entidades obrigadas têm ainda de lhe comunicar o resultado da análise efetuada à denúncia no prazo de quinze dias após a sua conclusão.

Quanto às medidas de proteção do denunciante, a lei estabelece, entre outras, as seguintes garantias:

- Confidencialidade da identidade do denunciante, que só poderá ser revelada por força de uma obrigação legal ou decisão judicial, precedidas de comunicação ao denunciante indicando os motivos da divulgação;

- Proibição de retaliação contra o denunciante, incluindo, para o efeito, a inversão do ónus da prova e a presunção de que determinados atos, como sejam alterações de condições de trabalho ou a aplicação de uma sanção disciplinar, quando praticados até dois anos após a denúncia ou a divulgação pública, são motivados pela denúncia ou divulgação pública.

- Proteção jurídica nos termos gerais, como a proteção para testemunhas em processo penal; e

- Não aplicação de responsabilidade disciplinar, civil, contra ordenacional ou criminal nos casos de denúncia ou divulgação pública de infrações feitas de acordo com os requisitos impostos pela lei.

A violação destas regras constitui contraordenação, cujo procedimento compete ao Mecanismo Nacional Anti-corrupção, e que podem variar nos seguintes termos:

- Entre € 1.000 a € 25.000 (pessoas singulares) ou € 10.000 a € 250.000 (pessoas coletivas), em caso de contraordenação muito grave, nomeadamente: impedir a apresentação ou não dar seguimento à denúncia; prática de atos retaliatórios; violação do dever de confidencialidade; comunicação ou divulgação pública de informações falsas.

- Entre € 500 a € 12.500 (pessoas singulares) ou de € 1.000 a € 125.000 (pessoas coletivas), em caso de contraordenação grave, nomeadamente: não dispor de canal de denúncia interno ou dispor de um canal interno sem garantias de exaustividade, integridade ou conservação de denúncias ou de confidencialidade da identidade ou anonimato dos denunciantes ou de terceiros mencionados na denúncia, ou sem regras que impeçam o acesso a pessoas não autorizadas; não comunicação ao denunciante do resultado da análise da denúncia, se este a tiver requerido; não dar formação aos funcionários responsáveis pelo tratamento de denúncias; não registar ou não conservar a denúncia recebida pelo período mínimo de cinco anos ou durante a pendência de processos judiciais ou administrativos.

Direito de Denunciar

De um modo geral não existe obrigatoriedade de denunciar, a prática do ato de denúncia é do livre arbítrio de qualquer sujeito, estando sempre relacionada com o direito fundamental à liberdade de expressão. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado que o ato de denunciar enquadra-se no âmbito de aplicação do art.10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo que todas as pessoas têm o direito de denunciar situações que consideram que atentam contra o interesse público. Porém no caso de estarmos perante uma situação considerada crime ou contraordenação, este direito de denunciar está consagrado no Código Penal, no art.244.º.

Artigo 244.º - Denúncia facultativa

Qualquer pessoa que tiver notícia de um crime pode denunciá-lo ao Ministério Público, a outra autoridade judiciária ou aos órgãos de polícia criminal, salvo se o procedimento respetivo depender de queixa ou de acusação particular.

No caso da denúncia obrigatória, como o próprio conceito indica, constitui um verdadeiro dever, contudo, este tipo de denúncia, conforme consta no art.242.º do CP, apenas existe se estivermos perante um crime (não é suficiente a existência de um mero desvio comportamental). Além do mais, é necessário que o denunciante seja considerado funcionário de acordo com o art.386.º do CP. Também existe um dever de denúncia quando, ao encarregar-se de determinados cargos com maior relevo, o agente assume uma maior responsabilidade de controlo e de vigilância.

Artigo 242.º - Denúncia obrigatória

1 - A denúncia é obrigatória, ainda que os agentes do crime não sejam conhecidos:

a) Para as entidades policiais, quanto a todos os crimes de que tomarem conhecimento;

b) Para os funcionários, na aceção do artigo 386.º do Código Penal, quanto a crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas.


2 - Quando várias pessoas forem obrigadas à denúncia do mesmo crime, a sua apresentação por uma delas dispensa as restantes.

3 - O disposto nos números anteriores não prejudica o regime dos crimes cujo procedimento depende de queixa ou de acusação particular.

Artigo 386.º - Conceito de funcionário

1 - Para efeito da lei penal, a expressão funcionário abrange:

a) O empregado público civil e o militar;

b) Quem desempenhe cargo público em virtude de vínculo especial;

c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional;

d) Os juízes do Tribunal Constitucional, os juízes do Tribunal de Contas, os magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, o Provedor de Justiça, os membros do Conselho Superior da Magistratura, os membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e os membros do Conselho Superior do Ministério Público;

e) O árbitro, o jurado, o perito, o técnico que auxilie o tribunal em inspeção judicial, o tradutor, o intérprete e o mediador;

f) O notário;

g) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, desempenhar ou participar no desempenho de função pública administrativa ou exercer funções de autoridade em pessoa coletiva de utilidade pública, incluindo as instituições particulares de solidariedade social; e

h) Quem desempenhe ou participe no desempenho de funções públicas em associação pública.

2 - Ao funcionário são equiparados os membros de órgão de gestão ou administração ou órgão fiscal e os trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos, sendo que no caso das empresas com participação igual ou minoritária de capitais públicos, são equiparados a funcionários os titulares de órgão de gestão ou administração designados pelo Estado ou por outro ente público.

3 - São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 335.º e 372.º a 374.º:


a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados de organizações de direito internacional público, independentemente da nacionalidade e residência;

b) Os funcionários nacionais de outros Estados;

c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro;

d) Os magistrados e funcionários de tribunais internacionais, desde que Portugal tenha declarado aceitar a competência desses tribunais;

e) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, independentemente da nacionalidade e residência;

f) Os jurados e árbitros nacionais de outros Estados.


4 - A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.

II

Lei n.º 93/2021 - Regime geral de proteção de denunciantes de infrações, (Whistleblowing) -Transposição da Diretiva (UE) 2019/1937 21 de dezembro de 2021 (resumo)

A 20 de dezembro foi publicada a Lei n.º 93/2021, que estabelece o regime geral de proteção de denunciantes de infrações, transpondo a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União.

Desta forma, consagra-se a proteção daqueles que denunciam ou divulgam publicamente infrações ao direito da União, casos de criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada, e os crimes previstos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira.

Esta Lei entra em vigor 18 de junho de 2022, contados 180 dias da sua publicação.

Tendo em vista assegurar um nível eficaz e equilibrado de proteção de denunciantes de violações do direito da União Europeia consideradas como gravemente lesivas do interesse público, através da obrigatoriedade de criação de canais de denúncia e da proibição de qualquer forma de retaliação acompanhada da consagração de medidas de proteção e de apoio aos denunciantes, o Governo tomou a iniciativa de apresentar, em 5 de maio de 2021, a Proposta de Lei n.º 91/XIV/2.ª, que culminou na aprovação da Lei n.º 93/2021, 20 de dezembro.

Destacamos as principais normas previstas na Lei n.º 93/2021:

-inclusão, não só das violações ao direito da União indicadas na Diretiva (designadamente em domínios da contratação pública, de serviços, de produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, proteção do ambiente, saúde pública ou proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação), mas também, e neste aspeto vai além das obrigações impostas pela Diretiva, da criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada, bem como os crimes previstos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro – cf. artigo 2.º da Lei n.º 93/2021;

- a articulação com outros regimes legais, cuja aplicação não fica prejudicada, e de que é exemplo a Lei n.º 19/2008, de 21 de abril, que aprova medidas de combate à corrupção, a proteção de informações classificadas e o segredo de justiça, consagrando, desde logo, no seu artigo 4.º, garantias dos denunciantes – cf. artigo 3.º da Lei n.º 93/2021;

- a denúncia ou divulgação pública pode ter por objeto infrações cometidas, que estejam a ser cometidas ou cujo cometimento se possa razoavelmente prever, bem como tentativas de ocultação de tais infrações -– cf. artigo 4.º da Lei n.º 93/2021;

- denunciante é qualquer pessoa singular que denuncie ou divulgue publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da natureza desta atividade e do setor em que é exercida – cf. n.º 1 e 2 do artigo 5.º da Lei n.º 93/2021;

- condições de proteção do denunciante, beneficiando dessa proteção, entre outros, o denunciante que, de boa-fé, e tendo fundamento sério para crer que as informações são, no momento da denúncia ou da divulgação pública, verdadeiras, denuncie ou divulgue publicamente uma infração e ainda a pessoa singular que auxilie o denunciante no procedimento de denúncia e cujo auxílio deva ser confidencial – cf. artigo 6.º da Lei n.º 93/2021;

- precedência entre os meios de denúncia e divulgação pública, através dos canais de denúncia interna ou externa ou divulgação pública – cf. artigo 7.º da Lei n.º 93/2021;

- a obrigação das pessoas coletivas, incluindo o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público (“entidades obrigadas”), disporem de canais de denúncia interna – cf. artigo 8.º da Lei n.º 93/2021;

- as caraterísticas dos canais de denúncia interna e de denúncia externa, salientando-se que estes permitem a apresentação e o seguimento seguros de denúncias, a fim de garantir a exaustividade, integridade e conservação da denúncia, a confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia, e de impedir o acesso de pessoas não autorizadas – cf. artigos 9.º e 13º da Lei n.º 93/2021;

-a precedência entre os meios de denúncia e divulgação pública, através dos canais de denúncia interna ou externa ou divulgação pública – cf. artigo 7.º da Lei n.º 93/2021;

- obrigação das pessoas coletivas, incluindo o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público (“entidades obrigadas”), disporem de canais de denúncia interna – cf. artigo 8.º da Lei n.º 93/2021;

- as caraterísticas dos canais de denúncia interna e de denúncia externa, salientando-se que estes permitem a apresentação e o seguimento seguro de denúncias, a fim de garantir a exaustividade, integridade e conservação da denúncia, a confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia, e de impedir o acesso de pessoas não autorizadas – cf. artigos 9.º e 13º da Lei n.º 93/2021;

III

DIRETIVA (UE) 2019/1937 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 23 de outubro de 2019 relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União O PARLAMENTO EUROPEU E O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA (conhecida como Directiva Whistleblowing).

Vejamos o essencial, em síntese, desta Diretiva:

Considerando o seguinte:

(1) As pessoas que trabalham numa organização pública ou privada ou que com ela estão em contacto no contexto de atividades profissionais são frequentemente as primeiras a ter conhecimento de ameaças ou de situações lesivas do interesse público que surgem nesse contexto. Ao denunciar violações do direito da União lesivas do interesse público, essas pessoas agem como denunciantes, desempenhando assim um papel essencial na descoberta e prevenção dessas violações, bem como na salvaguarda do bem-estar da sociedade. Todavia, os potenciais denunciantes são frequentemente desencorajados de comunicar as suas preocupações ou suspeitas por receio de retaliação. Neste contexto, a importância de assegurar um nível equilibrado e eficaz de proteção dos denunciantes é cada vez mais reconhecida, tanto ao nível da União como ao nível internacional.

(2) Ao nível da União, as denúncias e a divulgação pública por denunciantes constituem uma componente a montante da aplicação do direito e das políticas da União. As denúncias e a divulgação pública alimentam os sistemas de aplicação dos direitos nacionais e da União com informações conducentes à deteção, à investigação e à ação penal eficazes por violações do direito da União, aumentando deste modo a transparência e a responsabilização.

(3) Em certos domínios de intervenção, as violações do direito da União, independentemente da sua classificação ao abrigo do direito nacional como administrativas, penais ou como outros tipos de violações, podem lesar gravemente o interesse público, na medida em que criam riscos significativos para o bem-estar da sociedade.

(4) A proteção dispensada atualmente aos denunciantes na União está fragmentada pelos Estados-Membros e difere consoante o domínio de intervenção. As consequências das violações do direito da União que assumem dimensão transfronteiriça e são denunciadas ilustram como a insuficiência da proteção num Estado-Membro afeta negativamente as políticas da União não só nesse Estado-Membro, mas também noutros Estados-Membros e na União como um todo.

(5) Deverão ser aplicadas normas mínimas comuns que assegurem uma proteção eficaz dos denunciantes relativamente aos atos e domínios de intervenção para os quais seja necessário reforçar a aplicação da lei; o reduzido número de denúncias é um fator decisivo que afeta a aplicação da lei e as violações do direito da União podem lesar gravemente o interesse público. Os Estados-Membros poderão decidir alargar a aplicação das disposições nacionais a outros domínios a fim de assegurar a existência de um regime de proteção dos denunciantes abrangente e coerente a nível nacional.

(6) A proteção dos denunciantes é necessária para reforçar a aplicação do direito da União de contratação pública. É necessário não só prevenir e detetar fraudes e corrupção em matéria de contratação no quadro da execução do orçamento da União, mas também combater igualmente a insuficiente aplicação das normas de contratação pública por autoridades/entidades adjudicantes nacionais em relação à execução de obras, ao fornecimento de produtos e à prestação de serviços.

(7) No domínio dos serviços financeiros, o valor acrescentado da proteção dos denunciantes foi já reconhecido pelo legislador da União. No rescaldo da crise financeira, que expôs graves deficiências na aplicação das normas aplicáveis, foram incluídas medidas de proteção dos denunciantes, inclusive canais de denúncia interna e externa, bem como a expressa proibição de atos de retaliação, num número significativo de atos legislativos no domínio dos serviços financeiros.

(8) No que diz respeito à segurança dos produtos colocados no mercado interno, as empresas envolvidas na cadeia de fabrico e de distribuição constituem a principal fonte de elementos de prova, do que resulta que as denúncias feitas por denunciantes nessas empresas têm um elevado valor acrescentado, uma vez que eles têm um acesso privilegiado a informações sobre eventuais práticas desleais e ilícitas de fabrico, importação ou distribuição no que diz respeito a produtos não seguros, fabrico ilícito de explosivos artesanais, contribuindo para a correta aplicação de restrições e controlos relativos aos precursores de explosivos.

(9) A importância da proteção dos denunciantes em termos de prevenção e dissuasão da prática de violações das normas da União de segurança dos transportes, suscetíveis de porem em perigo vidas humanas, foi já reconhecida nos atos setoriais da União relativos à segurança da aviação, a saber, e à segurança do transporte marítimo.

(10) No que diz respeito ao domínio da proteção do ambiente, a recolha de elementos de prova, a prevenção, a deteção e o combate aos crimes ambientais e às condutas ilícitas continuam a constituir um desafio e as ações a esse respeito carecem de reforço, como reconhecido na comunicação da Comissão de 18 de janeiro de 2018, intitulada «Ações da UE para melhorar a conformidade e a governação em matéria de ambiente».

(12) A introdução de um regime de proteção dos denunciantes contribuirá igualmente para reforçar a aplicação das disposições vigentes e para prevenir violações das normas da União no domínio da cadeia alimentar e, em particular, no da segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, bem como no da saúde, da proteção e do bem-estar animal. As diferentes normas da União estabelecidas nesses domínios estão estreitamente interligadas. O Regulamento (CE) n. 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho estabelece os princípios gerais e os requisitos em que assentam todas as medidas da União e nacionais relativamente a géneros alimentícios e alimentos para animais, com particular destaque para a segurança alimentar, a fim de se assegurar um nível elevado de proteção da saúde humana e dos interesses do consumidor relativamente aos alimentos, bem como o bom funcionamento do mercado interno.

(13) A denúncia de violações pelos denunciantes pode ser essencial para detetar e prevenir, reduzir ou eliminar os riscos para a saúde pública e a defesa do consumidor decorrentes de violações de normas da União, as quais, de outra forma, poderiam permanecer ocultas. Em particular, a defesa do consumidor está também fortemente ligada a casos em que produtos não seguros podem causar danos consideráveis aos consumidores.

(14) O respeito pela privacidade e a proteção dos dados pessoais, que são consagrados como direitos fundamentais nos artigos 7º e 8º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta»), constituem outros domínios em que os denunciantes podem ajudar a divulgar violações, que podem lesar o interesse público. Os denunciantes podem igualmente ajudar a divulgar violações da Diretiva (UE) 2016/1148 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à segurança das redes e da informação, que estabelece um requisito de notificação de incidentes, incluindo os que não comprometam dados pessoais, e requisitos de segurança para as entidades que prestem serviços essenciais em muitos setores, por exemplo, energia, saúde, transportes e serviços bancários para os prestadores de serviços digitais essenciais, por exemplo, serviços de computação em nuvem, e para os fornecedores de serviços básicos, como a água, a eletricidade e o gás.

(15) Além disso, a proteção dos interesses financeiros da União, que está relacionada com o combate à fraude, à corrupção e a outras atividades ilegais que afetam a despesa da União, à cobrança de fundos ou receitas da União ou os ativos da União, é um domínio essencial em que a aplicação do direito da União deverá ser reforçada. O reforço da proteção dos interesses financeiros da União é igualmente relevante para a execução do orçamento da União no que se refere a despesas que são efetuadas com base no Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Tratado Euratom).

(17) Especificamente, a proteção dos denunciantes para reforçar a aplicação do direito da concorrência da União, incluindo no que diz respeito aos auxílios estatais, servirá para salvaguardar o funcionamento eficiente dos mercados na União, permitir a existência de condições equitativas para as empresas e proporcionar benefícios aos consumidores.

(18) As violações do direito fiscal societário e as práticas cujo objetivo seja a obtenção de vantagens fiscais e a evasão às obrigações legais, contrariando assim o objetivo ou a finalidade do direito fiscal societário aplicável, afetam negativamente o correto funcionamento do mercado interno. Essas violações e práticas podem dar origem a uma concorrência fiscal desleal e a uma evasão fiscal em grande escala, falseando as condições de concorrência para as empresas e resultando na perda de receitas fiscais para os Estados-Membros e para o orçamento da União no seu conjunto.

(21) A presente diretiva deverá aplicar-se sem prejuízo da proteção concedida aos trabalhadores quando denunciem violações do direito do trabalho da União. Em particular, no domínio da saúde e segurança no trabalho, por força do artigo 11º da Diretiva 89/391/CEE do Conselho, os Estados-Membros estão já obrigados a garantir que os trabalhadores ou os seus representantes não sejam prejudicados por pedirem ou proporem ao empregador que adote medidas adequadas para minimizar riscos para os trabalhadores ou eliminar fontes de perigo. Os trabalhadores e os seus representantes têm, ao abrigo da referida diretiva, o direito de colocar questões à autoridade competente, se considerarem que as medidas tomadas e os meios utilizados pelo empregador não são adequados para garantir a segurança e a saúde.

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IV

ÂMBITO DE APLICAÇÃO, DEFINIÇÕES E CONDIÇÕES PARA A PROTEÇÃO

Artigo 1º (Objetivo)

A presente diretiva tem por objetivo reforçar a aplicação do direito e das políticas da União em domínios específicos estabelecendo normas mínimas comuns para um nível elevado de proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União.

Artigo 2º (Âmbito de aplicação material)

1. A presente diretiva estabelece normas mínimas comuns para a proteção das pessoas que denunciam as seguintes violações do direito da União:

a) Violações abrangidas pelo âmbito de aplicação dos atos da União indicados no anexo, que dizem respeito aos seguintes domínios:

i) contratação pública,

ii) serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo,

iii) segurança e conformidade dos produtos,

iv) segurança dos transportes,

v) proteção do ambiente,

vi) proteção contra radiações e segurança nuclear,

vii) segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, saúde e bem-estar animal,

viii) saúde pública,

ix) defesa do consumidor,

x) proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação;

Artigo 4º (Âmbito de aplicação pessoal)

1. A presente diretiva aplica-se a denunciantes que, trabalhando no setor público ou privado, tenham obtido informações sobre violações em contexto profissional, nomeadamente, pelo menos, os seguintes:

a) Trabalhadores, na aceção do artigo 45º, nº1 do TFUE, incluindo funcionários públicos;

b) Não assalariados, na aceção do artigo 49º do TFUE;

c) Titulares de participações sociais e pessoas pertencentes a órgãos de administração, de gestão ou de supervisão de empresas, incluindo membros não executivos, assim como voluntários e estagiários remunerados ou não remunerados;

d) Quaisquer pessoas que trabalhem sob a supervisão e a direção de contratantes, subcontratantes e fornecedores.

2. A presente diretiva aplica-se igualmente a denunciantes nos casos em que comuniquem ou divulguem publicamente informações sobre violações obtidas numa relação profissional que tenha entretanto terminado.

Artigo 8º (Obrigação de estabelecer canais de denúncia interna)

1. Os Estados-Membros asseguram que as entidades jurídicas dos setores privado e público estabeleçam canais e procedimentos para denúncia interna e para o seguimento, após consultas e em acordo com os parceiros sociais, sempre que previsto no direito nacional.

2. Os canais e procedimentos a que se refere o nº1 do presente artigo devem possibilitar que os trabalhadores da entidade comuniquem informações sobre violações. Os canais e procedimentos podem possibilitar que outras pessoas, referidas no artigo 4º , nº1, alíneas b), c) e d), e nº2, que estejam em contacto com a entidade no contexto das atividades profissionais, também comuniquem informações sobre violações.

3. O nº 1 aplica-se a entidades jurídicas do setor privado com 50 ou mais trabalhadores:

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V- Lei n.º 93/2021 de 20 de dezembro - em vigor a partir de 18 de junho de 2022

Estabelece o regime geral de proteção de denunciantes de infrações, transpondo a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União

Artigo 1.º (Objeto)

A presente lei estabelece o regime geral de proteção de denunciantes de infrações, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União.

Artigo 2.º (Âmbito de aplicação)

1. Para efeitos da presente lei, considera -se infração:

a) O ato ou omissão contrário a regras constantes dos atos da União Europeia referidos no anexo da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, a normas nacionais que executem, transponham ou deem cumprimento a tais atos ou a quaisquer outras normas constantes de atos legislativos de execução ou transposição dos mesmos, incluindo as que prevejam crimes ou contraordenações, referentes aos domínios de:

i) Contratação pública;

ii) Serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo;

iii) Segurança e conformidade dos produtos;

iv) Segurança dos transportes;

v) Proteção do ambiente;

vi) Proteção contra radiações e segurança nuclear;

vii) Segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem -estar animal;

viii) Saúde pública;

ix) Defesa do consumidor;

x) Proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação;

b) O ato ou omissão contrário e lesivo dos interesses financeiros da União Europeia a que se refere o artigo 325.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), conforme especificado nas medidas da União Europeia aplicáveis;

Artigo 3.º (Articulação com outros regimes)

1. O disposto na presente lei não prejudica os regimes de proteção de denunciantes previstos nos atos setoriais específicos da União Europeia referidos na parte II do anexo da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, ou nos atos legislativos de execução, transposição ou que deem cumprimento a tais atos, sendo que em tudo o que não estiver previsto nesses atos, ou sempre que tal se mostrar mais favorável ao denunciante, é aplicável o disposto na presente lei.

2. O disposto na presente lei não prejudica a aplicação de outras disposições de proteção de denunciantes mais favoráveis ao denunciante ou às pessoas referidas no n.º 4 do artigo 6.º, consoante o caso.

3. O disposto na presente lei não prejudica a aplicação do direito nacional ou da União Europeia sobre:

a) A proteção de informações classificadas;

b) A proteção do segredo religioso e do segredo profissional do médico, dos advogados e dos jornalistas;

c) O segredo de justiça.

4. O disposto na presente lei não prejudica as normas do processo penal nem do processo contra ordenacional, na sua fase administrativa ou judicial.

5.O disposto na presente lei não prejudica ainda:

a) O direito dos trabalhadores de consultarem os seus representantes ou sindicatos nem as regras de proteção associadas ao exercício desse direito;

b) A autonomia e o direito das associações sindicais, das associações de empregadores e dos empregadores de celebrar um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Artigo 4.º (Objeto e conteúdo da denúncia ou divulgação pública)

A denúncia ou divulgação pública pode ter por objeto infrações cometidas, que estejam a ser cometidas ou cujo cometimento se possa razoavelmente prever, bem como tentativas de ocultação de tais infrações.

Artigo 5.º (Denunciante)

1.A pessoa singular que denuncie ou divulgue publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da natureza desta atividade e do setor em que é exercida, é considerada denunciante.

2. Para efeitos do número anterior, podem ser considerados denunciantes, nomeadamente:

a) Os trabalhadores do setor privado, social ou público;

b) Os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção;

c) Os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos;

d) Voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados.

Artigo 6.º (Condições de proteção)

1. Beneficia da proteção conferida pela presente lei o denunciante que, de boa -fé, e tendo fundamento sério para crer que as informações são, no momento da denúncia ou da divulgação pública, verdadeiras, denuncie ou divulgue publicamente uma infração nos termos estabelecidos

2. O denunciante anónimo que seja posteriormente identificado beneficia da proteção conferida pela presente lei, contanto que satisfaça as condições previstas no número anterior.

3. O denunciante que apresente uma denúncia externa sem observar as regras de precedência previstas nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 7.º beneficia da proteção conferida pela presente lei se, aquando da apresentação, ignorava, sem culpa, tais regras.

4. A proteção conferida pela presente lei é extensível, com as devidas adaptações, a:

a) Pessoa singular que auxilie o denunciante no procedimento de denúncia e cujo auxílio deva ser confidencial, incluindo representantes sindicais ou representantes dos trabalhadores;

b) Terceiro que esteja ligado ao denunciante, designadamente colega de trabalho ou familiar, e possa ser alvo de retaliação num contexto profissional; e

c) Pessoas coletivas ou entidades equiparadas que sejam detidas ou controladas pelo denunciante, para as quais o denunciante trabalhe ou com as quais esteja de alguma forma ligado num contexto profissional.

Artigo 7.º (Precedência entre os meios de denúncia e divulgação pública)

1. As denúncias de infrações são apresentadas pelo denunciante através dos canais de denúncia interna ou externa ou divulgadas publicamente

2 .O denunciante só pode recorrer a canais de denúncia externa quando:

a) Não exista canal de denúncia interna;

b) O canal de denúncia interna admita apenas a apresentação de denúncias por trabalhadores, não o sendo o denunciante;

c) Tenha motivos razoáveis para crer que a infração não pode ser eficazmente conhecida ou resolvida a nível interno ou que existe risco de retaliação;

d) Tenha inicialmente apresentado uma denúncia interna sem que lhe tenham sido comunicadas as medidas previstas ou adotadas na sequência da denúncia nos prazos previstos no artigo 11.º; ou

e) A infração constitua crime ou contraordenação punível com coima superior a 50 000 €.

Artigo 8.º (Obrigação de estabelecer canais de denúncia interna)

1.As pessoas coletivas, incluindo o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público, que empreguem 50 ou mais trabalhadores e, independentemente disso, as entidades que estejam contempladas no âmbito de aplicação dos atos da União Europeia referidos na parte I.B e II do anexo da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, doravante designadas por entidades obrigadas, dispõem de canais de denúncia interna.

2.As entidades obrigadas que não sejam de direito público e que empreguem entre 50 e 249 trabalhadores podem partilhar recursos no que respeita à receção de denúncias e ao respetivo seguimento.

3. O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, às sucursais situadas em território nacional de pessoas coletivas com sede no estrangeiro.

4.O Estado dispõe, pelo menos, de um canal de denúncia interna em cada uma das seguintes entidades:

a) Presidência da República;

b) Assembleia da República;

c) Cada ministério ou área governativa;

d) Tribunal Constitucional;

g) Tribunal de Contas;

h) Procuradoria -Geral da República;

i) Representantes da República nas regiões autónomas.

e) Conselho Superior da Magistratura;

f) Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais;

5.As regiões autónomas dispõem de um canal de denúncia interna na assembleia legislativa regional e de um canal de denúncia interna por cada secretaria regional.

6. Não têm de dispor de canais de denúncia as autarquias locais que, embora empregando 50 ou mais trabalhadores, tenham menos de 10 000 habitantes.

7. As autarquias locais podem partilhar canais de denúncia no que respeita à receção de denúncias e ao respetivo seguimento.

Artigo 9.º (Características dos canais de denúncia interna)

1. Os canais de denúncia interna permitem a apresentação e o seguimento seguros de denúncias, a fim de garantir a exaustividade, integridade e conservação da denúncia, a confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia, e de impedir o acesso de pessoas não autorizadas.

2. Os canais de denúncia interna são operados internamente, para efeitos de receção e seguimento de denúncias, por pessoas ou serviços designados para o efeito, sem prejuízo do número seguinte.

3. Os canais de denúncia podem ser operados externamente, para efeitos de receção de denúncias.

4. Nas situações previstas nos n.os 2 e 3, deve ser garantida a independência, a imparcialidade, a confidencialidade, a proteção de dados, o sigilo e a ausência de conflitos de interesses no desempenho das funções.

Artigo 10.º (Forma e admissibilidade da denúncia interna)

1. Os canais de denúncia interna permitem, designadamente, a apresentação de denúncias, por escrito e ou verbalmente, por trabalhadores, anónimas ou com identificação do denunciante.

2. Caso seja admissível a denúncia verbal, os canais de denúncia interna permitem a sua apresentação por telefone ou através de outros sistemas de mensagem de voz e, a pedido do denunciante, em reunião presencial.

3. A denúncia pode ser apresentada com recurso a meios de autenticação eletrónica com cartão de cidadão ou chave móvel digital, ou com recurso a outros meios de identificação eletrónica emitidos em outros Estados -Membros e reconhecidos para o efeito nos termos do artigo 6.º do Regulamento (UE) n.º 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, desde que, em qualquer caso, os meios estejam disponíveis.

Artigo 11.º (Seguimento da denúncia interna)

1. As entidades obrigadas notificam, no prazo de sete dias, o denunciante da receção da denúncia e informam-no, de forma clara e acessível, dos requisitos, autoridades competentes e forma e admissibilidade da denúncia externa, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º e dos artigos 12.º e 14.º

2. No seguimento da denúncia, as entidades obrigadas praticam os atos internos adequados à verificação das alegações aí contidas e, se for caso disso, à cessação da infração denunciada, inclusive através da abertura de um inquérito interno ou da comunicação a autoridade competente para investigação da infração, incluindo as instituições, órgãos ou organismos da União Europeia.

3.As entidades obrigadas comunicam ao denunciante as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à denúncia e a respetiva fundamentação, no prazo máximo de três meses a contar da data da receção da denúncia

Denúncia externa

Artigo 12.º (Autoridades competentes)

1. As denúncias externas são apresentadas às autoridades que, de acordo com as suas atribuições e competências, devam ou possam conhecer da matéria em causa na denúncia, incluindo:

a) O Ministério Público;

b) Os órgãos de polícia criminal;

c) O Banco de Portugal;

d) As autoridades administrativas independentes;

e) Os institutos públicos;

f) As inspeções -gerais e entidades equiparadas e outros serviços centrais da administração direta do Estado dotados de autonomia administrativa;

g) As autarquias locais; e

h) As associações públicas.

Artigo 13.º (Características dos canais de denúncia externa)

1. As autoridades competentes estabelecem canais de denúncia externa, independentes e autónomos dos demais canais de comunicação, para receber e dar seguimento às denúncias, que assegurem a exaustividade, a integridade e a confidencialidade da denúncia, impeçam o acesso de pessoas não autorizadas e permitam a sua conservação nos termos do artigo 20.º

2.As autoridades competentes designam os funcionários responsáveis pelo tratamento de denúncias, que inclui:

a) Prestar a todas as pessoas interessadas informações sobre os procedimentos de denúncia, garantindo a confidencialidade do aconselhamento e da identidade das pessoas;

b) Receber e dar seguimento às denúncias;

c) Prestar informações fundamentadas ao denunciante sobre as medidas previstas ou adotadas

para dar seguimento à denúncia e solicitar informações adicionais, se necessário.

Artigo 14.º (Forma e admissibilidade da denúncia externa)

1.Os canais de denúncia externa permitem a apresentação de denúncias por escrito e ou verbalmente, anónimas ou com identificação do denunciante.

2.Os canais de denúncia externa permitem a apresentação de denúncia verbal por telefone ou através de outros sistemas de mensagem de voz e, a pedido do denunciante, em reunião presencial.

3. Caso as denúncias sejam recebidas por canais não destinados ao efeito ou por pessoas não responsáveis pelo seu tratamento, devem ser imediatamente transmitidas, sem qualquer modificação, a funcionário responsável.

4. As denúncias são arquivadas, não havendo lugar ao respetivo seguimento, quando as autoridades competentes, mediante decisão fundamentada a notificar ao denunciante, considerem que:

a) A infração denunciada é de gravidade diminuta, insignificante ou manifestamente irrelevante;

b) A denúncia é repetida e não contém novos elementos de facto ou de direito que justifiquem um seguimento diferente do que foi dado relativamente à primeira denúncia; ou

c) A denúncia é anónima e dela não se retira

Artigo 15.º (Seguimento da denúncia externa)

1.As autoridades competentes notificam o denunciante da receção da denúncia no prazo de sete dias, salvo pedido expresso em contrário do denunciante ou caso tenham motivos razoáveis para crer que a notificação pode comprometer a proteção da identidade do denunciante.

Artigo 17.º (Relatórios anuais)

As autoridades competentes apresentam à Assembleia da República, até ao fim do mês de março de cada ano, um relatório anual contendo:

a) O número de denúncias externas recebidas;

b) O número de processos iniciados com base naquelas denúncias e o seu resultado;

c) A natureza e o tipo das infrações denunciadas;

d) O que demais considerem pertinente para melhorar os mecanismos de apresentação e seguimento de denúncias, de proteção de denunciantes, de pessoas relacionadas e de pessoas visadas, e a ação sancionatória.

Artigo 18.º (Confidencialidade)

1.A identidade do denunciante, bem como as informações que, direta ou indiretamente, permitam deduzir a sua identidade, têm natureza confidencial e são de acesso restrito às pessoas responsáveis por receber ou dar seguimento a denúncias.

2 .A obrigação de confidencialidade referida no número anterior estende -se a quem tiver recebido informações sobre denúncias, ainda que não responsável ou incompetente para a sua receção e tratamento.

3. A identidade do denunciante só é divulgada em decorrência de obrigação legal ou de decisão judicial.

Artigo 21.º (Proibição de retaliação)

1. É proibido praticar atos de retaliação contra o denunciante.

2. Considera-se ato de retaliação o ato ou omissão que, direta ou indiretamente, ocorrendo em contexto profissional e motivado por uma denúncia interna, externa ou divulgação pública, cause ou possa causar ao denunciante, de modo injustificado, danos patrimoniais ou não patrimoniais.

3. As ameaças e as tentativas dos atos e omissões referidos no número anterior são igualmente havidas como atos de retaliação.

4. Aquele que praticar um ato de retaliação indemniza o denunciante pelos danos causados.

5. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, o denunciante pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a verificação ou a expansão dos danos.

6. Presumem-se motivados por denúncia interna, externa ou divulgação pública, até prova em contrário, os seguintes atos, quando praticados até dois anos após a denúncia ou divulgação pública:

a) Alterações das condições de trabalho, tais como funções, horário, local de trabalho ou retribuição, não promoção do trabalhador ou incumprimento de deveres laborais;

b) Suspensão de contrato de trabalho;

c) Avaliação negativa de desempenho ou referência negativa para fins de emprego;

d) Não conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato sem termo, sempre que o trabalhador tivesse expectativas legítimas nessa conversão;

e) Não renovação de um contrato de trabalho a termo;

f) Despedimento;

g) Inclusão numa lista, com base em acordo à escala setorial, que possa levar à impossibilidade de, no futuro, o denunciante encontrar emprego no setor ou indústria em causa;

h) Resolução de contrato de fornecimento ou de prestação de serviços;

i) Revogação de ato ou resolução de contrato administrativo, conforme definidos nos termos do Código do Procedimento Administrativo.

7. A sanção disciplinar aplicada ao denunciante até dois anos após a denúncia ou divulgação pública presume-se abusiva.

8 . O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável às pessoas referidas no n.º 4 do artigo 6.º

Artigo 22.º (Medidas de apoio)

1. Os denunciantes têm direito, nos termos gerais, a proteção jurídica.

2.Os denunciantes podem beneficiar, nos termos gerais, de medidas para proteção de testemunhas em processo penal.

3. As autoridades competentes prestam o auxílio e colaboração necessários a outras autoridades para efeitos de garantir a proteção do denunciante contra atos de retaliação, inclusivamente através de certificação de que o denunciante é reconhecido como tal ao abrigo da presente lei, sempre que este o solicite.

4.A Direção -Geral da Política de Justiça disponibiliza informação sobre a proteção dos denunciantes no Portal da Justiça, sem prejuízo dos mecanismos próprios do acesso ao direito e aos tribunais.

Artigo 24.º (Responsabilidade do denunciante)

1. A denúncia ou a divulgação pública de uma infração, feita de acordo com os requisitos impostos pela presente lei, não constitui, por si, fundamento de responsabilidade disciplinar, civil, contra-ordenacional ou criminal do denunciante

3. Constitui contraordenação grave:

a) Não dispor de canal de denúncia interno, nos termos previstos no artigo 8.º e nos n.os 2 e 3 do artigo 9.º;

b) Dispor de um canal de denúncia interno sem garantias de exaustividade, integridade ou conservação de denúncias ou de confidencialidade da identidade ou anonimato dos denunciantes ou da identidade de terceiros mencionados na denúncia, ou sem regras que impeçam o acesso a pessoas não autorizadas, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º;

Artigo 25.º Proteção da pessoa visada

1. O regime previsto na presente lei não prejudica quaisquer direitos ou garantias processuais reconhecidos, nos termos gerais, às pessoas que, na denúncia ou na divulgação pública, sejam referidas como autoras da infração ou que a esta sejam associadas, designadamente a presunção da inocência e as garantias de defesa do processo penal.

2. O disposto na presente lei relativamente à confidencialidade da identidade do denunciante é também aplicável à identidade das pessoas referidas no número anterior

3. A pessoa referida na alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º responde solidariamente com o denunciante pelos danos causados pela denúncia ou pela divulgação pública feita em violação dos requisitos impostos pela presente lei.

4. A Direção -Geral da Política de Justiça disponibiliza informação sobre os direitos da pessoa visada no Portal da Justiça, sem prejuízo dos mecanismos próprios do acesso ao direito e aos tribunais.

Artigo 26.º Indisponibilidade dos direitos

1. Os direitos e garantias previstos na presente lei não podem ser objeto de renúncia ou limitação por acordo.

2. São nulas as disposições contratuais que limitem ou obstem à apresentação ou seguimento de denúncias ou à divulgação pública de infrações nos termos da presente lei.

Artigo 27.º Contraordenações e coimas

1. Constitui contraordenação muito grave:

a) Impedir a apresentação ou o seguimento de denúncia de acordo com o disposto no artigo 7.º;

b) Praticar atos retaliatórios, nos termos do artigo 21.º, contra as pessoas referidas no artigo 5.º ou no n.º 4 do artigo 6.º.

c) Não cumprir o dever de confidencialidade previsto no artigo 18.º; d) Comunicar ou divulgar publicamente informações falsas.

2. As contraordenações previstas no número anterior são puníveis com coimas de 1 000 € a 25 000 € ou de 10 000 € a 250 000 € consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva.

3. Constitui contraordenação grave:

a) Não dispor de canal de denúncia interno, nos termos previstos no artigo 8.º e nos n.os 2 e 3 do artigo 9.º;

b) Dispor de um canal de denúncia interno sem garantias de exaustividade, integridade ou conservação de denúncias ou de confidencialidade da identidade ou anonimato dos denunciantes ou da identidade de terceiros mencionados na denúncia, ou sem regras que impeçam o acesso a pessoas não autorizadas, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º;

c) A receção ou seguimento de denúncia em violação dos requisitos de independência, imparcialidade e de ausência de conflitos de interesse, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 9.º;

d) Dispor de canal de denúncia interno que não garanta a possibilidade de denúncia a todos os trabalhadores, não garanta a possibilidade de apresentar denúncia com identificação do denunciante ou anónima, ou que não garanta a apresentação da denúncia por escrito, verbalmente ou de ambos os modos, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º e da primeira parte do n.º 2 do artigo 10.º;

e) Recusar reunião presencial com o denunciante em caso de admissibilidade de denúncia verbal, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 10.º;

f) A não notificação ao denunciante da receção da denúncia ou dos requisitos para apresentação de denúncia externa nos termos do n.º 2 do artigo 7.º, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º;

g) A não comunicação ou a comunicação incompleta ou imprecisa ao denunciante dos procedimentos para apresentação de denúncias externas às autoridades competentes, nos termos dos artigos 12.º e 14.º, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º;

h) A não comunicação ao denunciante do resultado da análise da denúncia, se este a tiver requerido, no prazo previsto no n.º 4 do artigo 11.º;

i) Não dispor de canal de denúncia externa, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º;

j) Dispor de um canal de denúncia externa que não seja independente e autónomo, ou que não assegure a exaustividade, integridade, confidencialidade ou conservação da denúncia, ou que não impeça o acesso a pessoas não autorizadas, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º;

k) Não designar funcionários responsáveis pelo tratamento de denúncias, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º;

l) Não ministrar formação aos funcionários responsáveis pelo tratamento de denúncias, nos termos do n.º 3 do artigo 13.º;

m) Não analisar, a cada três anos, os procedimentos para receção e seguimento de denúncias, a fim de verificar se são necessárias correções ou se podem ser introduzidas melhorias, nos termos do n.º 4 do artigo 13.º;

n) Não dispor de canal de denúncia externa que permita, em simultâneo, a apresentação de denúncias por escrito, verbalmente, com identificação do denunciante ou anónimas, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º e da primeira parte do n.º 2 do artigo 14.º;

o) Recusar reunião presencial com o denunciante, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 14.º;

p) Não publicar os elementos referidos nas alíneas a) a h) do artigo 16.º em secção separada, facilmente identificável e acessível dos respetivos sítios na Internet;

q) Não registar ou não conservar a denúncia recebida pelo período mínimo de cinco anos ou durante a pendência de processos judiciais ou administrativos pertinentes à denúncia recebida, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º;

r) Registar as denúncias através dos meios previstos nos n.os 3 e 5 do artigo 20.º, sem consentimento do denunciante;

s) Não permitir ao denunciante ver, retificar ou aprovar a transcrição ou ata da comunicação ou da reunião, nos termos previstos no n.º 6 do artigo 20.º

4. As contraordenações previstas no número anterior são puníveis com coimas de 500 € a 12 500 € ou de 1 000 € a 125 000 €, consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva.

5. A tentativa é punível, sendo os limites máximos das coimas identificados nos n.os 2 e 4 reduzidos em metade.

6. A negligência é punível, sendo os limites máximos das coimas identificados nos n.os 2 e 4 reduzidos em metade.

Artigo 28.º Concurso de infrações

Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e uma das contraordenações referidas no artigo anterior, o agente é sempre punido a título de crime.

Artigo 29.º Competência para o processamento e aplicação das coimas

1. O processamento das contraordenações a que se refere o artigo 27.º e a aplicação das coimas correspondentes competem ao Mecanismo Nacional Anti corrupção, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2. Caso as contraordenações previstas no artigo 27.º sejam praticadas por pessoas singulares, pessoas coletivas ou entidades equiparadas sujeitas aos regimes previstos no n.º 1 do artigo 3.º, o processamento dessas contraordenações e a aplicação das coimas correspondentes competem às autoridades que tenham competência sancionatória, nos termos dos atos setoriais específicos da União Europeia ou nos atos legislativos nacionais em que estejam previstos os regimes de proteção de denunciantes.

3. Nos casos previstos no número anterior, havendo mais do que uma autoridade com competência sancionatória, a determinação da autoridade competente faz -se de acordo com as regras previstas nos atos setoriais específicos da União Europeia ou nos atos legislativos nacionais em que estejam previstos os regimes de proteção de denunciantes ou, na sua falta, nos termos do regime geral do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.

Artigo 30.º Regime subsidiário

Em tudo o que não esteja previsto na presente lei, em matéria contra-ordenacional, aplica -se o disposto no regime geral do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.

Artigo 31.º (Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor 180 dias após a sua publicação.

Aprovada em 26 de novembro de 2021

VI

Decreto-Lei n.º 109-E/2021 de 9 de dezembro

Cria o Mecanismo Nacional Anti corrupção e estabelece o regime geral de prevenção da corrupção.

O presente decreto-lei:

a) Cria o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), entidade administrativa independente, com personalidade jurídica de direito público e poderes de autoridade, dotada de autonomia administrativa e financeira, que desenvolve atividade de âmbito nacional no domínio da prevenção da corrupção e infrações conexas;

b) Aprova o regime geral da prevenção da corrupção (RGPC), em anexo ao presente decreto-lei e do qual faz parte integrante;

Missão e atribuições

1 - O MENAC tem por missão a promoção da transparência e da integridade na ação pública e a garantia da efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas.

2 - O MENAC detém poderes de iniciativa, de controlo e de sanção.

VII

Regime geral da prevenção da corrupção(anexo ao DL nº 109-E/2021)

Artigo 1.º- Objeto

É estabelecido o regime geral da prevenção da corrupção (RGPC).

Artigo 2.º- Âmbito de aplicação

1 - O presente regime é aplicável às pessoas coletivas com sede em Portugal que empreguem 50 ou mais trabalhadores e às sucursais em território nacional de pessoas coletivas com sede no estrangeiro que empreguem 50 ou mais trabalhadores.

Artigo 3.º- Definição de corrupção e infrações conexas

Para os efeitos do presente regime, entende-se por corrupção e infrações conexas os crimes de corrupção, recebimento e oferta indevidos de vantagem, peculato, participação económica em negócio, concussão, abuso de poder, prevaricação, tráfico de influência, branqueamento ou fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, previstos no Código Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, na sua redação atual, na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na sua redação atual, no Código de Justiça Militar, aprovado em anexo à Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro, na Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, na sua redação atual, na Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, na sua redação atual, e no Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, na sua redação atual

Artigo 7.º- Código de conduta

1 - As entidades abrangidas adotam um código de conduta que estabeleça o conjunto de princípios, valores e regras de atuação de todos os dirigentes e trabalhadores em matéria de ética profissional, tendo em consideração as normas penais referentes à corrupção e às infrações conexas e os riscos de exposição da entidade a estes crimes.

Artigo 8.º- Canais de denúncia

1 - As entidades abrangidas dispõem de canais de denúncia interna e dão seguimento a denúncias de atos de corrupção e infrações conexas nos termos do disposto na legislação que transpõe a Diretiva (UE) 2019/1937, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União.

Artigo 15.º- Sistema de controlo interno

1 - As entidades públicas abrangidas implementam um sistema de controlo interno proporcional à natureza, dimensão e complexidade da entidade e da atividade por esta prosseguida e que tenha por base modelos adequados de gestão dos riscos, de informação e de comunicação, em todas as áreas de intervenção, designadamente as identificadas no respetivo PPR.

Artigo 17.º- Procedimentos de controlo interno

1 - As entidades privadas abrangidas implementam procedimentos e mecanismos internos de controlo que abranjam os principais riscos de corrupção identificados no PPR.(Plano de prevenção de riscos de corrupção)

Artigo 35.º- Articulação com outros regimes

1 - O disposto no presente regime não prejudica as obrigações constantes de outras disposições legais ou regulamentares de adoção e implementação de programas de cumprimento normativo, de elementos destes, ou de sistemas de controlo interno, em termos mais exigentes que os previstos no presente regime.

VIII - Estratégia Nacional anti corrupção

Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2021 de 6 de abril

Aprova a Estratégia Nacional Anti corrupção 2020-2024.

“Não existe uma definição de corrupção comum a todos os países. No entanto, é consensual que numa conduta corruptiva se verifica o abuso de um poder ou função públicos de forma a beneficiar um terceiro, contra o pagamento de uma quantia ou outro tipo de vantagem.

O Código Penal Português prevê, nos artigos 372.º a 374.º-B, os crimes de recebimento indevido de vantagem e os crimes de corrupção. Os crimes de corrupção apresentam-se, essencialmente, com duas configurações: a corrupção ativa e a corrupção passiva, conforme o agente esteja, respetivamente, a oferecer/prometer ou a solicitar/aceitar uma vantagem patrimonial ou não patrimonial indevida, distinguindo-se ainda, cada uma, conforme o ato solicitado ou a praticar seja ou não contrário aos deveres do cargo do funcionário corrompido.

No entanto, o conceito de corrupção alcança na sociedade um sentido mais abrangente, abarcando outras condutas, também criminalizadas, cometidas no exercício de funções públicas, como o peculato, a participação económica em negócio, a concussão, o abuso de poder, a prevaricação, o tráfico de influência ou o branqueamento.

Numa perspetiva mais social e menos jurídica do fenómeno, a organização não governamental Transparência Internacional define a corrupção como «o abuso de um poder confiado para ganhos privados».

Dados recolhidos e analisados pela PGR, relativos a 2019, dão nota do registo de 2155 novos inquéritos por crimes de corrupção e afins (fenómeno que abarca crimes de corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, apropriação ilegítima de bens públicos, administração danosa, peculato, participação económica em negócio e abuso de poder), correspondendo este número a uma diminuição com pouco significado estatístico face a 2018, ano em que foram registados 2586 inquéritos. Pela prática destes crimes, foram deduzidas 170 acusações, suspensos provisoriamente 33 processos e arquivados 1152 inquéritos.No mesmo período foram registados 204 novos inquéritos para investigação do crime de branqueamento, o que constituiu uma diminuição por referência a 2018 (387) e a 2017 (494). Foram, quanto a este tipo de crime, deduzidas 49 acusações e proferidos 61 despachos de arquivamento.

A estratégia prossegue, no longo prazo, os objetivos que se passa a sintetizar:

-A promoção da transparência e da integridade como valores comuns, integrantes de uma cultura partilhada por todos os cidadãos;

-O fortalecimento das instituições públicas e da confiança que os cidadãos nelas devem depositar;

-O fomento e a garantia de existência de igualdade de tratamento e de oportunidades para todos os cidadãos;

-A melhoria da saúde das finanças públicas, do ambiente de negócios e do desempenho da economia;

-O reforço da segurança interna quanto a ameaças externas.

IX- Indice de perceção da corrupção

O tema da corrupção tem vindo a tornar-se central na sociedade de hoje em dia, sendo que o étimo corrupção provém do termo latino “corruptus”, do particípio passado de “corrumpere”, que significa “contaminar e estragar a pureza de”, enquanto na língua portuguesa significa “o acto ou efeito de corromper ou corromper-se; adulteração; uso de meios ilícitos para obter algo de alguém”

O Código Penal prevê a corrupção como crime cometido no exercício de funções públicas, como crime contra o Estado, nos seus artigos 372-º a 374.º-A. É uma ameaça ao Estado de Direito democrático, com prejuízo da seriedade e da fluidez das relações entre os Cidadãos e a Administração, o são desenvolvimento da economia e o normal funcionamento do mercado. Genericamente, considera-se corrupção quando alguém, que ocupa uma posição dominante, aceita receber uma vantagem indevida em troca de uma postura ou prestação de favor. A peita ou o suborno, como atribuição de vantagem indevida, é elemento essencial do crime.

Refira-se que o Mecanismo Nacional Anticorrupção tem mais poderes, mas isenta os gabinetes de apoio ao Presidente, da Assembleia da República, de autarquias, governos regionais e dos órgãos de soberania, da apresentação obrigatória de planos de prevenção da corrupção

O Artigo 2.º do decreto-lei, admitirá tal exclusão, uma vez que abrange apenas “serviços e às pessoas coletivas da administração direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e do setor público empresarial que empreguem 50 ou mais trabalhadores”. ou seja, haverá uma exclusão dos órgão de soberania de forma implícita.

De acordo com o esclarecimento prestado a este propósito da parte do Ministério da Justiça consta que "O regime geral da prevenção da corrupção isenta os órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão, uma vez que estes órgãos não são considerados 'serviços da administração direta do Estado'. O Governo entende que não pode impor este diploma a estes órgãos. Qualquer previsão nesse sentido teria de ser ponderada pela Assembleia da República - ou pelos órgãos em causa, moto-próprio - e não pelo Governo"

"Em relação aos membros do Governo e membros dos respetivos gabinetes, não há qualquer exclusão, pelo que a implementação dos programas de cumprimento normativo pelas várias áreas governativas que empreguem 50 ou mais trabalhadores devem ter em consideração a atividade dos membros do Governo e dos gabinetes pertinentes".

O Índice de Perceção da Corrupção é o principal indicador de corrupção do mundo, elaborado pela ONG Transparência Internacional desde 1995, avalia 180 países e territórios e atribui classificação, numa escala entre 0 e 100. Quanto maior a nota, maior é a perceção de integridade do país.

Portugal ocupa a 32.ª posição no Índice de Perceção da Corrupção de 2021, com 62 pontos, sendo referido que a subida de um ponto no Índice de Perceção da Corrupção, terá sido devido ao facto da Estratégia Nacional Anti corrupção, não ter sido considerada adequada,designadamente pelas exclusões contidas. Portugal ao registar 62 pontos, fica abaixo das médias da Europa Ocidental e da União Europeia, de 64 e 66 pontos, respetivamente.

A Transparência Internacional – uma organização não governamental – elabora o Índice de Perceção da Corrupção (IPC), que apresenta uma lista organizada dos países mais corruptos do mundo e daqueles onde esse problema é menor ou residual.

O cálculo do Índice de Perceção da Corrupção é realizado da seguinte forma: cada país tem uma nota numa escala de zero (altamente corrupto) a cem (altamente limpo),

X- Aplicação da legislação na RA da Madeira

A legislação enunciada é der âmbito nacional, sendo por isso aplicável na RAM, do que podemos destacar:

- Na RAM, segundo dados do Relatório Único (DRTAI) de 2020, existem 153 empresas com mais de 50 trabalhadores;

- Todas as empresas com mais de 50 trabalhadores terão, entre outras obrigações, de criar canais de denúncia;

- O representante da República terá um canal de denúncia;

- a Assembleia Legislativa Regional terá um canal de denúncia;

- Cada Secretaria Regional terá de criar um canal de denúncia;

- as autarquias locais com mais de 10 mil habitantes terão de criar um canal de denúncias ( das 11 autarquias 6 têm mais de 10 mil habitantes). Assim cada uma destas 6 autarquias terá de criar canal de denúncia.

- Deverão ser elaborados Códigos de Conduta e Planos de Prevenção da corrupção.

Conclusão

Constata-se, pelo conjunto de legislação enunciada, a preocupação notória de criar meios eficazes de combate à corrupção e à defesa da transparência e legalidade, para o que se incentiva a função do denunciante, assegurando-lhe a proteção devida, para obstar retaliações.

As exigências em causa, aplicam-se quer no sector público, quer no privado, embora neste, nas empresas com mais de 50 trabalhadores, valorizando-se apenas a dimensão de recursos humanos da empresa, como requisito para tal,quando poderia/deveria incluir também, outras empresas, que não obstante terem menos trabalhadores, contudo se inserirem em áreas de negócios propícios ao ilícito, em função do volume de negócios, indicador bem mais importante, do que apenas o nº de trabalhadores.

Verifica-se igualmente que nas várias disposições legais que abordam esta matéria, existem algumas sobreposições, no tratamento de situações idênticas (p.e. canal de denúncias, código de conduta, Plano de prevenção).

A Estratégia Nacional Anti corrupção, deveria ser aprovada por Lei ou Decreto-lei e não por Resolução, uma vez que esta é de âmbito nacional, incluindo as administrações regionais autónomas e a resolução terá mais abrangência administrativa, no contexto das áreas dependentes, ou seja, da administração central.

A ampla divulgação dos normativos em causa, bem como a garantia da eficácia da ação fiscalizadora, podem constituir meios dissuasores, que permitam a redução drástica das situações de violação da lei e dos comportamentos ilegais, de modo a que o País no seu todo, melhore os índices de corrupção, a bem dos valores éticos, de uma economia saudável e de todos.

Funchal, Maio de 2022

Rui Gonçalves da Silva/jurista/assuntos laborais