* Epopeia do trabalho na Madeira antiga - abrindo caminhos na escarpa

Um olhar sobre o passado - Epopeia do trabalho na Madeira antiga: abrindo caminhos nas escarpas de basalto

A Região Autónoma da Madeira - integra a Ilha da Madeira, a Ilha do Porto Santo, além das ilhas desertas e as Ilhas Selvagens ( estas não habitadas, embora disponham de posto de vigilantes), sendo a sua ilha principal a da Madeira, de natureza vulcânica, marcada por uma orografia de escarpas e montanhas, o que exigiu, na sua história de povoamento e colonização (em 2108 celebrou 600 anos do seu descobrimento), um trabalho árduo para romper caminhos, traçar estradas, levar as águas para a irrigação dos terrenos, num processo monumental das "levadas", além de abrir sucalcos nas encostas agrestes para fazer "poios" onde a agricultura se implantou, em desafios de arrojo e de coragem, como expressão da dureza do trabalho humano.

Foram estradas e caminhos rasgados na rocha, muitas vezes em escarpas altíssimas, junto ao mar, em autênticos percepícios, num trabalho complexo e arrojado, onde os trabalhadores de então arriscavam a vida - ao que consta com muitas mortes por quedas - trabalhando em condições precárias e sem com condições de segurança ou condições muito exíguas ou inexistentes, para dotar a terra de acessos, ora sobre as falésias, ora rompendo a montanha em túneis, ora pelos vales frondosos, em amenos caminhos, ladeados de plantas, arvoredo, flores e campos agrícolas.

Desse trabalho hérculeo, desse trabalho corajoso e dificil, dos trabalhadores de então, sobram ainda hoje esses caminhos , esses trilhos, essas veredas, essas levadas que levam a água a todo o lado e constituem monumentos de arte e engenho, mas sobretudo revelam trabalho, força e luta, no domínio da natureza, a um tempo bela, mas também desafiante, no desenho das escarpas e das falésias e dos vales profundos, que fazem esta Região um local aprazível, com uma natureza plena de encantos e de magia, no contraste entre o Mar, as montanhas e os vales floridos.

Hoje, a par destas vias resgatas à montanha e às escarpas, existem vias modernas, amplas, com túneis seguros, mas não apagam a memória dessas outras estradas e caminhos, que são obra de tanto engenho e sobretudo de esforço e sacrifício e que devem ser memória e lembrança desses heróis anónimos, que à força de braços, modelaram esta terra, tornando-a habitável e com acessibilidades, em obras de arte e trabalho, que testemunham esse tempo, essa gente valorosa, que legam às gerações vindouras, tanta obra, feitas com tanto suor, tanto labor, tantas lágrimas.

Percorrer a Madeira hoje e olhar para esses caminhos, essas levadas, que serpenteiam montanhas e vales, é relembar essa história e homenagear esse trabalho e esses nobres trabalhadores, que merecem o nosso reconhecimento e respeito.

Hoje, grande parte desses caminhos, estão encerrados à circulação, num abandono cruel, relegados pelas novas vias e pela modernidade, o que é injusto e constitui um atentado à memória desse trabalho, que urge sanar, pela beleza desses atalhos - não obstante a perigosidade de algumas zonas, pela queda de pedras, ou pela ameaça da ondulação nas áreas mais ribeirinhas - mas que são ainda hoje um importante repositório da história insular, um acervo museológico de um tempo, de uma tradição, do trabalho e do arrojo desses trabalhadores e dos que morreram nesses trabalhos.

O presente faz-se desse passado e a memória dos homens deve salvaguardar os que abriam os caminhos do futuro e que por isso devem ser saudados e dignificados pelo seu contributo para o que hoje usufruímos.

* Rui Gonçalves da Silva/Novembro de 2018