* Novo Regime do Teletrabalho - lei nº83/2021


O novo regime do teletrabalho – alterações ao Código de trabalho -

Lei nº 83/2021 de 6 de dezembro


Com a situação gerada pela pandemia do COVID-19, que implicou o recurso mais intensivo e obrigatório nas situações de confinamento, ao recurso ao teletrabalho, este regime, que até então era residual, passou a ter expressão significativa, na vida laboral, tornando imperiosa a sua regulamentação com mais detalhe, o que determinou a alteração do sistema legal e particularmente do Código do trabalho vigente, para fazer face à nova realidade e suas exigências.

A Lei n.º 83/2021 de 6 de dezembro, veio assim modificar o regime de teletrabalho, adaptando o Código do Trabalho nessa matéria, alterando alguns artigos, aditando novos e introduzindo igualmente alteração na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, tendo em conta a alteração do local de trabalho, desta feita para o domicílio do trabalhador.

As alterações ao atual Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, referem-se aos artigos 3.º (relações entre fontes de regulação), 165.º (noção de teletrabalho), 166º (regime do contrato para a prestação de teletrabalho), 167.º(Duração e cessação do acordo de teletrabalho), 168.º (Equipamentos e sistemas), 169.º (Igualdade de direitos e deveres), 170ª ((privacidade do trabalhador em regime de teletrabalho), 171º (Participação e representação de trabalhador em regime de teletrabalho), 465.º (Afixação e e distribuição de informação sindical),492.º (Conteúdo de convenção coletiva) do Código do Trabalho

Designação: Alusivo a esta matéria e a este tipo de prestação de trabalho, é comum o uso de expressões sinónimas, que reportam-se idênticamente ao teletrabalho, também dito trabalho remoto, ou trabalho à distância,expressões que o legislador usa de forma indiferenciada, para se reportar a esta mesma realidade.

Vejamos o essencial dessas alterações:

A noção de teletrabalho e âmbito do regime (artº 165º), é agora enunciada com mais detalhe do que o conceito anterior:

“Considera-se teletrabalho a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, através do recurso a tecnologias de informação e comunicação.”

Prestação de teletrabalho sem subordinação jurídica

Para além das situações normais de trabalho subordinado, em termos gerais, este novo regime também se aplica a situações de trabalho sem subordinação jurídica, desde que em regime de dependência económica:

“a todas as situações de trabalho à distância sem subordinação jurídica, mas em regime de dependência económica.”

Dispõe a este respeito o nº 2 do artº 165º:

“As disposições contidas nos artigos 168.º, 169.º -A, 169.º -B, 170.º e 170.º -A, aplicam -se, na parte compatível, a todas as situações de trabalho à distância sem subordinação jurídica, mas em regime de dependência económica”.

As situações de trabalho sem subordinação jurídica, corresponderão ao trabalho autónomo/independente, em relação ao que se aplica parcialmente o regime vigente ( as disposições do artº 168º( disponibilização de equipamentos e suporte de custos), 169-A(organização do trabalho, reuniões e suporte de custos), 169º-B( Direitos e deveres), 17Oº (Privacidade), 170º-A (Segurança e Saúde no trabalho)., todavia ficam, ao que parece, excluídas as disposições do artº 166º (Contrato escrito e conteúdo deste); artº166º-A( regime de apoio aos filhos), artº 167º (duração do contrato) e artº 171º (fiscalização), o que pode suscitar dúvidas práticas na aplicação deste regime a tais trabalhadores.

Nesta matéria e quanto ao requisito “dependência económica”, trata-se de conceito que conviria densificar, sob pena de suscitar problemas práticos na sua aplicação (.p.e. trabalho maioritariamente para um empregador).

Quanto à exigência de contrato escrito, embora não previsto, o mesmo é exigível nos termos gerais, para comprovação de que não se trata de contrato de trabalho subordinado, mas autónoma e como contrato de prestação de serviços, impõe-se tal obrigação.

Contrato de trabalho em regime de teletrabalho: acordo escrito

O Acordo escrito para prestação de teletrabalho em geral, em regime de trabalho subordinado (trabalhador por conta de outrém), já consagrado no regime anterior, continua a ser exigido (artº 166º):

“Pode exercer a atividade em regime de teletrabalho um trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito.”

“A implementação do regime de teletrabalho depende sempre de acordo escrito, que pode constar do contrato de trabalho inicial ou ser autónomo em relação a este.

- O acordo de teletrabalho define o regime de permanência ou de alternância de períodos de trabalho à distância e de trabalho presencial.

O acordo deve conter e definir, nomeadamente:

a) A identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;

b) O local em que o trabalhador realizará habitualmente o seu trabalho, o qual será considerado, para todos os efeitos legais, o seu local de trabalho;

c) O período normal do trabalho diário e semanal;

d) O horário de trabalho;

e) A atividade contratada, com indicação da categoria correspondente;

f) A retribuição a que o trabalhador terá direito, incluindo prestações complementares e acessórias;

g) A propriedade dos instrumentos de trabalho, bem como o responsável pela respetiva instalação e manutenção;

h) A periodicidade e o modo de concretização dos contactos presenciais.

Quanto à opção pelo regime de teletrabalho, o novo regime prevê situações e consequências diferentes, caso a iniciativa seja do empregador ou do trabalhador: “se a proposta de acordo de teletrabalho partir do empregador, a oposição do trabalhador não tem de ser fundamentada, não podendo a recusa constituir causa de despedimento ou fundamento da aplicação de qualquer sanção.

No caso de a atividade contratada com o trabalhador ser, pela forma como se insere no funcionamento da empresa, e tendo em conta os recursos de que esta dispõe, compatível com o regime de teletrabalho, a proposta de acordo feita pelo trabalhador só pode ser recusada pelo empregador por escrito e com indicação do fundamento da recusa.

O local de trabalho previsto no acordo de teletrabalho pode ser alterado pelo trabalhador, mediante acordo escrito com o empregador.

O empregador pode definir, por regulamento interno publicitado, e com observância do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, as atividades e as condições em que a adoção do teletrabalho na empresa poderá ser por ele aceite.

Regime das propostas de acordo para regime de teletrabalho

O novo regime adota critérios diferentes quanto à aceitação do regime de teletrabalho,mais favorável ao trabalhador, pois que sendo a proposta apresentada por parte do trabalhador, este tem garantias mais amplas de consagração da esta, uma vez que a recusa pelo empregador terá de ser fundamentada, sendo por parte do empregador esta depende da aceitação e não oposição do trabalhador, sem que este tenha de fundamentar.

Dispõe, a este propósito o artº 166º:

“Se a proposta de acordo de teletrabalho partir do empregador, a oposição do trabalhador não tem de ser fundamentada, não podendo a recusa constituir causa de despedimento ou fundamento da aplicação de qualquer sanção.

No caso de a atividade contratada com o trabalhador ser, pela forma como se insere no

funcionamento da empresa, e tendo em conta os recursos de que esta dispõe, compatível com o regime de teletrabalho, a proposta de acordo feita pelo trabalhador só pode ser recusada pelo empregador por escrito e com indicação do fundamento da recusa.”

Duração do contrato de prestação de teletrabalho

Quanto à Duração e cessação do acordo de teletrabalho (artº 167º) o regime anterior previa que a duração do contrato para prestação de teletrabalho não podia exceder 3 anos, ou o prazo previsto em IRCT, situação que é alterada, com novo enquadramento, sem estabelecer um prazo limite.

O novo regime estabelece que o acordo de teletrabalho pode ser celebrado com duração determinada, com a duração de 6 meses (renovável), ou indeterminada, sem prazo, podendo esta situação cessar:

“Sendo o acordo de teletrabalho celebrado com duração determinada, este não pode exceder seis meses, renovando-se automaticamente por iguais períodos, se nenhuma das partes declarar por escrito, até 15 dias antes do seu término, que não pretende a renovação.

Sendo o acordo de duração indeterminada, qualquer das partes pode fazê-lo cessar mediante comunicação escrita, que produzirá efeitos no 60.º dia posterior àquela.

Qualquer das partes pode denunciar o acordo durante os primeiros 30 dias da sua execução.

Cessando o acordo de teletrabalho no âmbito de um contrato de trabalho de duração indeterminada, ou cujo termo não tenha sido atingido, o trabalhador retoma a atividade em regime presencial, sem prejuízo da sua categoria, antiguidade e quaisquer outros direitos reconhecidos aos trabalhadores em regime presencial com funções e duração do trabalho idênticas.”

Instrumentos de trabalho: posse e custas

No que se refere aos instrumentos de trabalho inerentes à prestação de teletrabalho, ou seja aos Equipamentos e sistemas (artº 168º) necessários, o novo regime, mercê da experiência e dos problemas práticos suscitados, no decurso da pandemia, de modo a que seja de forma inequívoca da responsabilidade do empregador o assumir dos custos inerentes resultantes da prestação do trabalho em regime de trabalho.

Assim, na linha do que já era consagrado no regime anterior, mas com a especificação devida, o empregador é responsável pela disponibilização ao trabalhador dos equipamentos e sistemas necessários à realização do trabalho e à interação trabalhador-empregador, devendo o acordo celebrado especificar se são fornecidos diretamente ou adquiridos pelo trabalhador, com a concordância do empregador acerca das suas características e preços.

Deste modo a lei estabelece que “ São integralmente compensadas pelo empregador todas as despesas adicionais que, comprovadamente, o trabalhador suporte como direta consequência da aquisição ou uso dos equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos necessários à realização do trabalho, nos termos do número anterior, incluindo os acréscimos de custos de energia e da rede instalada no local de trabalho em condições de velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço, assim como os custos de manutenção dos mesmos equipamentos e sistemas.

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Neste sentido, consideram-se despesas adicionais “as correspondentes à aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes da celebração do acordo , assim como as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no mesmo mês do último ano anterior à aplicação desse acordo.” O pagamento da compensação devida por tais despesas é devido imediatamente após a realização das despesas pelo trabalhador, sendo que a compensação prevista é considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador.

Sendo os equipamentos e sistemas utilizados no teletrabalho fornecidos pelo empregador, as condições para o seu uso para além das necessidades do serviço são as estabelecidas pelo regulamento interno e no caso de inexistência do regulamento interno ou de este omitir as condições, estas são definidas no acordo celebrado.

Direitos e deveres: princípio da igualdade

Quanto aos direitos e deveres (artº 169º) dos trabalhadores em regime de teletrabalho, permanece o princípio da Igualdade, agora expresso com mais detalhe:

“O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores da empresa com a mesma categoria ou com função idêntica, nomeadamente no que se refere a formação, promoção na carreira, limites da duração do trabalho, períodos de descanso, incluindo férias pagas, proteção da saúde e segurança no trabalho, reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, e acesso a informação das estruturas representativas dos trabalhadores, incluindo o direito a:

a) Receber, no mínimo, a retribuição equivalente à que auferiria em regime presencial, com a mesma categoria e função idêntica;

b) Participar presencialmente em reuniões que se efetuem nas instalações da empresa mediante convocação das comissões sindicais e intersindicais ou da comissão de trabalhadores, nos termos da lei;

c) Integrar o número de trabalhadores da empresa para todos os efeitos relativos a estruturas de representação coletiva, podendo candidatar-se a essas estruturas.

Em termos de direitos, convém destacar a matéria da retribuição, particularmente quanto ao subsídio de refeição, que não está expressamente referenciado, pois trata-se de valor que tem a sua origem e base legal, em sede de contratação coletiva, existindo ainda sectores, residuais, em que este não está consagrado (ditas zonas brancas).

O conceito legal de retribuição consta do artº 258º do Código do trabalho, que estabelece:

Artigo 258.º - Princípios gerais sobre a retribuição

1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.

2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.

3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

Neste princípio, o subsidio de refeição quando previsto, por via contratual/negocial, seria devido, não obstante este estar depende da presença no local de trabalho e em regime de teletrabalho, esse local será no domicilio do trabalhador.

Contudo, haverá que ter presente também o disposto no artº 260º do Código do trabalho, que enuncia as prestações que não se enquadram no conceito de retribuição,

Artigo 260.º - Prestações incluídas ou excluídas da retribuição

1 - Não se consideram retribuição:


a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;

E esta norma dispõe especificamente sobre o subsidio de refeição, nos seguintes termos:

“2.O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição”.

Assim sendo, esta remissão, na parte da exceção, pode consentir um entendimento, de que o subsidio de refeição, integrará, como prática e uso, a retribuição, e valorizando também o que por norma estabelece a contratação coletiva ( o subsidio de refeição é devido por cada dia de prestação efetiva de trabalho e o teletrabalho corresponde a tal prestação) deste modo teremos o enquadramento legal/convencional, para considerar devido, em regime de teletrabalho, a atribuição deste subsídio( a presença no local de trabalho garante tal direito e no teletrabalho o local é no domicílio do trabalhador) embora seria mais adequado que a legislação abordasse claramente esta matéria ( p.e. referindo que nos casos em que este subsidio está prevista em IRCT tal seria devido nas mesmas condições aos trabalhadores em regime de teletrabalho).

Mas em termos gerais, não obstante as questões que se possam suscitar,entendemos devido tal subsidio em regime de teletrabalho, nos casos previstos por IRCT.

Atividade sindical

O novo regime mantém os direitos de utilização de meios para atividades sindicais, estabelecendo que o trabalhador em teletrabalho pode utilizar as tecnologias de informação e de comunicação afetas à prestação de trabalho para participar em reunião promovida no local de trabalho por estrutura de representação coletiva dos trabalhadores.

Qualquer estrutura de representação coletiva dos trabalhadores pode utilizar as tecnologias referidas no número anterior para, no exercício da sua atividade, comunicar com o trabalhador em regime de teletrabalho, nomeadamente divulgando informações.

Em moldes inovatórios, o novo regime aplica a estes trabalhadores o regime geral da atividade sindical previsto no artigo 465.º do Código do trabalho (afixação e distribuição de informação sindical), que dispõe:

“As estruturas representativas dos trabalhadores têm o direito de afixar em local disponibilizado, para o efeito, no portal interno da empresa convocatórias, comunicações, informações ou outros textos relativos à vida sindical e aos interesses socioprofissionais dos trabalhadores, bem como proceder à sua distribuição por via de lista de distribuição de correio eletrónico para todos os trabalhadores em regime de teletrabalho, disponibilizada pelo empregador”:

Privacidade do trabalhador

No domínio da privacidade do trabalhador (Artigo 170.º), mantém-se o direito à privacidade:

“O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador, o horário de trabalho e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico.”

Como inovação, estabelece o novo regime que “Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho requer aviso prévio de 24 horas e concordância do trabalhador.”

A visita ao domicílio do trabalhador só deve ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho, e apenas pode ser efetuada na presença do trabalhador, durante o horário de trabalho acordado, quando antes esta visita poderia ocorrer entre as 9 e as 19 horas.

No acesso ao domicílio do trabalhador, as ações integradas pelo empregador devem ser adequadas e proporcionais aos objetivos e finalidade da visita.

O novo regime estabelece uma importante restrição, ao determinar que “É vedada a captura e utilização de imagem, de som, de escrita, de histórico, ou o recurso a outros meios de controlo que possam afetar o direito à privacidade do trabalhador”.

Fiscalização do teletrabalho

O novo regime, colmatando lacuna anterior, aborda a situação da fiscalização (artº 171º) deste tipo de prestação de trabalho, dadas as suas especificidades, mantendo o sancionamento inerente, como contra-ordenação grave.

Estabelece o novo regime, a competência inspetiva dos serviços da inspeção do trabalho, ao definir que” Cabe ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do trabalho fiscalizar o cumprimento das normas reguladoras do regime de teletrabalho, incluindo a legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, e contribuir para a prevenção dos riscos profissionais inerentes a essa forma de prestação de trabalho”.

Contudo tais inspeções têm como condicionantes, a anuência do trabalhador, não se definindo se esta é expressa ou tácita e o aviso prévio, pois que “As ações de fiscalização que impliquem visitas de autoridades inspetivas ao domicílio do trabalhador requerem a anuência do trabalhador e a comunicação da sua realização com a antecedência mínima de 48 horas”.

Contratação coletiva de Trabalho

A nova legislação estabelece a inclusão na Contratação coletiva de trabalho ( artº 492º) do dever de regular, a exemplo das demais matérias, as inerentes às condições de prestação de trabalho em regime de teletrabalho.

Aditamento de normas ao Código do Trabalho, inerentes à prestação de trabalho em regime de teletrabalho

Para além das alterações a algumas disposições do Código do trabalho, no que se refere ao regime do teletrabalho, em complemento deste, são criadas novas normas, que consubstanciam um regime mais amplo e melhorado.

Assim, foram aditados os artigos 166.º-A, 169.º-A, 169.º-B, 170.º-A e 199.º-A ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com a seguinte redação:

Artigo 166.º-A

Direito ao regime de teletrabalho

Esta nova disposição integra, as situações específicas, que dão direito ao trabalhador, à opção pelo teletrabalho, em princípio, sem que o empregador se possa opor, nos seguintes casos:

1.Verificadas as condições previstas no n.º 1 do artigo 195.º (violência doméstica) o trabalhador tem direito a passar a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada (esta situação inerente às vítimas de violência doméstica, já estava prevista).

2.O trabalhador com filho com idade até 3 anos tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito.

3. O trabalhador com filho até 8 anos de idade tem direito a exercer atividade em teletrabalho, exceto nas microempresas, nas seguintes situações:

a) Nos casos em que ambos os progenitores reúnem condições para o exercício da atividade em regime de teletrabalho, desde que este seja exercido por ambos em períodos sucessivos de igual duração num prazo de referência máxima de 12 meses;

b) Famílias monoparentais;

c) Situações em que apenas um dos progenitores, comprovadamente, reúne condições para o exercício da atividade em regime de teletrabalho.

Nota: Família monoparental trata-se de situação em que apenas uma pessoa assume a parentalidade de outra. Esta situação acontece ocorre, por exemplo, quando um pai biológico não reconhece o filho e abandona a mãe biológica, quando um dos pais morre, através da adoção por somente uma pessoa, ou quando um casal com filhos dissolvem a união pela separação ou divórcio, e resta apenas uma pessoa do casal a assumir a parentalidade.

A família monoparental surge quando apenas um dos pais se responsabiliza pela criança. Diferente de uma família mais tradicional, a criação da criança vai depender exclusivamente de um dos pais. Ou seja, independente de sua formação, seja mãe e criança ou pai e criança, isso se configura como uma família monoparental.

Nestes casos, o empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador, se cumpridas as condições estabelecidas.

Contudo este direito não se aplica ao trabalhador de microempresa (a que emprega menos de 10 trabalhadores, cf. alínea a) do nº 1 do artº 100º do Código do trabalho).

4.O trabalhador com estatuto de cuidador informal, tem também direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, pelo período máximo de quatro anos seguidos ou interpolados, desde que lhe tenha sido reconhecido o estatuto de cuidador informal não principal, mediante comprovação do mesmo, nos termos da legislação aplicável, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito.

Nota:O cuidador informal pode ser: cuidador informal não principal, se acompanha de forma regular, mas não permanente, a pessoa cuidada, podendo receber remuneração de trabalho, ou receber pelos cuidados que presta à pessoa cuidada.

O cuidador informal principal, se acompanha permanentemente a pessoa cuidada, vive na mesma casa e não recebe remuneração de trabalho ou pelos cuidados que presta à pessoa cuidada. Este cuidador pode ter direito ao subsídio de apoio ao cuidador informal principal).

A lei nº 100/2019 de 6 de setembro estabelece o regime do cuidador informal e o Decreto legislativo regional nº 5/2019 de 17 de julho estabelece o regime do cuidador informal da RAM.

Constata-se a existência de dois regimes, que abordam a mesma matéria, com alguma sobreposição, o que pode suscitar problemas práticos de aplicação, além de que o regime regional não diferencia a tipologia de cuidador.

Oposição do empregador

Como se referiu, em princípio, estas opções pelo recurso ao regime de teletrabalho ( 5 situações), constituem um direito dos trabalhadores em causa, sem que o empregador se possa opor, desde que existam condições compatíveis para tal trabalho.

Contudo existe uma situação em que pode se verificar oposição do empregador:

O empregador pode opor-se ao direito evocado pelo cuidador informal, quando não estejam reunidas as condições previstas ou com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, sendo nestes casos aplicável o procedimento previsto nos nº 3 a 10 do artigo 57.ºdo Código do trabalho (autorização de trabalho a tempo parcial ou em horário flexível) com as necessárias adaptações ( em caso de recusa pelo empregador do pedido, o processo será objeto de apreciação pela entidade competente – será a segurança social – e se o parecer desta entidade for desfavorável ao empregador, este só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça o motivo justificativo.

Artigo 169.º-A

Organização, direção e controlo do trabalho

1 - As reuniões de trabalho à distância, assim como as tarefas que, pela sua natureza, devem ser realizadas em tempos precisos e em articulação com outros trabalhadores, devem ter lugar dentro do horário de trabalho e ser agendadas preferencialmente com 24 horas de antecedência.

2 - O trabalhador é obrigado a comparecer nas instalações da empresa ou noutro local designado pelo empregador, para reuniões, ações de formação e outras situações que exijam presença física, para as quais tenha sido convocado com, pelo menos, 24 horas de antecedência.

3 - O empregador suporta o custo das deslocações a que se refere o número anterior, na parte em que, eventualmente, exceda o custo normal do transporte entre o domicílio do trabalhador e o local em que normalmente prestaria trabalho em regime presencial.

4 - Os poderes de direção e controlo da prestação de trabalho no teletrabalho são exercidos preferencialmente por meio dos equipamentos e sistemas de comunicação e informação afetos à atividade do trabalhador, segundo procedimentos previamente conhecidos por ele e compatíveis com o respeito pela sua privacidade.

5 - O controlo da prestação de trabalho, por parte do empregador, deve respeitar os princípios da proporcionalidade e da transparência, sendo proibido impor a conexão permanente, durante a jornada de trabalho, por meio de imagem ou som.

6 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 e 3.

Artigo 169.º-B

Deveres especiais

(do empregador e do trabalhador)

1 - Sem prejuízo dos deveres gerais consagrados neste Código, o regime de teletrabalho implica, para o empregador, os seguintes deveres especiais:

a) Informar o trabalhador, quando necessário, acerca das características e do modo de utilização de todos os dispositivos, programas e sistemas adotados para acompanhar à distância a sua atividade;

b) Abster-se de contactar o trabalhador no período de descanso nos termos a que se refere o artigo 199.º-A (Dever de abstenção de contacto);

c) Diligenciar no sentido da redução do isolamento do trabalhador, promovendo, com a periodicidade estabelecida no acordo de teletrabalho, ou, em caso de omissão, com intervalos não superiores a dois meses, contactos presenciais dele com as chefias e demais trabalhadores;

d) Garantir ou custear as ações de manutenção e de correção de avarias do equipamento e dos sistemas utilizados no teletrabalho, nos termos do n.º 2 do artigo 168.º, independentemente da sua propriedade;

e) Consultar o trabalhador, por escrito, antes de introduzir mudanças nos equipamentos e sistemas utilizados na prestação de trabalho, nas funções atribuídas ou em qualquer característica da atividade contratada;

f) Facultar ao trabalhador a formação de que este careça para o uso adequado e produtivo dos equipamentos e sistemas que serão utilizados por este no teletrabalho.

2 - Sem prejuízo dos deveres gerais consagrados neste Código, o teletrabalho implica, para o trabalhador, os seguintes deveres especiais:

a) Informar atempadamente a empresa de quaisquer avarias ou defeitos de funcionamento dos equipamentos e sistemas utilizados na prestação de trabalho;

b) Cumprir as instruções do empregador no respeitante à segurança da informação utilizada ou produzida no desenvolvimento da atividade contratada;

c) Respeitar e observar as restrições e os condicionamentos que o empregador defina previamente, no tocante ao uso para fins pessoais dos equipamentos e sistemas de trabalho fornecidos por aquele;

d) Observar as diretrizes do empregador em matéria de saúde e segurança no trabalho.

3 - Para além de responsabilidade disciplinar, as infrações dos deveres indicados no número anterior podem implicar responsabilidade civil, nos termos gerais.

4 - Constitui contraordenação grave a violação dos deveres dispostos no n.º 1.

Artigo 170.º-A

Segurança e saúde no trabalho

1 - É vedada a prática de teletrabalho em atividades que impliquem o uso ou contacto com substâncias e materiais perigosos para a saúde ou a integridade física do trabalhador, exceto se efetuados em instalações certificadas para o efeito.

2 - O empregador organiza em moldes específicos e adequados, com respeito pela privacidade do trabalhador, os meios necessários ao cumprimento das suas responsabilidades em matéria de saúde e segurança no trabalho, nomeadamente cumprindo as medidas previstas no Decreto-Lei n.º 349/93, de 1 de outubro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 90/270/CEE, do Conselho, de 29 de maio, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor.

3 - No quadro da responsabilidade a que se refere o número anterior, o empregador promove a realização de exames de saúde no trabalho antes da implementação do teletrabalho e, posteriormente, exames anuais para avaliação da aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da atividade, a repercussão desta e das condições em que é prestada na sua saúde, assim como das medidas preventivas que se mostrem adequadas.

4 - O trabalhador faculta o acesso ao local onde presta trabalho aos profissionais designados pelo empregador que, nos termos da lei, têm a seu cargo a avaliação e o controlo das condições de segurança e saúde no trabalho, em período previamente acordado, entre as 9 e as 19 horas, dentro do horário de trabalho.

5 - O regime legal de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais aplica-se às situações de teletrabalho, considerando-se local de trabalho o local escolhido pelo trabalhador para exercer habitualmente a sua atividade e tempo de trabalho todo aquele em que, comprovadamente, esteja a prestar o seu trabalho ao empregador.

6 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a violação do disposto neste artigo.

Artigo 199.º-A

Dever de abstenção de contacto

1 - O empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, ressalvadas as situações de força maior.

2 - Constitui ação discriminatória, para os efeitos do artigo 25.º, (Proibição de discriminação) qualquer tratamento menos favorável dado a trabalhador, designadamente em matéria de condições de trabalho e de progressão na carreira, pelo facto de exercer o direito ao período de descanso, nos termos do número anterior.

3 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1.

Alteração à Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro - regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais

O artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, passa a ter redação com aditamento, para incluir o regime de teletrabalho, na proteção legal de acidentes de trabalho e doenças profissionais, colmando a lacuna existente.

c) No caso de teletrabalho ou trabalho à distância, considera-se local de trabalho aquele que conste do acordo de teletrabalho.

Administração Pública: aplicação do regime de teletrabalho

Artigo 5.º

Teletrabalho no âmbito da Administração Pública

1 - O regime jurídico do teletrabalho aplica-se, com as necessárias adaptações, à Administração Pública central, regional e local.

2 - Sem prejuízo das competências da Inspeção-Geral das Finanças, enquanto autoridade de auditoria, cabe às inspeções setoriais fiscalizar o cumprimento das normas reguladoras do teletrabalho no âmbito da Administração Pública.

Entrada em vigor- artº 6º

A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2022 (primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação).

Conclusão/nota final

O novo regime jurídico do teletrabalho, consubstanciado na alteração dos vários artigos do regime constantes do Código do trabalho, a que acresce novas disposições legais ( com o aditamento de novos artigos) surge desta feita, mais completo e com resposta aos desafios da mudança de paradigma na prestação do trabalho, face à crise pandémica do COVID 19, que determinou o recurso intensivo à prestação do trabalho no domicílio, com recurso às novas tecnologias.

O novo regime vem melhor substancialmente o regime anterior, com um conjunto de normas, mais amplo, indo ao encontro da nova realidade, não obstante, algumas indefinições e omissões, próprio de diploma elaborado no contexto da procura de consensos e maiorias e num tempo de crise parlamentar ( destituição da Assembleia da república), porém o novo regime do teletrabalho, constitui um quadro legal mais apropriado e consentâneo com as exigências presentes e futuras.

O regime em vigor, quanto à aceitação de proposta de acordo para recurso ao teletrabalho, favorece o trabalhador, prevalecendo a sua opção, concedendo direitos nas situações tipificadas,sendo que o empregador está mais limitado nas suas opções, na generalidade, dependendo do acordo e da não oposição do trabalhador.

Para além das situações referidas, o novo regime deveria prever regime transitório, para acomodação das situações existentes de teletrabalho, criadas por força da legislação elaborada durante a pandemia, bem como prever regime de proteção e de direito ao teletrabalho, dos casos de doentes crónicos, de trabalhadores com crianças/adolescentes com deficiências.

O novo paradigma da prestação de trabalho, durante e no pós-pandemia, implica mudanças significativas, com recurso ao teletrabalho e ao trabalho presencial de forma híbrida, gerando profundas alterações económicas e sociais, e nesse sentido o novo regime do teletrabalho será uma base para enfrentar os novos desafios, com as adaptações e aperfeiçoamentos legislativos que se impõem e que, em termos gerais, nas situações mais evidentes, enunciámos.

Funchal, 6 de dezembro de 2022

Rui Gonçalves da Silva/jurista/assuntos laborais